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CIDADANIA

Ações combatem o desperdício e a fome na Bahia

Diversas iniciativas buscam redistribuir alimentos que seriam descartados na capital baiana

Por Priscila Dórea

21/07/2024 - 6:00 h | Atualizada em 22/07/2024 - 12:55
ONU aponta que mais de 1 bilhão de refeições são descartadas por dia no mundo
ONU aponta que mais de 1 bilhão de refeições são descartadas por dia no mundo -

Mais de 1 bilhão de refeições são desperdiçadas por dia no mundo enquanto 783 milhões de pessoas não têm o que comer, aponta o relatório de 2024 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). No relatório, o 10º lugar entre os países que mais desperdiçam alimento é ocupado pelo Brasil.

Segundo o IBGE, o país possui 8,6 milhões de pessoas com insegurança alimentar (IA) grave. Dessas, 844 mil estão na Bahia, mas os números já foram piores: em 2022, as pessoas com IA grave no estado somavam 1,8 milhão (Rede Penssan).

Como mostra a Food and Agriculture Organization (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil produz mais de 353 milhões de toneladas de alimentos por ano. Mas com cerca de 30% (IBGE) desperdiçado, o país cria o mais cruel dos paradoxos: pratos cheios vão para o lixo e pessoas com pratos vazios não sabem se terão o que comer.

“Os níveis extremos de perdas e desperdícios são inaceitáveis considerando a existência de uma população vulnerável com acesso limitado a alimentos, pois reduz a comida disponível e contribui na insegurança alimentar”, aponta Jorge Meza, representante da FAO no Brasil.

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“É importante ressaltar que estamos falando de insegurança alimentar grave, não média ou leve, mas sim de pessoas que acordam sem saber quando ou se vão comer naquele dia. Os números da Bahia melhoraram bastante, mas ainda há muito trabalho pela frente”, afirma Tiago Pereira da Costa, coordenador geral de Ações Estratégicas de Combate à Fome do Bahia Sem Fome, programa do Governo do Estado que se tornou política pública em 2023 e já arrecadou 1,1 mil toneladas de alimentos para doação.

Com estratégias como a ampliação de produção e acesso à alimentação, o fortalecimento da rede nutricional e mobilização da sociedade, o Bahia Sem Fome possui muitas ações que têm contribuído para a queda da IA grave no estado. Uma delas é o Restaurante Popular. Servindo 2 mil refeições por dia, a fila na unidade do Comércio começa cedo, afirma o aposentado de 66 anos Carlos Jadir Barbosa Santos, que vive em situação de rua.

“Sou aposentado e tenho meu dinheirinho para comer no restaurante todos os dias, mas essa não é a realidade de todos. Muita gente sai para pedir esmola para conseguir comer e é algo muito triste”, lamenta Carlos Jadir.

Imagem ilustrativa da imagem Ações combatem o desperdício e a fome na Bahia
| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Atualmente a unidade está em reforma, então as pessoas estão levando quentinhas ao invés de comer no local. O preço continua o mesmo, R$1, e quem quiser comprar mais de uma precisa pegar a fila outra vez – a dona de casa de 64 anos, Lina Queiroz, chega a pegar a fila quatro vezes.

“Normalmente compro para mim, meu marido, filha e neta, e a comida é muito gostosa e nutritiva, não tenho do que reclamar e muito a agradecer. Faz 12 anos que compro o almoço aqui e isso não só tem ajudado a economizar em casa, porque o bujão de gás mal durava um mês e agora dura quase quatro, mas também porque a comida é muito saudável, sem muito sal ou açúcar”, afirma Lina.

E o desperdício, tão tristemente comum na casa de muitas pessoas – e em indústrias, mercados, restaurantes, feiras –, não tem vez no lar de Dona Lina. “Quando tem salada de repolho, que não gosto de comer cru, levo para casa para fazer torta. Outras pessoas que não gostam acabam me dando. Hoje, tudo está muito caro e tem muita pessoa passando fome, não podemos desperdiçar”, afirma.

“Para mudar esse cenário de desperdício, é preciso que empresas, organizações e a sociedade como um todo estejam engajadas”, salienta Alcione Pereira, CEO e fundadora da Connecting Food – foodtech brasileira que conecta alimentos que seriam descartados para ONGs. E um dos pontos principais para fazer isso acontecer é melhorar os requisitos fiscais e regulatórios. “No Brasil, dependendo do caso, pode ser mais caro fazer doações do que jogar fora. Precisamos de práticas regulatórias que facilitem e estimulem a doação, como incentivos fiscais e melhorias operacionais”, sugere.

Sistema solidário

Colheita, transporte, centrais de abastecimentos, mercados e consumidores: o desperdício de alimentos acontece em todas as etapas da cadeia. E na Bahia, o Programa Sesc Mesa Brasil se tornou um forte aliado das empresas e de quem precisa de comida. O Mesa Brasil está há 20 anos na Bahia, só em 2023 contou com mais de 90 empresas parceiras e conseguiu distribuir cerca de 800 toneladas de alimentos e outras doações (higiene, limpeza, vestuários e outros), atendendo mais de 177 mil pessoas e assistindo 414 entidades.

Uma delas é a Associação Sons do Bem, de Cidade Nova, Subúrbio de Salvador, onde o lanche das mais de 230 crianças que vão ao espaço para ter aulas de balé, capoeira, violão, percussão e outras oficina, é garantida através de parcerias como a firmada com o Sesc Mesa Brasil Salvador.

“Sou apaixonada pelo Mesa e me inscrevi no edital no começo da minha gestão. Você sente o amor em cada doação que recebe e tudo é de uma qualidade inacreditável”, afirma a gestora da associação, Carlinda Lima.

Um dos momentos mais memoráveis, conta Carlinda, foi quando receberam em meio as doações, uma grande quantidade de kiwi. “Foi um dos dias mais emocionantes. Quase todo mundo resolveu comer de mão, criança e adulto. Muitos nunca tinham comido kiwi na vida e descobriram que tinham alergia naquele dia”, lembra, risonha.

Imagem ilustrativa da imagem Ações combatem o desperdício e a fome na Bahia
| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

“Recebemos muitos, então demos vários para as famílias levarem para casa. Dias depois, o avô de um de nosso meninos veio falar comigo: Nunca tinha comido uma fruta tão gostosa”, recorda.

Gerente do Sesc Mesa Brasil Salvador, Helena Cristina Vieira, explica que o objetivo do programa é combater o desperdício e a insegurança alimentar. “Nós mobilizamos empresas, feirantes, instituições, mercados, padarias e levamos para quem precisa, mas um dos principais critérios do programa é receber alimento de qualidade”, explica a nutricionista do programa, Juliana Guimarães.

A equipe vai aos mercados e orienta os funcionários sobre o que pode ser doado. “Explicamos que uma banana que caiu de uma bonita penca ainda é uma banana nutritiva e pode ser comida. Capacitamos muitos de nossos parceiros dessa forma”, explica. As empresas então têm dedução de imposto, mas também conseguem perceber melhor o próprio desperdício. “Nós não queremos que o doador fique por muito tempo, pois essas doações são ótimas, mas mostram também que a produção dele não está ok”, explica Juliana.

“A ideia é resolver os desperdício em todos os pontos”, afirma Helena Maria, salientando que é responsabilidade de todos. E com a fome de um lado, e o desperdício no outro, um dos melhores caminhos é redistribuir aquilo que seria desperdiçado.

“Para combater o desperdício de alimentos e a insegurança alimentar, é necessário adotar medidas em diferentes níveis. Isso inclui a conscientização e educação da população sobre o valor dos alimentos, o estabelecimento de políticas públicas que promovam a redução do desperdício e a implementação de iniciativas de redistribuição de alimentos”, afirma a nutricionista e docente do Centro Universitário Ruy Barbosa, Taiane Cazumbá.

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Tags:

Bahia sem fome desperdício de alimentos desperdício de comida fome insegurança alimentar

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