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SALVADOR

A TARDE Memória: gruta no bairro de Ondina reúne registros da Casa de Omolu e Obaluaê

Por Cleidiana Ramos*

23/01/2021 - 6:02 h
Um cruzeiro foi entronizado na gruta com autorização do arcebispo | Fotos: Cedoc A TARDE | 30.1.1978
Um cruzeiro foi entronizado na gruta com autorização do arcebispo | Fotos: Cedoc A TARDE | 30.1.1978 -

Com a participação do afoxé Filhos de Gandhy e em cortejo formado por membros do candomblé de Salvador foram levados até a gruta localizada na vizinhança do fundo do Bahia Othon Palace Hotel, em Ondina uma imagem de São Lázaro e um cruzeiro. Na capital baiana o santo é celebrado no último domingo de janeiro. A descrição desse desfile está em reportagem publicada na edição de 31 de janeiro de 1978 de A TARDE. Dentre os participantes do cortejo o texto cita o babalorixá Luís da Muriçoca; a ebomi Zulmira Maria Aleluia Carvalho e o advogado e ogã Ademar Tanner. A instalação das duas peças religiosas na gruta ocorreu após a autorização do então arcebispo de Salvador, dom Avelar Brandão Vilela. Alguns dias antes o jornal noticiou a entronização da imagem e da cruz.

“O cardeal Brandão Vilela autorizou, ontem o Pe. José Danieluk e o Sr. Ademar Taner a promoverem, às 16 horas, do dia 30 do mês corrente, o assentamento da imagem de São Lázaro, na parte Interna da Gruta do Milagre, em Ondina, nos fundos do Bahia Othon Palace Hotel, prometendo uma visita, posteriormente, em virtude, de compromisso que já assumiu para aquela data. Na mesma oportunidade será colocado na parte mais alta da rocha onde fica a gruta, um cruzeiro medindo seis metros de altura”. (A TARDE, 27/1/1978,p.2).

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: gruta no bairro de Ondina reúne registros da Casa de Omolu e Obaluaê
Reportagens sobre entronização do cruzeiro, cortejo e interior da gruta

Chamada de Gruta do Milagre nas referências católicas, o espaço também ficou conhecido como Casa de Omolu e Obaluaê. É essa a nomenclatura usada para a coleção de 12 fotografias relacionadas à gruta no acervo do Centro de Documentação A TARDE (Cedoc A TARDE). Nesses registros há uma preciosidade: imagens que podem ser de Albertino Araújo Santos, um homem que viveu no local. Sua companhia foram alguns cachorros. O animal é profundamente vinculado ao culto de São Lázaro e, também, ao de São Roque, homenageado em 16 de agosto. Nas narrativas sobre a vida dos dois santos são cães que os socorrem em momentos de necessidade.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: gruta no bairro de Ondina reúne registros da Casa de Omolu e Obaluaê
A gruta atraiu diversos devotos durante festejos da Festa de São Lázaro

Segundo o livro intitulado Santuário de São Lázaro – História e fé, cultura e missão, assinado pelo padre Marcos Piatek, que depois se tornou bispo e realizou trabalho pastoral no Santuário de São Lázaro e São Roque em Salvador de 2000 a 2011, Albertino chegou à gruta em 1956 e ficou até 1969. Infelizmente não temos dados concretos para afirmar que o homem que aparece nos registros da coleção de A TARDE é Albertino, mas a sua postura nas fotografias é de quem tem intimidade com o espaço.

Além disso, no registro da reportagem de A TARDE sobre a entronização da imagem e da cruz, publicada na edição de 31 de janeiro de 1978, há a informação de que, durante o rito, o velho que vivia há anos na gruta assistiu a tudo indiferente. Os integrantes do cortejo além de pedir ao prefeito Fernando Wilson Magalhães, que participou da cerimônia, o compromisso de implantar melhorias no local solicitaram também a construção de uma casa para o então morador da gruta.

“O prefeito Fernando Wilson Magalhães compareceu a São Lázaro e os organizadores da festa pediram um melhor tratamento e ajuda dos poderes públicos no sentido de conservar a gruta e construir um casebre para o seu antigo morador”. (A TARDE, 31/1/1974, p.3).

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: gruta no bairro de Ondina reúne registros da Casa de Omolu e Obaluaê

No verso da fotografia em que aparece o homem que pode ser Albertino há uma referência ao morador da gruta como um adepto da umbanda. Em 16 de agosto de 2015, A TARDE publicou uma matéria sobre a Festa de São Roque e a devoção na gruta. O texto foi escrito por mim e, para produzi-lo, passei cerca de quatro horas na companhia do ogã do Gantois Arivaldo Vigas, que morreu recentemente.

Na época, ogã Ari, como era mais conhecido, cuidava da gruta que ganhou um barracão dedicado a Iemanjá em sua parte externa. No interior foi acrescentada uma espécie de cavidade para aparar a água que escorre pelas paredes. Este espaço foi consagrado a Oxum. O interior da gruta já não tinha os ex-votos como nos registros feitos por A TARDE em 1978. No local, segundo ogã Ari, ocorria celebração para Iemanjá e, também, comemoração para o Caboclo Marujo. Nos dias das festas para São Lázaro e São Roque, a gruta ficava aberta. Mas a romaria até o local já não é incluída na programação das festas, inclusive por razões de segurança. O acesso pela praia é perigoso, pois fica longe da área de circulação pública.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: gruta no bairro de Ondina reúne registros da Casa de Omolu e Obaluaê

Durante a nossa conversa, ogã Ari também pediu que fossem publicadas as fotografias que podem ser de Albertino Santos . Sua esperança era que aparecessem informantes sobre ele, pois não há dados biográficos precisos. Mas não há dúvidas de que a sua presença na gruta deu ao local a aura de mistério e magia, especialmente por não se saber de onde veio e porque decidiu viver isolado.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: gruta no bairro de Ondina reúne registros da Casa de Omolu e Obaluaê
A chance do homem da imagem ser Albertino Araújo Santos é grande

Na coleção de edições de A TARDE a primeira referência à Festa de São Lázaro foi em 1919. Há um hiato de 1920 a 1933 e deste ano até 1960. As notícias sobre a gruta só ganharam destaque no final da década de 1970. Talvez tenha sido esse aumento da popularidade do local que levou dom Avelar a autorizar a entronização da imagem de São Lázaro e da cruz marcando o espaço católico. Mas, o cortejo, com a presença de um babalorixá e outras autoridades do candomblé evidenciam a manutenção da celebração de São Lázaro como o local de fé compartilhada com as religiões afro-brasileiras que é uma das suas características mais fortes.

Antiguidade

Localizado no bairro da Federação, o Santuário de São Lázaro e São Roque é antigo. Segundo o livro de Marcos Piatek foi realizada uma reforma em 1737 e nos documentos aparece a expressão “que de novo se pretende fazer”, o que pode indicar que a construção havia sido erguida em período anterior.

Nas proximidades, onde atualmente é a sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) funcionou um lazareto. O nome indicava o local onde eram recolhidas pessoas com doenças infecciosas e também de pele.

O período de construção da igreja é o mesmo do segundo ciclo de africanos escravizados chegando à Bahia e que eram retirados da área do atual Benim. O culto às divindades da cura, como Azoany e Xapanã tinha bastante força nessa região. Esses voduns, denominação para os deuses na cultura dos grupos que ficaram conhecidos no Brasil como “jeje” e originários dessa área, são especialistas na cura para doenças infecciosas, inclusive as de pele. O mesmo ocorre com orixás Omolu e Obaluaê, da tradição ketu, e Kavungo da angola. Dessa forma não é difícil imaginar como o culto a São Lázaro- que é personagem de uma parábola narrada por Jesus no Evangelho de São Lucas, versículos de 19 a 25- aproximou-se do realizado para as divindades africanas por conter elementos semelhantes.

No candomblé, deuses como Obaluaê conhecem os mistérios sobre os limites entre saúde e doença e tem o poder de afastá-las e vencê-las, especialmente as que deixam suas marcas na pele, como a varíola, uma doença que sempre assustou as populações onde chegou devido ao rápido contágio e poder de matar.

Lázaro, segundo a narrativa evangélica, vivia com o corpo cheio de feridas e passava fome, mas, após a morte, foi premiado com a tranquilidade do que parece o paraíso na narrativa feita por Jesus. Essa identificação com o santo foi tão forte que, mesmo ele sendo um personagem literário e, portanto, não ter bases historiográficas ganhou um culto que resistiu à reforma realizada pela Igreja Católica na categoria dos seus santos na década de 1970 e continua extremamente popular especialmente no Brasil e em Cuba e sempre próximo das celebrações para as divindades das religiões de matrizes africanas nos dois países.

Este ano a festa de São Lázaro em Salvador será realizada no próximo dia 31. Devido à pandemia de coronavírus haverá alvorada, mas as missas terão controle de público.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE Para saber mais: Santuário de São Lázaro – História e fé, cultura e missão (Marcos Piatek, Missionários Redentoristas, Salvador, 2005).

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia

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