FEMINICÍDIO
Caso Sara Mariano expõe as dificuldades vividas por órfãos
Pensão do governo federal ajuda, mas não contempla necessidades de filhos das vítimas
Por Jane Fernandes

Quando o auxílio para filhos de vítimas de feminicídio foi sancionado, no dia 31 do mês passado, a irmã e a mãe de Sara Mariano já enfrentavam uma batalha para ver a filha da cantora gospel. A menina, de 11 anos, está com a família do pai, preso preventivamente como principal suspeito do assassinato de Sara. O caso evidencia que, embora a pensão criada pelo governo federal seja bem-vinda, as dificuldades vividas por esses órfãos de mãe vão além das questões financeiras.
Não existem estatísticas oficiais do número de órfãos de mãe em decorrência de feminicídio, seja em âmbito estadual ou nacional. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que, em 2021, as mais de 1,3 mil mulheres vítimas desse crime deixaram cerca de 2,3 mil filhos.
Desde que chegou a Salvador, Soraya ainda não teve contato com a sobrinha, nem mesmo por telefone. As últimas informações foram repassadas pela mãe de Ederlan Mariano, com quem a menina está desde o desaparecimento da mãe, três dias antes da confirmação da sua morte. “Estamos sendo privados de ver, de dar aquele abraço. Quando pedi para falar com ela, avó disse que a menina tinha saído com o avô”, conta.
“Hoje (última quarta-feira), eu falei com a diretora para saber se minha sobrinha está indo para a escola, né? Ela disse que aquela quarta-feira (24/10), o dia que ela descobriu que a mãe estava desaparecida, foi o último dia que ela foi para a escola”, relatou Soraya.
Soraya questiona a veracidade de uma carta que a defesa de Ederlan disse ter apresentado à polícia, na qual a menina afirmaria acreditar na inocência do pai. “Não acredito que tenha sido coisa da cabeça da minha sobrinha, escrever essa carta. Não acredito em hipótese alguma! Pode ser até que seja a letra dela, mas ela foi induzida por alguém”, defende.
A família da cantora entrou com um pedido de guarda unilateral e aguarda um parecer da Justiça, conforme explica a advogada Sarah Barros. Ela esclarece ter tentado todos os caminhos extrajudiciais para promover o encontro da avó com a menina, sempre sem sucesso. “O questionamento hoje é porque a família paterna não quer que a menor tenha acesso à família materna. O que é que essa criança sabe, o que essa criança viu?”, reforça.
Segundo Sarah, a guarda pleiteada comporta a possibilidade de visitação pela família paterna, se eles solicitarem posteriormente. No entanto, se houver a comprovação de proteção de parentes ao suspeito, a suspensão de poder familiar deve ser estendida à família paterna. Em relação a Ederlan, ela diz que a destituição do pátrio poder já foi requerida nas instâncias cabíveis, com base na Lei 13.715/18.
Em linhas gerais, a lei citada altera o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, possibilitando a perda do poder familiar para quem cometer homicídio, feminicídio ou lesão corporal grave contra o outro genitor daquela criança ou um descendente. O mesmo se aplica se o crime cometido for estupro.
Casos e leis
A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres do Ministério Público da Bahia, Sara Gama, recorda um caso ocorrido no interior do estado. Uma mulher foi assassinada a tiros pelo ex-companheiro enquanto estava com o filho deles no colo, uma criança de no máximo dois anos.
“Esse homem foi preso, a família materna assume a criação da criança e a família do pai começa a pressionar essa avó para que leve a criança ao presídio para visitar o pai”, conta a promotora. A perda do poder familiar prevista na Lei 13.715 não é automática, então ela orientou o ingresso de ação para regularizar a guarda da criança e obter a destituição do genitor que cometeu feminicídio.
Quanto à criação da pensão especial para crianças e adolescentes órfãos em decorrência de feminicídio (Lei 14.717/23), Sara ressalta ser um pleito antigo de quem lida com a violência contra a mulher, sobretudo porque as estatísticas mostram que cerca de 82% das mulheres assassinadas são mães e frequentemente deixam filhos menores de idade.
“Geralmente são as avós maternas que assumem a criação dessas crianças e muitas delas não têm condições materiais, nem físicas para isso, porque são pessoas idosas, pessoas com a renda mais baixa, que às vezes não têm condições de recepcionar essa criança numa moradia mais adequada”, ressalta Sara.
Valor da pensão
De acordo com a legislação, a pensão terá o valor de um salário mínimo e será destinada “ao conjunto dos filhos e dependentes menores de 18 anos de idade na data do óbito de mulher vítima de feminicídio”. Para ter direito ao benefício, a renda familiar mensal por pessoa não pode ultrapassar 25% de um salário mínimo, percentual correspondente a R$ 330,00 (veja box).
Coordenadora do Penhas, aplicativo do Instituto AzMina para auxílio a mulheres vítimas de violência, a advogada Thayná Silveira considera a pensão um passo importante, mas que deve ser melhorado. Entre os pontos a serem revistos, ela cita o limite de renda familiar: “pode ser que uma pessoa passe um pouco desse valor e não quer dizer que ela esteja com condições de arcar com as despesas dessa criança”.
Thayná também discorda da proibição de acumular a pensão criada pela Lei 14.717/23 com outros benefícios assistenciais. Combinar essa pensão com medidas mais direcionadas a auxílios diretamente ligados à moradia ou inclusão no programa Minha Casa Minha Vida é um dos caminhos sugeridos por ela.
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