SALVADOR
Chuvas intensas representam risco para a população
Avanço em obras de contenção de encostas e monitoramento não impede que moradores tenham prejuízos
Por Jane Fernandes
A devastação de várias cidades do Rio Grande Sul e a previsão de eventos extremos mais frequentes, em decorrência das mudanças climáticas, evidencia a necessidade de preparar os municípios para receber chuvas intensas. Em Salvador, o mês de abril registrou o maior volume acumulado dos últimos 40 anos, chegando a 821,7 milímetros, diante de uma média histórica de 284,9mm, levando ao acionamento de sirenes para desocupação de algumas áreas de risco, a exemplo da Rua Voluntários da Pátria, no Lobato.
Moradora do local há 29 anos, Vera Lúcia de Jesus Souza, 54 anos, foi uma das pessoas a se abrigar na Escola Municipal Professora Eufrosina Miranda no mês passado. A casa onde ela mora com a mãe, um filho e dois netos, é invadida pela lama quando chove forte. E a situação era pior antes dela construir uma parede reforçada no fundo da casa, servindo de contenção improvisada para a encosta quase colada no imóvel.
Quando a casa ainda era de telha, uma árvore caiu e deixou o piso superior exposto à chuva. A laje foi batida no começo deste ano e ajuda a enfrentar os dias chuvosos, mas a encosta descoberta não deixa de liberar lama, e às vezes há deslizamento de terra. “Mandaram que fosse buscar a lona, mas como eu mesma tenho de pegar e colocar?”, reclama.
A desocupação da casa de Vera ocorreu após o acionamento da sirene do Sistema de Alerta e Alarme implantado pela Codesal na Voluntários da Pátria, e em outras 13 áreas em diferentes bairros, a exemplo do Calabetão, Liberdade (Vila Sabiá) e São Caetano (Baixa do Cacau), Sete de Abril (Bosque Real) e Castelo Branco (Moscou e Creche). Segundo a Codesal, o Sistema é acionado quando há risco iminente de deslizamento de terra, devido ao encharcamento do solo.
Na Vila Sabiá, Neidson dos Santos Oliveira, 32, recorda ter saído de casa por conta dos riscos há cerca de um ano e que houve desabamento da parede do fundo em 2022. Quando questionado se deixou o local quando a sirene foi acionada em abril, ele questiona “a gente vai para onde?”. Após a ocorrência de 2022, ele conta que telas foram colocadas sobre as encostas, mas atualmente tudo que se vê é mato alto nos paredões atrás das casas.
O procedimento de buscar a lona é o padrão adotado pela Codesal, que informa em nota ter liberado 31.482 m² de lona plástica em atendimento a 199 locais apenas no mês de abril, quantidade que supera o total de 28.008 m² de lona liberados entre janeiro e março. O órgão destaca ainda ter aplicado 300 geomantas em encostas da cidade nos últimos oito anos e construído 98 muros de contenção desde 2021.
Perspectiva de solução mais duradoura do que a colocação de lonas e geomantas, uma contenção de encosta está prevista para a Rua Voluntários da Pátria, mas não é possível ter certeza se a área onde Vera mora será contemplada. A obra está prevista no PAC Seleções, programa do governo federal que garantiu mais de R$ 200 milhões para obras na Bahia.
A construção será executada pela Conder (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia), também responsável pelas demais contenções do PAC, que serão erguidas em Salvador, Cairu, Camacan, Camamu, Gandu, Ilhéus, Itabuna, Itacaré, Itamaraju, Jacobina, Lauro de Freitas, Medeiros Neto, Mutuípe, Simões Filho, Teolândia e Ubaitaba.
Em execução
Segundo a Secretaria de Infraestrutura Municipal (Seinfra), 35 contenções estão em construção atualmente na capital baiana, outras 56 serão iniciadas ainda este ano e 98 foram entregues de 2021 até agora.
Uma das obras em andamento está na 2ª Travessa Padre Domingos de Britto, na Federação. Na última quarta-feira, as máquinas e a equipe trabalhavam na contenção da encosta que aparentemente já arrastou parte do muro da casa logo acima. Segundo vizinhos, o imóvel térreo foi desocupado, o que não ocorreu no andar de cima. A reportagem não conseguiu falar com os moradores.
O secretário da Seinfra, Francisco Torreão Espinheira, explica a existência de diversas técnicas para contenção de encostas, ressaltando que as mais aplicadas em Salvador são solo grampeado e cortina atirantada. “A cortina atirantada, apesar de ser um pouco mais cara, dá uma segurança maior, até por conta das ocupações. A gente às vezes não tem o espaço que precisaria para trabalhar e por conta da inclinação a gente acaba adotando a cortina”.
Conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia, Neilton Dórea vê as medidas habitualmente adotadas pelo poder público como paliativas e incapazes de preparar a cidade efetivamente para as chuvas. “A gente sabe que mais de 80% da cidade é ocupada informalmente, é uma cidade espontânea, não tem interferência de técnicos, são pessoas que ocupam qualquer área da cidade”.
Em sua avaliação é preciso criar uma secretaria concentrada em planejar a cidade de forma global e buscar recursos para executar os projetos. O urbanista acredita que as soluções técnicas já são conhecidas e adverte para o abandono de algumas estratégias bem sucedidas, como as escadas drenantes projetadas por João Filgueiras, mais conhecido como Lelé. Nestas escadas, a água corria por baixo da estrutura para os pedestres, evitando as “cachoeiras” formadas em escadas comuns quando chove.
Manutenção e descarte correto de resíduos previnem alagamentos
Casas e ruas alagadas são outros pontos críticos nos dias de chuva intensa. Na última terça-feira, mesmo com um volume menor do que o registrado nos dias de pico de abril, a água tomou conta da Avenida San Martin, e vias do Uruguai e de São Cristóvão, entre outros pontos. Para evitar essas ocorrências, os sistemas de drenagem precisam ter capacidade adequada, além de receber manutenção contínua.
Responsável pelos serviços de desobstrução e recuperação das redes de drenagem, limpeza de canais e bocas de lobo, contemplando a micro e macrodrenagem, a Secretaria de Manutenção (Seman) informa que reforça a equipe durante o período de chuvas (abril a junho), garantindo efetivo para atendimento emergencial 24 horas por dia.
Em relação às bocas de lobo, parte da microdrenagem, o secretário da Seman, Lázaro Jezler, comenta “normalmente ficam cheias, seja de sedimentos, terra, lixo mesmo, plástico, então a gente faz a manutenção preventiva dessa rede, desobstruindo durante todo o ano, e na operação chuva a gente intensifica essas ações”. Destacando a importância desse trabalho para que a “água da chuva possa escoar com mais facilidade”.
Na Rua Voluntários da Pátria, no Lobato, Silvaneide de Anunciação de Jesus, 47 anos, se queixa especialmente dos alagamentos e da retenção de água da chuva em alguns pontos. Ao lado da via para carros, ela mostra uma valeta para escoamento que teria sido feita pelos próprios moradores, e pouco metros adiante há um córrego margeando uma sequência de casas.
Os córregos, rios e canais compõem o sistema de macrodrenagem, no qual a equipe encontra dois desafios destacados por Jezler: o desvio de esgoto doméstico para os rios e canais, e o descarte de colchões, fogões e sofás. “O destino dos entulhos e desses materiais é muito importante, porque isso acaba entupindo os canais, gera alagamento, o que vai prejudicar a própria população”.
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