Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > bahia > SALVADOR
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

SALVADOR

A TARDE Memória: jornal inovou em estilo e forma para destacar o Carnaval

Por Cleidiana Ramos*

13/02/2021 - 8:59 h
Grupo A TARDE acompanhou a evolução da festa momesca | Foto: Ag. A TARDE
Grupo A TARDE acompanhou a evolução da festa momesca | Foto: Ag. A TARDE -

Desde as suas primeiras edições, A TARDE compreendeu a importância do Carnaval para Salvador. Mesmo no período em que o jornal ainda tinha poucas páginas, como nos anos logo após a sua fundação em 1912, a festa ganhou espaço privilegiado. Assim, o registro dos eventos realizados nos dias de folia permite não apenas identificar as transformações do Carnaval ao longo do tempo como também o esforço de A TARDE para inovar na linguagem e na apresentação gráfica durante a apresentação do maior evento realizado na Bahia.

A TARDE foi fundado em 12 de outubro de 1912. Infelizmente, na coleção das edições digitais falta a do Carnaval do ano seguinte à fundação, mas está disponível a de 1914. Aquele foi um ano difícil para o mundo devido ao início da I Guerra Mundial, que começaria cinco meses após a festa.

A aposta do jornal para apresentar o Carnaval de 1914 foi em uma linguagem, especialmente gráfica, que se dedicou não apenas à descrição da festa, mas também à sátira ao governador José Joaquim Seabra, mais conhecido com J.J. Seabra (1855-1942). Intitulado “Momo-pleno reinado da folia”- o texto é ilustrado por caricaturas dos personagens da política do período e um clichê, que era a técnica usada para reproduções de imagens usada pelo jornal.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: jornal inovou em estilo e forma para destacar o Carnaval
| Foto: Cedoc A TARDE
Em seus primeiros anos, jornal apostou em sátira política durante o Carnaval | Foto: Cedoc A TARDE

Há ilustrações para marcar os temas abordados na descrição da festa e que nos permite mapear os elementos que integravam a programação do Carnaval em Salvador: os bailes, os clubes, cordões e pranchas que faziam elaborados desfiles pelas ruas.

“Dentre as muitas que circularam destinguiram-se “A Nave Maruja da Encrenca” tripulada por uma bela guarnição que na verdade encrencou a zona com a sua alegria esfuziante e os sons de um quarteto musical”. (A TARDE, 23/2/1914, capa).

Informação e análise

Durante, aproximadamente 40 anos, o jornal continuou a noticiar os preparativos e o desenrolar do dia a dia do Carnaval, mas não circulava no feriado da terça-feira. Na edição de 16 de fevereiro de 1920, por exemplo, um cartum, em quadrinhos, acusa quem parece ser J.J. Seabra, o então governador da Bahia novamente, de após um périplo pelo céu, purgatório e inferno ser rejeitado até por Momo que o acusa de tê-lo assassinado ao que a manchete faz coro: “Chi! Que Carnaval de gelo”.

As ilustrações dos primeiros anos abriram cada vez mais espaço para os clichês que exibiam cenas da festa nas ruas e nos clubes carnavalescos. O aumento da presença dos clichês é um indicativo do empenho de Ernesto Simões Filho (1886-1957), fundador de A TARDE, para utilizar as novas tecnologias relacionadas à impressão de jornais que estavam disponíveis.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: jornal inovou em estilo e forma para destacar o Carnaval
| Foto: Cedoc A TARDE
Na sequência de inovações, páginas gráficas e o inusitado "Carnaval do Papão" | Foto: Cedoc A TARDE

Em 1914, por exemplo, ele enviou ao Rio de Janeiro Diomedes Gramacho, que é considerado o primeiro cineasta baiano, para aprender a técnica de fabricação dos clichês. Com essa iniciativa A TARDE, além de ter sido o primeiro periódico baiano a publicar os clichês, pôde montar a sua própria clicheria algum tempo depois.

Já nas edições sobre os carnavais de 1950 e 1960, começamos a perceber uma cobertura próxima do modelo do jornalismo mais contemporâneo: capas dedicadas completamente à festa e uso de várias imagens para tentar apresentar os diversos aspectos da folia.

Novas abordagens

Com o trio elétrico começando a se solidificar como o principal elemento do Carnaval em Salvador na década de 1970, a cobertura do Carnaval foi ganhando maior espaço e distribuição por vários dias em A TARDE. Recursos gráficos passaram a ser adotados para destacar o período especial, como na capa da edição de 7 de fevereiro de 1970.

Uma ilustração do Rei Momo e de um Careta estão nos extremos da palavra “Carnaval” cercada por outros símbolos da festa, como máscara, pandeiro, serpentina e confetes. É o que se chama “fólio”, recurso visual para enfatizar um conteúdo. A manchete faz coro a essa tentativa de ênfase: “Desde hoje somos súditos de Momo”. As páginas gráficas- fotos acompanhadas de um texto pequeno apenas para contextualização (lidão no jargão das redações) passam a ser mais frequentes e aproximaram a narrativa de um recurso que era utilizado pelas revistas de variedades como O Cruzeiro e Manchete.

Nessa cobertura, as estrelas são os foliões anônimos e o astro com maior visibilidade é o trio elétrico, que triunfa como o principal elemento do Carnaval baiano, em detrimento de outras manifestações, como as escolas de samba. A últimas delas a desfilar, segundo reportagem do jornal, foi a Bafo de Onça em 1985, fechando o capítulo de uma manifestação que, ironicamente, virou um trunfo ainda hoje para o Carnaval do Rio de Janeiro, que é a festa do tipo com maior visibilidade no Brasil. Aos poucos os blocos de Carnaval vão ganhando mais e mais organização semelhante à praticada por empresas. O Carnaval começa a ser compreendido como um negócio, ampliando-se para então se transformar em uma poderosa indústria do entretenimento.

Em meados da década de 1980, a música tocada para durar durante os dias de folia ganhou maior visibilidade para além das fronteiras da Bahia e características de movimento com nome específico: axé music.

Vocalistas de bandas ou com carreira solo conquistam status de realeza. São reis, rainhas e príncipes disputados pelas agremiações carnavalescas para valorizar o seu desfile. Os blocos ficaram mais especializados: de trio; afros, que mantém alegorias, fantasias e temas, em um diálogo mesmo que não tão direto, mas de forma, com as eliminadas escolas de samba; os afoxés levam o ambiente dos terreiros para o Carnaval de rua ao som do ijexá; os blocos de índio começaram a experimentar o desafio de se manterem como for possível; os blocos de samba persistem e insistem. Além disso as novidades ocorrem em um movimento dinâmico e ininterrupto dessa grande festa da Bahia com a consolidação total da indústria vinculada a ela na década de 1990.

“Da Castro Alves à Barra, o Carnaval 90 ganhou dimensões inesperadas, envolto que fora antecipadamente em expectativa pouco animadora: afinal, temia-se a violência desenfreada ou o desânimo decorrente dos preços escorchantes, da ausência de decoração das ruas, do pouco dinheiro no bolso. A animação se sobrepôs, no entanto, às circunstâncias, e a lambada ganhou a avenida, acompanhada por instrumentos de percussão, guitarra eletrificada ou instrumentos de sopro.

Nessa diversidade, blocos afros e de índios cruzavam com blocos de trios, blocos de crítica política, como o "Mudança do Garcia", e blocos de travestidos, como "As Muquiranas" “. (A TARDE, 28/2/1990, capa).

Especiais

O Carnaval de 2003 chegou em meio a uma reforma de estilo e gráfica liderada pelo jornalista Ricardo Noblat. Em janeiro, uma editoria experimental foi instalada para preparar material específico sobre o verão baiano. A estreia foi na semana da Lavagem do Bonfim e a principal característica era a oferta de textos mais leves e exploração de outras linguagens, como as infografias. Em relação aos temas, a pauta incluía história das festas, saúde, nutrição, serviços e eventos.

Durante anos posteriores, a cobertura especial do verão, de dezembro até a proximidade do Carnaval, foi mantida. Esse estilo da editoria de verão migrou para a cobertura do Carnaval de 2003. Com o auxílio do doutor em antropologia e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Roberto Albergaria, a proposta editorial baseou-se em contar histórias do Carnaval dos anônimos, com pouca ênfase para o desfile dos grandes blocos. Na capa da edição de 27 de fevereiro de 2003, o jornal anunciou a oferta de conteúdo para quem gosta de Carnaval e também para quem não tem tanto apreço pela festa, com reportagens sobre outros temas, como sexualidade, que foram veiculadas exclusivamente no Caderno 2.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: jornal inovou em estilo e forma para destacar o Carnaval
| Foto: Cedoc A TARDE
Recursos gráficos passaram a ser adotados para destacar o período especial | Foto: Cedoc A TARDE

Essa experiência ainda persistiu no ano seguinte, 2004, mas ganhou experimentação com escala maior no projeto intitulado “Carnaval do Papão”, desenvolvido em 2005. A ação foi inspirada na revista literária “O Papão” dirigida por Ernesto Simões Filho oito anos antes de fundar A TARDE e que tinha como principal característica a narrativa centrada no humor. Os textos da cobertura de Carnaval inspirada em O Papão tiveram uma linguagem mais próxima da crônica, mas sem perder o foco no que estava acontecendo, que é a base do jornalismo.

Foi uma narrativa híbrida. Para manter segurança em relação aos fatos do Carnaval sem depender apenas do inusitado foi fixado um tema: “Os sete pecados capitais”, com o mote de que em dias de folia era possível romper alguns limites, inclusive na própria equipe da redação de A TARDE. Assim, editores se transformaram em repórteres durante os dias de Carnaval.

Outra inovação foi o uso de pseudônimos para a assinatura dos textos, uma forma de aproveitar a relação do Carnaval com a brincadeira de esconder a identidade sob o uso das máscaras.

“Poucos lugares no mundo são tão propícios ao pecado como as ruas, vielas e becos da cidade da Bahia. A liberação panfletária, o prazer exacerbado, hedonismo assumido. Nosso destino é pecar. E a equipe de A TARDE entrou no Reinado de Momo com a proposta de romper com o ‘carnaval espetáculo’. Vamos em busca do humor dos pasquins, mergulhando no verdadeiro espírito da folia. Nosso programa: Rir. Inspiração: os 7 pecados capitais. Julgamento? Nenhum. Como padrinho, bebemos nas águas do pasquim O Papão, revista literária de 1904, criada pelo jornalista Ernesto Simões Filho, fundador de A TARDE. Vamos conosco, abram alas para o prazer, que o povo de A TARDE vai atrás da alegria”. (A TARDE, 5/2/2005, capa).

Por mais dois anos, O Papão continuou sendo a inspiração da cobertura do jornal. Em 2006, o simpático ogro, que era o símbolo do projeto, foi visitar os deuses do Olimpo e, no ano seguinte, brincou com o universo do cinema. Do ponto de vista gráfico, O Papão adotou uma apresentação mais leve e o retorno da combinação de fotografias com ilustrações que era típico do jornalismo do início do século XX quando a revista literária homônima surgiu.

Publicações especializadas

Mesmo nesses projetos especiais o jornalismo de serviços foi reforçado, mantendo-se informações sobre a infraestrutura de serviços públicos e privados relacionadas ao Carnaval, como também o que estava fora dele: saída da cidade, destinos mais procurados, dentre outros.

Outros produtos especiais foram criados, como o caderno Folia & Cia, publicado alguns dias antes do início da festa, que chegou a ter um equivalente em formato utilitário (Folia de Bolso), e a revista Camarote, que teve como linha editorial o noticiário específico desses ambientes frequentados por celebridades dos mais variados segmentos.

Imagem ilustrativa da imagem A TARDE Memória: jornal inovou em estilo e forma para destacar o Carnaval
| Foto: Cedoc A TARDE
Produtos especiais foram criados, como o Folia & Cia e a revista Camarote | Foto: Cedoc A TARDE

A partir de 2007, a cobertura de Carnaval voltou ao modelo cotidiano, mas o espírito da crônica reforçada pelo período de O Papão ainda persistiu, mesmo que de forma mais sutil. Nos últimos 20 anos, tendo como parâmetro os anos de 2010 e 2020, A TARDE voltou a adotar o estilo padrão de narrativa jornalística, mas ainda assim a cobertura de Carnaval não deixou de receber uma atenção cuidadosa: projeto gráfico específico; edições que, na Quarta-feira de Cinzas, chegavam a ter quatro cadernos, totalizando mais de 50 páginas especializadas na festa; material editorial com linguagem diversa, inclusive com as colunas especializadas, como as que retratavam o universo dos camarotes e integração entre as várias editorias, que possibilitava informações também sobre economia, folia no interior do estado, a partir do apoio de sucursais, nas outras capitais brasileiras e nos países que o celebram de forma mais forte.

Além disso, diante da revolução digital, a convergência com outras plataformas do Grupo A TARDE, como A TARDE FM, A TARDE Online, Revista Muito e aplicativos ganhou reforço para oferecer conteúdo em multilinguagens: vídeos, áudios, conexões com redes sociais, dentre outras.

A TARDE continua, dessa forma, a avaliar o Carnaval como um evento vinculado à potencialidade cultural baiana, reforçando um dos seus slogans: o jornal de toda a Bahia.

Na capa da edição de 26 de fevereiro do ano passado, Quarta-feira de Cinzas, o jornal celebrou um Carnaval marcado pela diversidade de ritmos. Mal sabíamos que passaríamos a olhar para esta edição com nostalgia, mas também renovando a esperança de que em 2022 já estejamos imunizados contra esse terrível coronavírus. Assim estaremos aptos para voltar a fazer uma festa com várias possibilidades do registro que alimenta a nossa memória coletiva, como tem feito A TARDE por mais de um século.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período.

Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
Grupo A TARDE acompanhou a evolução da festa momesca | Foto: Ag. A TARDE
Play

Veja o momento que caminhão de lixo despenca em Salvador; motorista morreu

Grupo A TARDE acompanhou a evolução da festa momesca | Foto: Ag. A TARDE
Play

Traficantes do CV fazem refém e trocam tiros com a PM em Salvador

Grupo A TARDE acompanhou a evolução da festa momesca | Foto: Ag. A TARDE
Play

Rodoviários reivindicam pagamento de rescisão no Iguatemi

Grupo A TARDE acompanhou a evolução da festa momesca | Foto: Ag. A TARDE
Play

Vazamento de gás no Canela foi ato de vandalismo, diz Bahiagás

x