SALVADOR
Cabeleireiros: Gays são os que mais sofrem com a opção
Por Lucas Esteves
Mesmo com o preconceito sofrido por heterossexuais pela escolha inusitada da profissão de cabeleireiro, quem sofre mais com a opção são os homossexuais. De acordo com estatísticas policiais colhidas pelo Grupo Gay da Bahia, dos 100 a 150 gays assassinados anualmente no Brasil, 10 deles são cabeleireiros. O número só não supera o de travestis, que somam 25% do total.
De acordo com o fundador do GGB, o antropólogo Luiz Mott, o motivo de tanta violência contra os cabeleireiros gays no Brasil é histórico e remonta às origens portuguesas da nação. "Em Portugal, as pessoas que realizavam cortes de cabelo, barba e as sangrias eram associadas à sodomia e à homossexualidade", conta. O senso-comum, transportado para os dias de hoje, faz crer a muitas pessoas que os cabeleireiros, além de manifestarem a homossexualidade como via-de-regra, estejam manchadas por um espectro de comportamento negativo.
A situação piora para os profissionais da beleza gays por conta do típico comportamento destes trabalhadores. "A grande parte dos homossexuais que trabalham em salões se encaixa na categoria de gays mais efeminados. Eles são, geralmente, bastante andróginos ou travestis mesmo", esclarece Mott.
Mesmo assim, os gays continuam assumindo o posto nos salões de beleza. Os jovens Everton Alves, 20 anos, e Rafael dos Santos, 18, homossexuais assumidos, afirmam que jamais pensaram em seguir outra profissão que não fosse a de cabeleireiro.
"Sempre achei lindo uma pessoa cortando o cabelo de outra", conta Rafael, que resolveu fazer cursos para aprimorar a técnica e teve chances em salões de cabeleireiras amigas. Já Everton diz que se sente bem cuidando das mulheres que atende no salão, uma média de 10 por dia durante 8h de trabalho. "Aqui dizemos que transformamos Cucas em Xuxas", brinca.
Nem tudo, porém, foram flores no primeiro corte dos jovens cabeleireiros. Everton, que ainda não dominava as técnicas e o fio da tesoura, fez um buraco na cabeça do primeiro homem que ofereceu suas madeixas para o aprendiz de embelezador. Já Rafael foi mais feliz, pois apesar de ter estragado o visual de uma pessoa, ela saiu satisfeita. "Não sei como, mas gostou, agradeceu e pagou", lembra.
Os dois afirmam que não sentem nenhum tipo de discriminação no ambiente de trabalho e que têm todo o apoio das colegas de salão. "Elas sempre nos colocam para cima e nos dizem para não ter vergonha da profissão que nós escolhemos", conta Everton. As clientes também não vêem nenhum problema em ser atendidas por profissionais gays. "Elas querem que a técnica prevaleça, que elas fiquem bonitas", garante Rafael.
Tanto os cabeleireiros como o antropólogo concordam que, em termos de espaço nos salões de beleza, gays e heterossexuais se equivalem e não brigam pelo espaço e preferência junto à clientela. Para Mott, o sucesso dos salões unissex é a prova de que a divisão sexual do trabalho no mundo capitalista não está mais relacionada ao determinismo biológico como nas antigas sociedades tribais e clássicas. Para os cabeleireiros, a verdade se confere dentro do salão, com a vontade do cliente.
Fora dos salões, no entanto, os dois confessam sentir medo de sofrer violências semelhantes aos dos cabeleireiros que figuram nas estatísticas anuais. "Quando eu passo na rua as pessoas brincam, me chamam disso e daquilo. Eu nem ligo, mas temo que um dia alguma coisa pior posa acontecer", diz Everton, que também é assíduo freqüentador da noite da capital. Já o colega é mais destemido e provoca quem o agride na rua. "Sei que é provocação e que eu posso ser agredido, mas para mim o povo é despeitado. Adorariam ser como eu sou e fazer o que eu faço".
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