SALVADOR
Bahia é o 2º estado com mais casos de reação a produtos para cabelos
Casos são investigados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Para curtir o clima da Copa do Mundo 2022, a vendedora Arielle Carneiro decidiu fugir da rotina e aderir às tranças. Foi a uma profissional em uma sexta-feira e, no domingo, esteve em um evento e entrou na piscina. Durante a noite, não conseguia mais enxergar. Ela não sabia, mas o contato do produto com os olhos prejudicou sua visão.
“Na segunda-feira já amanheci bem mal, não conseguia abrir os olhos. Fui ao oftalmologista e ele disse que havia descolado a película da minha pálpebra esquerda. Uma prima me falou sobre estes problemas com pomadas, vi uma reportagem e apareceu a mesma que utilizei. Na hora entrei em contato para ela ficar ciente, pois não sabia”, lembra Arielle.
Ela não sabia que após a aplicação do produto, precisava esperar cinco dias para ter contato com água e correu o risco de acabar prejudicando outras pessoas que também se banhavam. “Fiquei praticamente dois dias sem enxergar. Fiquei muito preocupada, sem saber se voltaria a enxergar ou não. Uma sensação horrível. Os olhos ardiam, queimavam”.
Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Bahia tem cinco casos e é o segundo estado com mais notificações de efeitos indesejáveis supostamente associados a produtos para trançar/modelar cabelos no Brasil. Ao Portal A TARDE, a Agência informou que consumidores, profissionais que atuam em salões de beleza e profissionais de saúde devem estar atentos e notificar à Anvisa qualquer caso de efeito indesejado com o uso de cosméticos.
No dia 19 de, a Agência determinou a interrupção ou proibição de fabricação, comercialização, distribuição e a utilização de novas pomadas utilizadas para modelagem de cabelos e tranças. Os produtos foram adicionados à lista de suspensão de uso por suspeita de descumprimento de medidas sanitárias.
Quem também vivenciou problemas após usar pomadas modeladoras foi a filha da recepcionista Jamily Alcântara, que mora na Ribeira. A garota tem 12 anos, estuda no Colégio da Polícia Militar e usou o produto por cerca de seis meses para deixar o cabelo firme para viabilizar o coque, obrigatório na instituição de ensino.
O cabelo dela sofreu corte químico, segundo lhe relataram algumas profissionais, e foi necessário cortar, algo que nunca havia sido feito de forma tão profunda. O cabelo dela, que estava na altura sutiã, atualmente está na altura do queixo e, possivelmente, precisará ser cortado ainda mais.
“Eu vi várias profissionais dizendo que era a pomada e eu não quis aceitar. Ela quebrou, acabou com o cabelo da minha filha todo. Inclusive ela sofreu bullying na escola. Agora ela está de trança. Levei-a em um local especializado em cabelos crespos e me também contaram que foi um corte químico. Eu disse que ela não estava usando química. Várias pessoas falaram que foi a pomada. Eu não achei que uma simples pomada modeladora fosse causar um dano tão grande”, contou Jamily, que afirmou ainda que a filha teve a autoestima destruída e atualmente a garota é atendida por psicólogo.
Jamily relata que a pomada não tem cheiro, parece inofensiva, mas foi destruidora. Agora, ela enfrenta problemas com os gastos para o tratamento, que não são baratos. “Foram danos psicológicos. Mexeu com a autoestima dela. Ela estava colocando foto de desenho no Whatsapp, pois não queria pôr a própria foto”.
A médica oftalmologista Camila Kock, do Hospital Humberto Castro Lima, explica que alguns produtos químicos, quando entram em contato com os olhos, podem causar alteração na superfície da córnea, chamada de ceratite, e outros podem ainda causar uma conjuntivite química. “Então, é sempre interessante manter produtos químicos longe dos olhos, pois são muito sensíveis e qualquer contato pode causar um desconforto muito relevante e até lesões mais graves, como úlcera de córnea”.
Atualmente ela trabalha também em serviço de emergência e constantemente se depara com pacientes cujos olhos tiveram contato com diversos produtos químicos. “Quando acontece contato dos olhos com produto químico, o mais importante é fazer uma lavagem copiosa com água corrente, logo de imediato. Isso ajuda demais a que o produto químico não fique em contato com os olhos por tempo mais prolongado e diminui muito as lesões possíveis na córnea. Depois é importante procurar um oftalmologista para verificar a gravidade do quadro”.
Sobre o caso de Arielle, Camila acredita que provavelmente o produto foi potencializado pelo cloro da piscina. “Provavelmente aconteceu uma potencialização do produto químico e houve uma piora do quadro, agravando mais ainda os sintomas e sinais na córnea dela”. Ela alerta que produtos químicos podem causar dor, desconforto, lacrimejamento e sensação de queimação. “Nossa córnea tem uma sensibilidade, inervação muito importante. É um tecido que qualquer corpo estranho causa incômodo”.
A Anvisa alerta que cegueira temporária não é um efeito adverso previsto para este tipo de produto, que é alvo de investigação. Aos consumidores e profissionais, as recomendações é adquirir e usar apenas produtos regularizados na Anvisa, atentar para a lavagem das mãos após o uso, respeitar as instruções do fabricante, usar o produto somente durante a data de validade indicada e não usar caso apresente mudanças, a exemplo da coloração, odor e consistência/textura.
“Os consumidores em uso de produtos para trançar/modelar os cabelos devem evitar tomar banhos de piscina e mar. Ao lavar os cabelos proteger, de forma cuidadosa, os olhos, evitando, assim, o contato do produto com essa parte do corpo”.
A Agência alerta ainda que os profissionais devem informar os clientes sobre cuidados que devem ter durante o uso do produto, principalmente, com a aplicação involuntária nos olhos, que poderá acarretar efeitos indesejáveis.
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