"Assim como foi com uma estátua, corpos pretos são queimados' | A TARDE
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"Assim como foi com uma estátua, corpos pretos são queimados'

Monumento em homenagem a Mãe Stella de Oxóssi foi incendiado na madrugada deste domingo

Publicado domingo, 04 de dezembro de 2022 às 15:53 h | Atualizado em 04/12/2022, 15:58 | Autor: Thaís Seixas
Estátua ficoou completamente destruída após incêndio durante a madrugada
Estátua ficoou completamente destruída após incêndio durante a madrugada -

"Assim como foi uma estátua queimada, um patrimônio, um bem físico, corpos pretos são queimados, mortos, torturados pelo simples fato da cor da pele. Esses mesmos corpos são hostilizados só por professarem uma religião que é oriunda do povo preto. E isso não pode ficar impune". O depoimento é de Adriano Azevedo, Ministro (Obá) de Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá e sobrinho de Mãe Stella de Oxóssi. 

Em entrevista ao Portal A TARDE, Adriano pede justiça e punição aos responsáveis pelo ato de vandalismo contra a estátua em homenagem a Mãe Stella, que foi incendiada na madrugada deste domingo, 4, na entrada da avenida que leva o nome da ialorixá, que liga a avenida Paralela ao bairro de Stella Maris, em Salvador. Mãe Stella dirigiu o Ilê Axé Opô Afonjá por mais de quatro décadas, até a morte dela, no dia 27 de dezembro de 2018. Ela não chegou a ver a estátua, criada pelo artista plástico baiano Tatti Moreno, também falecido, e que foi inaugurada em abril de 2019. 

"Isso tem que ter uma ação veemente, tem que ser tratado de forma dura. Da mesma forma que as pessoas pretas, de candomblé, mulheres e gays são tratados com violência, essa resposta tem que ser dada com a mesma força. E a justiça tem que ser feita com o mesmo desempenho dessas pessoas que, sem nenhum cabimento, cometem esse tipo de atrocidade. Isso é lamentável, triste", desabafa Adriano. 

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A Sociedade Beneficente Cruz Santa do Axé Opô Afonjá emitiu uma nota de repúdio sobre o ataque ao monumento, destacando o trabalho de Mãe Stella em defesa da liberdade religiosa para todos. No documento, a organização diz que "tomará as devidas providências junto às autoridades competentes, com o objetivo de identificar os criminosos, além de pleitear a adoção das medidas cabíveis para evitar que esse crime se repita, como a implementação de câmeras de vigilância na região". 

O conselho jurídico da casa aguarda a abertura de inquérito sobre o caso para, então, entrar com uma representação no Ministério Público. isso porque a Prefeitura de Salvador registrou um boletim de ocorrência na 12ª Delegacia, em Itapuã, e determinou a remoção da estátua para recuperação. 

"Lamentável o incêndio criminoso na estátua de Mãe Stella de Oxóssi, ocorrido nesta madrugada. Não é a primeira vez que esse símbolo passa por uma situação de vandalismo atrelado à intolerância religiosa", publicou o prefeito Bruno Reis no Twitter. 

O presidente da Fundação Gregório de Mattos, Fernando Guerreiro, também se pronunciou sobre o assunto, lamentando que ainda que a luta contra vandalismo e intolerância religiosa ainda seja necessária nos dias de hoje. 

"Eu espero que ações como essa não fiquem impunes, e que a gente continue lutando contra essas ações de intolerância. Uma pena, uma revolta", enfatizou o gestor cultural. 

Racismo

A estátua de Mãe Stella de Oxóssi já havia sido alvo de vandalismo no mesmo ano em que foi entregue. Na época, a obra foi pichada e teve uma placa arrancada. 

Adriano Azevedo enfatiza a ligação de atos como este à intolerância religiosa e ao racismo. "Ao invés de eu revidar com a palavra de ódio, a justiça tem que entrar nesse cenário e fazer a sua parte, porque é doloroso passar o que eu estou passando e o que muitos pretos e pretas passam diariamente, por conta deste câncer que é o racismo, feito por pessoas completamente desumanas, que não tenho outro adjetivo a dar", finaliza.

Vídeo mostra momento do incêndio:

 

 

Confira a nota de repúdio:

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