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ABANDONO

Bahia já registra mais de 4 mil crianças sem o nome do pai em 2025

Falta de reconhecimento e ausência do pai geram diversas dificuldades na vida de crianças e mães

Por Priscila Dórea

04/05/2025 - 7:42 h
Ausência  tem consequências em toda a família e,  sobretudo, na vida das crianças que sofrem pelo abandono
Ausência tem consequências em toda a família e, sobretudo, na vida das crianças que sofrem pelo abandono -

Nos quatro primeiros meses de 2025, 3.764 crianças foram registradas sem o nome do pai na Bahia, 756 (20%) delas em Salvador, apontam dados da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Brasil (Arpen Brasil). No entanto, para além de números e estatísticas, a falta do reconhecimento paterno está longe de ser apenas um dado, pois é um fator que pode moldar financeiramente, socialmente e emocionalmente a vida dessas crianças e de suas mães.

Sem o nome do pai na certidão de nascimento, essas crianças enfrentam barreiras que vão desde dificuldades no acesso a direitos básicos – como pensão alimentícia e herança – até desafios emocionais que podem afetar sua autoestima e desenvolvimento. Assim, o peso dessa ausência recai, principalmente, sobre as mães, que mesmo com o apoio e ajuda de familiares, essencialmente criam os filhos sozinhas.

“O pai da minha filha foi para o interior e ficou lá por anos. Nunca registrou ou deu qualquer coisa para a filha. Quando ela tinha 12 anos, levei ela até a casa da tia dele para que se conhecessem, mas ele desprezou ela. Ela tentou disfarçar quando voltamos para casa, mas uma mãe sempre sabe, né? E isso cortou meu coração. Hoje, minha filha Rayane está com 15 anos e me pede muito por esse registro, ela sente muita vergonha de não ter o nome do pai na identidade e me cobra muito isso”, desabafa a baiana de acarajé Luzinete Pereira de Assis.

Esse desejo de Rayane se assemelha ao do filho de 11 anos da autônoma Juciara (nome fictício). “Meu filho é alegre e um amor de pessoa, mas percebo que não ter o pai por perto tem pesado cada vez mais. Quando os amigos perguntam, ele chega a gaguejar. Em consultas médicas, na hora de preencher as informações da ficha, o espaço vazio onde deveria estar o nome do pai dele, deixa ele abatido na hora. E isso acaba comigo todas as vezes, é quase impossível não me sentir culpada”, lamenta Juciara, que conta que o filho sabe quem é o pai, mas o genitor nunca quis registrar o menino.

Impacto subjetivo

Pela perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), experiências de rejeição na infância podem dar origem a crenças disfuncionais, como “não sou bom o suficiente, não sou digno de amor” ou “ninguém vai ficar por perto”, explica a psicóloga clínica Paula Regina Nascimento de Carvalho.

“Com o tempo, essas crenças se manifestam em sentimentos de tristeza, raiva, insegurança, baixa autoestima e até dificuldade de confiar nos outros. Além disso, o estigma social associado a ‘não ter pai’, que pode começar com perguntas ou comentários na escola, contribui para um sentimento de exclusão, vergonha ou inferioridade”, explica.

Já no caso das mães, para além da sobrecarga financeira, emocional e logística de criar uma criança sozinha, há um forte peso social que normaliza essa ausência – quase como se fosse esperado que a mulher dê conta de tudo. “Frases como ‘ela é uma guerreira’, ‘mãe é mãe e pai’ e piadas como ‘meu pai foi comprar cigarro’, reforçam uma cultura que banaliza o abandono paterno e romantiza o sofrimento materno. Isso pode levar a um esgotamento emocional severo”, aponta a psicóloga.

Muitas mães, ressalta Paula Regina, não têm espaço para expressar sua dor ou buscar apoio, pois são vistas como super-heroínas.

“Vejo muitas que sentem culpa, solidão, exaustão e que vivem sob constante pressão para não falhar, como se errar não fosse uma opção. Durante minha atuação como psicóloga com crianças em situação de vulnerabilidade social, observei que a ausência paterna é uma realidade constante. Em muitos casos, o pai nunca chegou a conviver com a criança”, relata.

E isso não pode, de forma alguma, ser encarado como algo natural ou inofensivo: precisamos falar sobre o impacto emocional que isso gera e responsabilizar também quem se ausenta.

“A presença constante de figuras cuidadoras, como avós, professores ou outros adultos confiáveis, pode ajudar a preencher lacunas emocionais importantes. E, principalmente, mães e filhos precisam ser acolhidos em suas dores, em vez de julgados ou idealizados. O afeto, o cuidado e a escuta são ferramentas fundamentais para romper o ciclo da negligência e fortalecer a saúde mental dessas famílias”, afirma a psicóloga.

Na última semana, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família aprovou uma proposta que, no caso de Rayane e de Caio, poderia ter ajudado a obter, ao menos, o nome do pai em seus registros: o Projeto de Lei 3436/15 estabelece um prazo de cinco dias para que os cartórios de registro civil notifiquem a Justiça sobre nascimentos sem dados do pai biológico, propondo que notificação ao juiz seja acompanhada, sempre que possível, de informações oferecidas pela mãe – nome, sobrenome, profissão, identidade e residência do suposto pai.

Presidente da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen-BA), Carlos Magno explica que essa obrigatoriedade de comunicação realizada pelos Oficiais de Registro ao Poder Judiciário já está prevista na Lei Federal nº 8.560/1992. “Que deve ser remetida mensalmente, também, à Defensoria Pública, conforme disposto na Lei Estadual nº 13.577/2016. Assim sendo, a novidade trazida no mencionado projeto de lei está em estabelecer um prazo de cinco dias para o envio dessas informações ao Judiciário”, ressalta.

Problema contínuo

Carlos Magno pontua que, se de um lado o número absoluto de registros de nascimentos de crianças sem a paternidade declarada tem diminuído, no outro o número de nascimentos também tem ficado menor. “De modo que não houve uma diminuição efetiva na quantidade de registro de criança sem constar o nome do pai. Penso que a solução perpassa, necessariamente, pela educação da população acerca da importância de constar os nomes da mãe e do pai no assento de nascimento”, afirma.

Advogada, professora da UniRuy, e mestre em Direito Público e Direito Privado, Danielle Borges é especialista em Juizados Especiais, e aponta que a atuação de órgãos como a Defensoria Pública e o Ministério Público no combate à omissão paterna tem sido fundamental para garantir os direitos da criança à identidade e à filiação.

“Campanhas de reconhecimento de paternidade, mutirões de DNA gratuitos e atendimento jurídico para mães solo são exemplos de ações relevantes que têm dado visibilidade ao problema e ampliado o acesso à justiça. Esses esforços demonstram um compromisso crescente com a dignidade da criança e com a responsabilidade parental, o que é um passo positivo”, afirma.

Entretanto, salienta a advogada, quando analisamos o contexto mais amplo, especialmente sob a lente do Projeto de Lei 3436/2015, percebe-se que ainda estamos enfrentando as consequências do problema, e não suas causas estruturais.

“A legislação atual permite que uma criança seja registrada apenas com o nome da mãe, e embora exista previsão legal para a busca judicial do pai, essa iniciativa costuma recair exclusivamente sobre a mulher. O PL 3436/15 amplia a responsabilização institucional e cria mecanismos mais proativos de reconhecimento”, explica.

Isso, argumenta Danielle Borges, nos coloca no caminho certo, mas de forma parcial e lenta. “O modelo atual ainda depende muito da iniciativa das mães e da estrutura sobrecarregada dos órgãos públicos. O Brasil precisa caminhar para uma política pública mais integrada, que envolva educação, cultura, responsabilização e prevenção. Ainda há muito a ser feito para que o reconhecimento de paternidade seja compreendido não como um favor do pai, mas como um dever inegociável”, afirma.

A legislação brasileira não prevê penalidade criminal direta a um pai que não registra o filho, no entanto, essa omissão pode acarretar consequências jurídicas significativas, como a instauração de uma ação de investigação de paternidade.

“Isso pode resultar não só no reconhecimento forçado da filiação, mas também na obrigação de pagar pensão alimentícia retroativa, além de danos morais em casos específicos. A ausência do registro paterno impacta diretamente na dignidade e nos direitos da criança, dificultando seu acesso pleno à identidade civil, à herança, e aos vínculos sociais e afetivos previstos pela Constituição”, explica a advogada.

Defensora pública e coordenadora da Especializada de Família e Sucessões de Salvador, Suellen Paixão Lordelo Bury de Moura, explica que a evolução do Direito de Família no Brasil reflete profundas transformações sociais, culturais e jurídicas que ocorreram nas últimas décadas.

“Diariamente os casos nos emocionam, pois vemos o começo do vínculo entre pai e filho/a. Um nome de pai do registro de nascimento não é apenas um nome. É a possibilidade do vínculo amoroso, é pertencimento, é família”, afirma.

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Tags:

Bahia Crianças sem pais Registro de crianças Salvador

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