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SALVADOR

Cléo Martins

Por JORNAL A TARDE

06/01/2006 - 0:00 h

Oxoguiã, o guerreiro branco



(Para meu amigo Ary, da Fenacab, filho de Oxoguiã)

Cléo Martins



Escrevo na primeira terça-feira de 2006: dia de Ossain, o feiticeiro patrono da ecologia. Reflito sobre o ano que haverá de ser muito, muito bom: de fartura, discernimento e colheita. Há viventes que preferem os anos pares. Nunca pensei nisso, embora tenha sido trazida a este mundão de meu Deus em junho de 1956. Eu e Gerson, amigo paulista que também vive em Salvador há anos e anos.



Gerson chegará ao meio século em fevereiro: antes da geminiana que contempla a livre e vaidosa chuva vilaboense anunciando sua presença na terra molhada. O vento adolescente lidera a sinfonia do céu. É regente e spalla. Águas de Oxumarê, o Senhor do arco-íris e de todos os matizes da vida. Aquarela na chuva: arroboboi.



Como chove nesta cidade de Goiás – a primeira capital do Estado – berço de Cora Coralina a paradigma entre as escritoras brasileiras: a dona da velha casa da ponte sobre o Rio Vermelho. Que a esperança acalme os ânimos do velho ribeirão rubro dos versos e prosa da poetisa e escritora. Coralina nasceu e cresceu, casou e mudou-se, mas retornou vendo-o explodir em crises de mau gênio, transbordamento e ternura.



Se algum dentre vosmecês, meus leitores e leitoras, ainda não leu Cora Coralina, não deixe de fazê-lo em homenagem ao Brasil que tem tudo para dar certo se o povo brasileiro assim o desejar.



Dois mil e seis da era cristã. Três de janeiro. Terça-feira. Há 68 anos, Mãe Aninha, Iá Obá Biyi, a magnífica fundadora do Axé Opô Afonjá, retornou ao orum: eterno lugar de recomeço. Eugênia Anna dos Santos é brasileira, exemplo de vanguarda, resistência e esperança. Filha de africanos gruncis, destacou-se entre os iorubás. Cria espiritual de Xangô sob o nome Afonjá: o Senhor da Justiça. Não há paz sem justiça.



Mãe Aninha não hesitou em ir até o Rio, na ditadura Vargas, para conseguir a liberdade do culto afro-brasileiro, até então perseguido pelas autoridades policiais. Amparada pelo Ministro Oswaldo Aranha, nascido no Alegrete – a mais gaúcha de todas as cidades do País do sul, tchê – obteve o Decreto 1.212 como garantia da livre prática das religiões de matrizes africanas.



Lamento não ter conhecido a Ialorixá; a grande brasileira nascida na Bahia, de cujo Xangô tenho a honra de ser Agbeni desde 2 de maio de 1990. As melhores pesquisas e textos sobre Dona Eugenia Anna dos Santos – a Donana – têm sido produzidos pelo ilustre professor Vivaldo da Costa Lima: Obá Odofim e Elemaxó do Axé Opô Afonjá, confirmado por Oxoguiã da finada Mundinha.



Elemaxó é o cargo máximo masculino na Casa de Oxalá, oiê relacionado diretamente a Oxoguiã, o Orixá que rege este ano de 2006. Viva Oxoguiã, minha gente! Três pessoas queridas – destas que habitam o coração dos outros – são elemaxó: Arielson, da Casa Branca do Engenho Velho – o atual decano dentre os Ogãs e melhor pai do mundo; Vivaldo da Costa Lima e Erenilton, da Casa de Oxumarê.



O elemaxó é quem tem o direito de segurar o atori (varinhas) de Oxoguiã: o símbolo da ligação entre este Orixá que se veste de branco e Oiá: a menina de seus olhos: onde Oxoguiã tira os pés, Oiá Iansã coloca. Quem não acredita, pergunte a Mãe Carmem, a Ialorixá do Gantois e ilustre filha de Oxoguiã!



O atori liga o orum e aiê, controlando os espíritos que residem em Ndakó, o bambuzal. Há enorme ligação entre o atori – do culto de Oguiã (e de Egunocô) e o inxã (conduzido pelos ojés) do culto lesse egum. Oxoguiã é Oxalá em sua roupagem guerreira: o Senhor do pilão de duas faces; dos inhames novos; o Olorogum: Senhor da guerra; príncipe da paz, guardião dos ancestrais e dono da pedra segui.



Há muitas qualidades de Oxoguiã. Simplifiquemos. Em uma primeira classificação, temos Ajagunan, o guerreiro, e Ndakó Boyá, o Senhor da Árvore, cuja saudação é Essô! Mas isso ficará para depois. O balé da chuva lá fora convida. Sugestão da Agbeni: usem e abusem da cor branca em 2006. Cultuem Iemanjá – a aiabá de Oxoguiã e guardiã do ori; observem o silêncio e a justiça.



Não se esqueçam da menina dos olhos de Oxoguiã sob a forma de Ndakó Boyá, o senhor de Egunokô, onde Oiá é Baculaí. Cuidado com teimosia, meteção de bedelho na vida alheia e disputa de poder.



Oxoguiã, que divide com Orixá Ocô o poder sobre a agricultura, é justiceiro e implacável: de longa e eterna memória. Contemplo a ação do vento nas folhas do lado de lá da janela, pedindo ao Grande Ossain que nos proteja e livre-nos do Mal.



Xô!



E a Oxalá, nesta primeira sexta de 2006, nosso amor de filhos e filhas, e a certeza de que lutamos e lutaremos o bom combate.



E xê uê, Babá!



Essô!



Epababá, Eparrei!



Cléo Martins, a Agbeni Xangô do Axé Opô Afonjá, é advogada e escritora

([email protected])

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