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SALVADOR

Cabeleireiros sofrem preconceito ditado pela homofobia

Por Lucas Esteves

05/11/2006 - 10:25 h

Na rotina de um cabeleireiro estão os produtos para cabelos, as tesouras e navalhas, técnicas para o corte perfeito e as melhores formas de transformar homens e mulheres comuns em deuses da beleza diariamente. E também as insinuações vindas de todos os lados de que exclusivamente gays exercem a profissão. Na semana em que se comemora o Dia do Cabeleireiro (3 de novembro), a prática cotidiana mostra, porém, que mexer com a estética não é necessariamente assumir a homossexualidade, dizem os trabalhadores.



Solteiros, casados, donos de salões ou apenas contratados, vários homens heterossexuais elegeram a profissão de cabeleireiro para ganhar a vida e não se arrependem da decisão. É o caso de Ademir Cordeiro, 62 anos, que este mês completa 20 anos desde o primeiro corte. O ex-petroquímico do Polo reunirá amigos e antigos clientes em seu salão, no Parque Júlio César, na Pituba, para comemorar a decisão que lhe rendeu amigos, uma casa e a possibilidade de sustentar mulher e filha.



Cordeiro, conhecido pelos clientes e vizinhos como Beny, acredita que o senso-comum de que cabeleireiros são gays é pura alegoria. "Há gays em todo tipo de profissão, mas isso não quer dizer que haja uma profissão só para gays", defende. O colega Romenil Miranda, 36 anos, concorda e afirma que gays e heterossexuais não se diferenciam quando o assunto é tesoura e cabelos. "Não existe cabeleireiro melhor se é homossexual ou não. Todos estão juntos no lado profissional e agradam a homens e mulheres".



Beny acredita que a explicação para o preconceito se deve ao fato de que, para algumas pessoas, cuidar da beleza é algo feminino. "Já fui visitado por uma cliente que trouxe um filho de 10 anos de idade e os dois ficaram o tempo todo fazendo piadinhas sobre eu ser gay porque corto cabelos. Desconversei e levei na esportiva, mas fiquei muito magoado", relembra. Em outro episódio, conta que uma cliente resolveu testar a sua virilidade apertando o seu órgão genital. "Fiquei ultrajado. Joguei uma bacia de água nela e quase a coloquei para fora do salão".



Testar a homossexualidade dos cabeleireiros parece ser uma prática corrente nos salões de beleza. A cabeleireira Emanuele Muccini, 27 anos, que já foi chefe de homens em seu salão de beleza, conta que não foram poucas as clientes que moveram mundos e fundos por seus funcionários. "Um deles era muito bonito e cortava muito bem. As mulheres se apaixonavam. Uma delas chegou a fingir que teve um problema no carro para pedir a ajuda dele e, quando chegou lá, tascou-lhe um beijo", lembra.



Tibério Santos, 24 anos, recebeu uma cantada constrangedora enquanto fazia uma massagem em uma cliente. "Ela me perguntou se eu era homem mesmo ou se eu era só fingimento, para ver qual seria a minha reação. Fiquei sem jeito, mas disse que eu gostava mesmo era de mulher", conta. A ousadia rendeu um pedido e um convite: "depois ela me perguntou se topava jantar com ela".



Para o fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, o cabeleireiro gay é uma realidade especialmente porque ele é, antes de tudo, uma pessoa tranqüila em relação à sua opção sexual. “Eles certamente são muito seguros de si e demonstram muito jogo de cintura para lidar com mulheres e homossexuais diariamente nos salões de beleza”, opina.



A revolução sexual e o advento do movimento hippie facilitaram a vida do heterossexual que resolveu assumir a beleza como fonte de renda oficial de acordo com o antropólogo. “Na época dos hippies, os homens deixavam mais o seu cabelo crescer e precisavam mais dessa coisa de se cuidar. Nesta hora entrou o homem cabeleireiro para dar uma segurança a mais a estes novos freqüentadores de salão”. O resultado é a onda de salões unissex, jovens de apenas 30 anos que já conquistaram seu espaço na sociedade.



Nenhum cabeleireiro questiona a paixão que guarda pela profissão que os levou aonde estão hoje. Romenil, que dá palestras e ensina o ofício a outros cabeleireiros, garante que 18 anos de profissão ainda não são suficientes para eliminar o prazer do corte. "Sou casado, tenho filhos e não penso em fazer outra coisa da vida", garante. O ex-químico Beny resume o sentimento dos colegas: "É glorioso ver uma noiva que parece uma leoa entrar no seu salão e sair de lá como uma princesa graças ao seu trabalho. É fascinante".



Necessidade - Em comum entre os heterossexuais que iniciaram a carreira de cabeleireiros está a necessidade financeira em primeiro lugar. Demitido após a greve dos petroleiros em 1985, Ademir Cordeiro fez uma lista de profissões que poderia escolher para manter um padrão de vida mínimo. "Cogitei ser taxista, doceiro, floricultor, distribuidor. Todas eram profissões que exigiam muito investimento ou conhecimento técnico e eu não tinha muito. Escolhi cabeleireiro porque poderia aprender em pouco tempo e conquistar clientela mais facilmente", relembra.



Atualmente cabeleireiro-modelo de uma empresa nacionalmente conhecida, Tibério dos Santos já precisou encarar os ônibus da capital baiana vendendo balas. Foi quando conheceu um homossexual que disse que se ele deixasse o preconceito de lado poderia ser um bom cabeleireiro. "Tomei um curso com ele e levei a profissão adiante, porque sabia que tinha de trazer dinheiro para casa. Hoje tenho quatro anos na empresa, sou casado, e estou muito satisfeito".



Já Romenil Miranda foi forçado pela família a abandonar o hobby de cortar os cabelos dos primos e irmãos para criar uma renda fixa. Inicialmente preconceituoso, assume que teve vergonha de dividir a primeira sala-de-aula com homossexuais. "Eu tinha vergonha. Também achava que ser cabeleireiro profissional era coisa de gay, mas a família me convenceu a tentar mais uma vez e desta vez terminei entrando em uma turma onde, coincidentemente, havia a maioria de mulheres, mas também colegas homossexuais".



Gays x não-gays - Para os profissionais da área, há diferenças sutis no modo de trabalho dos cabeleireiros gays e dos não-gays. Emanuele Muccini, que já trabalhou com ambos, aponta para o fato de os gays, por serem menos atrelados a relações estáveis, costumam se entregar de corpo e alma ao trabalho. "Eles viajam sem nenhum problema, tomam cursos longos fora da cidade, passam horas do expediente deles, tudo por amor à profissão". Beny concorda e justifica a dedicação dos homossexuais a um dom natural. "Eles são muito avançados. Não só os cabeleireiros, mas qualquer outro profissional gay".



O ex-químico defende que há, de fato, uma sensibilidade extra que o gay põe em prática nos salões de beleza. "Acho que por ter uma alma, um sentimento mais feminino, o homossexual consegue fazer um algo a mais pelas mulheres", garante.



Todos afirmam categoricamente que, para os clientes, cabeleireiros homens ou mulheres não representam nenhuma diferença na hora do atendimento. O motivo é o respeito profissional que a categoria obteve de sua clientela, independente das questões de gênero e opção sexual. "Acho que não existe mais nenhum preconceito quanto à técnica do profissional na hora de um corte ou tratamento. No momento do serviço, o que conta são as mãos de cada um", opina Emanuele.

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