Comunidade do Cassange vive como se estivesse na zona rural

É preciso percorrer a pé quatro quilômetros de estrada de barro irregular se Rosenice Ferreira de Souza, 36 anos, quiser pegar um ônibus para Salvador, que passa na Via Parafuso (pista que leva ao CIA). Entre chácaras, casebres e matagais, a casa dela está situada na Avenida Carangi, também chamada Rua Raposo, considerada parte do bairro Cassange.

Comunidade de aspecto rural, porém considera da zona urbana pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), o local possui muitas carências. Energia elétrica tem, mas água, se quiser para beber ou tomar banho, tem que buscar no poço. Encanamento por lá nunca passou. Ônibus não entra porque a estrada não oferece condições. A alternativa são as vans, mas o usuário tem que sentar e esperar, pois nunca sabe os horários.

“A gente vive aqui nas mãos de Deus. Eu não entendo por que ninguém faz nada”, lamenta Rosenice, que lidera a Associação de Moradores da Avenida Carangi e Adjacências. É por estar cansada da falta de soluções do poder Executivo que ela está mobilizando a Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público. Até agora, já teve três audiências com a promotora Cristina Seixas, principalmente para resolver a falta de água encanada.

A primeira reunião ocorreu no final de janeiro, mas desde lá nada se resolveu. A quarta, na segunda-feira passada, foi marcada pela ausência de representante de órgãos públicos (Embasa, Conder, Surcap e Sumac), sendo adiada para o dia 19. O encontro está agendado com uma nova promotora, Hortência Gomes.

Até lá, Rosenice espera receber uma resposta por parte da Embasa, que mandou técnicos a Carangi há 10 dias para verificar a situação. “Ofereci da nossa água a eles, mas recusaram quando viram a cor”, lembra. Segundo ela, são 10 moradores que dividem o mesmo poço e pagam cerca de R$ 70 para custear a energia elétrica que mantém a bomba para puxar a água. Os demais sítios e casas também se juntam para dividir outros poços.

Escola – “Cansam de dizer que aqui não é área rural, mas também não dão atendimento urbano nenhum”, reclama Rosenice, com autoridade de quem está há quase sete anos lutando para conseguir melhorias na região. Uma das providências ela mesmo resolveu tomar. Professora do ensino infantil, montou uma escola comunitária que atende 30 alunos, de 2 a 5 anos. Os maiores, da 1ª à 4ª série, precisam percorrer 12 quilômetros para chegar ao colégio municipal mais próximo.

A travessia é feita, basicamente, a pé pela estrada de barro que cruza a localidade. Duas poças de água grandes cortam o caminho e, quando enchem com a chuva, as crianças deixam de ir à escola. Alguns pais chegam a pagar R$ 30 para os filhos serem transportados por um Chevette antigo – que chega a carregar mais de 10 alunos. “Outros vão de carroça, bicicleta, moto, cavalo, como podem, ou fazem uma hora de caminhada”, diz Rosenice.

Os problemas não param por aí. O aterro sanitário próximo ao CIA deixa um cheiro forte invadir as moradias. Também logo ao lado, a pedreira Carangi provoca barulho e já causou rachaduras na casa de Rosenice. Serviços básicos, como farmácia e hospital, ficam distantes, deixando a comunidade desassistida. “Pior é a falta de onde comprar remédio. Se a pessoa tiver alguma coisa de noite, pode morrer”, reclama Nilza de Souza, 40.