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O SOM QUE VEM DA RUA

Barulho em excesso tira sono e prejudica saúde dos soteropolitanos

Principal fonte de ruído na cidade é veiculo automotor, seguido de bares e restaurantes e residências

Por Matheus Calmon

31/05/2023 - 18:06 h | Atualizada em 01/06/2023 - 10:02
Imagem ilustrativa da imagem Barulho em excesso tira sono e prejudica saúde dos soteropolitanos
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No bairro do Pau Miúdo, há cerca de um mês, um bar vem tirando o sossego dos moradores, principalmente os que residem na região do fim de linha. Isso porque, desde então, um bar recém inaugurado tem colocado um som 'nas alturas'.

"A população não aguenta mais. Isso começa na sexta, 19h, e tem dia que vai até 3h, quase 4h da manhã. Pior ainda é de domingo para segunda", contou um morador que optou por não ser identificado com medo de represálias.

Segundo ele, os outros estabelecimentos na região também faziam uso do som, mas por volta das 23h já começavam a desligar ou reduzir o volume. "E são sempre músicas que ‘esculhambam’ as mulheres. Os outros moradores, quando nos encontramos e batemos um papo, sempre reclamam. Mas a gente não pode se manifestar por causa de represália", relatou o morador.

Ele também relata que uma vizinha vai para a casa do filho todas as semanas e só retorna na terça-feira, pois não suporta conviver com o barulho. Pessoas que moram no Caminho das Árvores vivem uma situação semelhante.

"É uma coisa que começa com um dia na semana um voz e violão, vira guitarra, bateria e vai piorando. Tá espantando todo mundo, desvalorizando imóveis residenciais", contou um morador que também optou pelo anonimato.

Ele afirmou ainda que tem dezenas de protocolos abertos desde 2022, mas as reclamações não surtem efeito. "Essas operações são muito para chamar a atenção, sair no jornal... Mas no dia a dia não acontece. Tenho até hoje protocolo aberto de 2022. Já fiz mais de 50 ligações, mas nada foi feito. A gente sabe que isso provavelmente tem algum conluio", denunciou.

Segundo ele, uma equipe da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo chegou a ir ao local, mas no dia não havia evento. "Estava tudo desligado e não deu em nada".

Ele conseguiu, inclusive, uma ordem judicial para que o órgão realizasse a vistoria. Sem conseguir conviver com o barulho, ele passou a comprar protetores auriculares, como os que usam, por exemplo, trabalhadores da construção civil, alguns profissionais que trabalham em locais de entretenimento e agentes do setor aeroportuário.

"Eu boto no ouvido e passo noite com ele. Geralmente compro vários pares. Eu acho que a prefeitura deixa negligenciar, deixa poucos funcionários para usar de desculpa, mas isso tem mais de 10 anos".

"Quando você pega a ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas], ela diz os limites ideias e são baixíssimos. A lei de Salvador não tem diferenciação de zona residencial e ainda assim não cumpre as regras. Existe um interesse de não cumprir para gerar renda, imposto. Os caras são conhecidos do metiê político", afirma.

Ele pontua ainda que, além de bares, falta observância em feiras e eventos liberados. "Alvará não exime de cumprir a lei. O barulho é alto e abusivo", afirmou o morador, que avalia vender seu imóvel para tentar fugir da situação.

Poluição sonora = sono prejudicado

Especialista em sono e consultora da Philips Avent, Danielle Cogo alerta que a poluição sonora pode ter efeitos significativos no sono das pessoas, levando a uma série de consequências para a saúde geral e para o desenvolvimento.

Perturbação do sono: O ruído excessivo durante a noite pode interromper o sono, levando a despertares frequentes e fragmentação do sono. Isso pode resultar em uma redução da qualidade do sono, levando à sonolência diurna, cansaço e dificuldade de concentração. Prejudicando até mesmo o desempenho escolar das crianças e a dificuldade no aprendizado.

Insônia: A exposição constante a níveis elevados de ruído pode desencadear ou agravar a insônia, um distúrbio do sono caracterizado pela dificuldade em adormecer ou manter o sono. Isso pode levar a um ciclo vicioso, no qual a falta de sono adequado afeta negativamente a saúde mental e física.

Aumento do estresse: O ruído constante pode desencadear uma resposta de estresse no corpo, aumentando os níveis de cortisol (hormônio relacionado ao estresse) que pode desencadear respostas fisiológicas prejudiciais ao sistema cardiovascular, pois o cortisol pode aumentar a resistência dos vasos sanguíneos, resultando em um aumento da pressão arterial.

Impacto na saúde mental: A falta de sono de qualidade devido à poluição sonora pode contribuir para problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. O sono adequado desempenha um papel crucial na regulação do humor e na saúde mental, em geral.

Danielle Cogo é especialista em sono e consultora da Philips Avent
Danielle Cogo é especialista em sono e consultora da Philips Avent | Foto: Divulgação

A especialista alerta ainda que o ruído excessivo durante a noite pode interferir na capacidade de adormecer e permanecer dormindo. "Sons altos e constantes podem estimular o sistema nervoso, tornando difícil relaxar e atingir um estado de sono profundo. O ruído intenso também ativa o sistema de alerta do corpo, elevando os níveis de alerta e vigilância".

Além dos distúrbios do sono, ela pontua que a poluição sonora pode causar outros impactos na saúde. "Os efeitos negativos do ruído excessivo podem afetar diversos sistemas e órgãos do corpo. Exemplo: estresse crônico, problemas cardiovasculares, prejuízo cognitivo e desempenho acadêmico, distúrbios de comunicação e problemas de saúde mental.

"Uma boa qualidade de sono está diretamente relacionada ao bom funcionamento do sistema imunológico, ao equilíbrio hormonal, ao desempenho cognitivo e à saúde mental. Além disso, o sono adequado está associado a uma melhor capacidade de concentração, tomada de decisões, criatividade e produtividade, sem falar nos benefícios do desenvolvimento físico e emocional também das crianças".

Grupo no Facebook

Casos como os dos moradores que conversaram com o Portal, além de outros pela capital baiana, motivaram Marcelo, atualmente morador da Graça, a criar um grupo no Facebook e reunir pessoas com queixas similares.

Em 2016, quando aconteceu uma revisão do Plano Diretor de Salvador, Marcelo participou de audiências públicas e integrou um grupo com uma equipe técnica formada e coordenada pelo Ministério Público da Bahia na parte de urbanismo.

Segundo ele, a capital baiana, inclusive, é citada em estudos de caso sobre poluição sonora de forma negativa. "Essa ideia da poluição sonora, por muito tempo foi associada a desenvolvimento. Na realidade é até o contrário, é um sinal de trabalho mal feito, administração precária, serviço mal feito".

Antes ele já vivia em outro bairro e precisou se mudar após problemas com poluição sonora. Ele pontua que durante a vivência sobre o assunto, percebeu discordâncias nas políticas públicas.

Marcelo afirma que parte dos membros do grupo só veem como opção a mudança de endereço. No grupo, a maioria das pessoas usava o espaço para desabafar. Ele lista três fases comuns aos participantes.

"As pessoas queriam desabafar. Tem pessoas que só iam ao grupo para colocar os problemas. Outra coisa que percebi foram pessoas buscando por alguma orientação, querendo saber como outras pessoas agiram, onde pode ir primeiro, a que órgão se apela... A terceira coisa é quando as pessoas percebem que os órgãos não dão conta, algumas pessoas se revoltam, ficam indignadas, se sentem injustiçadas".

Bares, segundo ele, era a fonte de ruído mais frequente. "Algumas pessoas demonstram revolta com carnaval, festas de largo... Teve inclusive alguns casos de pessoas que deixaram a Bahia".

Marcelo frisa que a imagem da cidade é de uma região alegre e musical, mas o entendimento, por vezes, é equivocado. "É como se só pudesse curtir com poluição sonora. Espero que as pessoas tomem consciência que ninguém quer proibir nada, nem festa e nem empresa, só querem ter a paz dela".

Uma das integrantes do grupo no Facebook é a cantora e compositora Célia Mara, que vive na região da Vila Brandão. Ela foi motivada justamente pelo que considera abuso ao espaço sonoro das outras pessoas.

"As pessoas que utilizam o som alto de mais acham que o espaço é delas e que isso está correto. Está faltando campanha e educação. Às vezes acho que tem intenção política por trás disso", avalia.

Celia reflete que este abuso ao direito de outras pessoas demonstra ainda a letargia da sociedade. "Está extrapolando de forma tão absurda que virou uma violência. A música é tão linda, poética, virou um instrumento de violência contra o outro. Os órgãos não cumprem com o papel que tem, de organizar, vigiar e ter as regras dentro da sociedade".

Imagem ilustrativa da imagem Barulho em excesso tira sono e prejudica saúde dos soteropolitanos
| Foto: Fernando Vivas | Ag. A TARDE

Legislação e fiscalização

Ela conta ainda que já realizou diversas denúncias, mas também sem sucesso. Em Salvador, estas queixas são tratadas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo. De 1º de janeiro a 31 de maio de 2023, a pasta recebeu 13.615 denúncias e realizou 8.080 vistorias, que resultaram em 471 equipamentos sonoros apreendidos.

Entre os apreendidos, alguns em bom estado são doados a associações, escolas, creches, teatros públicos e outros espaços. Em maio, mais de 2 mil equipamentos sonoros inservíveis, apreendidos em 2020 através das operações Sílere e Morfeu, foram destruídos. A gerente do órgão, Márcia Cardim, explica que qualquer tipo de atividade precisa estar licenciada pela CLE, a Central Integrada de Licenciamento de Eventos.

Ela afirma que há duas opções de denúncias sobre poluição sonora: "O cidadão tem dois links de denúncia, que é o número 156 e o aplicativo Sonora Salvador, uma ferramenta de fácil acesso. Essa denúncia chega a nós através do sistema", explica.

Em Salvador, a Lei Ordinária 5354, de 1998, define que os níveis máximos de sons e ruídos, de qualquer fonte emissora e natureza deve ser de 60 decibéis no período entre 22h às 7h. Já das 7h às 22h, o máximo permitido são 70 decibéis.

Segundo Márcia, a principal fonte de ruído na cidade é veiculo automotor, seguido de bares e restaurantes e, em terceiro lugar, residências. "Um dos maiores desafios nossos é a conscientização. A gente entende que a poluição causa danos, inclusive irreversíveis, mas a gente não consegue sanar as irregularidades sem conscientização da população", pontua Márcia.

Para quem não cumpre a legislação, a multa varia entre R$ 2 mil a R$ 200 mil e é definida pelos índices sonoros. Os valores ainda podem dobrar em caso de rescindência. Na hora da denúncia, a dica é fornecer a maior quantidade de informações possíveis.

"Primeiro o cidadão precisa saber que é importante ligar, registrar denuncia, fornecer o máximo de pontos de referência possível. Deve ser feito no momento que estiver acontecendo o incomodo. Não adianta prevê um barulho e denunciar".

Confira alguns registros enviados por leitores.

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