SALVADOR
Curso de costura leva esperança a mulheres de Paripe
Por Euzeni Daltro

Aprender um novo ofício é como receber um sopro de vida. Isso porque um novo ofício sempre vem acompanhado por um mundo de possibilidades, que nutre o corpo e a alma com doses curativas de esperança e entusiasmo. Aprender um novo ofício é como ser resgatado da morte diária provocada pelas rasteiras da própria vida. É dizer, mais uma vez, um sim à própria vida. É dizer, mais um vez, um sim para si mesmo. Sim que as 26 alunas do projeto Costurando o Amanhã deram para a vida e para elas mesmas, quando resolveram aprender um novo ofício. O de costureira.
“Esse curso está me ajudando tanto com o problema de depressão. Entrei em depressão primeiro pela morte de meu filho mais velho, há 11 anos. Não gosto nem de falar sobre isso. E depois pela morte de minha mãe, sete anos atrás”, afirma Rosimaire Alves, 48, que já fez outros cursos no local. Segundo ela, o filho mais velho, Emerson, 18, foi assassinado durante um assalto. E a mãe, Gildete Alves, 81, morreu em decorrência de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), após 20 anos sendo cuidada pela filha.
Rosimaire é cuidadora de idosos. Sem trabalho em sua área, ela passou a atuar de forma autônoma como vendedora de confecções. “Eu tinha curiosidade em aprender corte e costura. Gostava muito, mas não sabia nada. Eu vendo confecções e, a partir desse curso, posso confeccionar minhas próprias peças”, afirmou ela, que pretende se especializar em moda praia. “Até consegui fazer um biquíni”, comemorou.
Martinha Matos da Conceição, 59, também carrega a dor da perda de um filho. “Meu filho faleceu há 13 anos. Mataram por causa de mulher casada”, contou, sem dar detalhes. “Esse curso é como se fosse uma terapia para a gente. A gente chega aqui com a mente preocupada e se distrai, esquece um pouco os problemas da vida”, completou Martinha.
Costurando o Amanhã é uma iniciativa da Creche Escola Alto dos Pontes (creche comunitária na localidade Alto dos Pontes, em Paripe) em parceria com a Prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre). O intuito do projeto é qualificar essas mulheres para que possam ter condições de obter uma renda extra ou até mesmo retornar ao mercado de trabalho.
As aulas são realizadas sempre às terças-feiras e quintas-feiras, das 14h30 às 16h30, na sede do Restaurante Popular Cuidar, na Rua Santa Filomena, em São Tomé de Paripe. “Esse projeto surgiu no grupo de idosos da creche. Os idosos sempre reclamavam que lá não tinha muita atividade para eles e nós buscamos atender essa demanda. Aqui tem muitos idosos que perderam seus filhos para a violência”, conta Licineia Morais, 55. Ela confirma a intenção de formar uma cooperativa com as alunas após a conclusão do curso.
Durante as aulas, as alunas aprendem a confeccionar roupas de um modo geral e moda praia. O clima é sempre animado, sobretudo quando concluem uma nova peça. As aulas são ministradas de forma voluntária pela costureira industrial Neide Almeida de Queiroz, 39. “Tenho alunas aqui que não sabiam nem pegar em uma tesoura e hoje estão costurando. Isso é muito gratificante”, comemora a professora.
A secretária da Sempre, Ana Paula Matos, explica que, até o início de 2016, o Restaurante Popular era administrado por uma empresa privada. Segundo ela, em junho do mesmo ano, o restaurante foi reinaugurado pela prefeitura. “Deixou de ser apenas uma ação social de uma fábrica e passou a ser um espaço multifuncional para a população. A gente faz uma série de ações não só relacionadas à alimentação”, afirmou a secretária, referindo-se aos serviços que são levados com frequência para o espaço, a exemplo do Serviço Municipal de Intermediação de Mão-de-obra (SIMM). “A nossa intenção não é promover assistencialismo. É promover autonomia”, completou. A secretária adiantou que a prefeitura pretende implantar outro restaurante popular em Pau da Lima, em 2020.
Oportunidade de renda

“Eu estou nesse curso porque vai ter uma cooperativa para ajudar a gente. Eu não sabia costurar, aprendi aqui. Mas não tenho máquina. Já pedi a Deus e ao mundo para tirar no cartão (de crédito) de 10 vezes, mas não quiseram. A cooperativa vai ajudar muito a gente”, declarou Suzana Santos Silva, 50. Suzana atuou como cambista do jogo do bicho por 17 anos e, há 15 anos, saiu do ramo. Casada e com dois filhos, ela conta que sempre enxergou nos cursos oferecidos no local a oportunidade de ter uma renda. Ela já fez três cursos de crochê e com as vendas das peças consegue completar os R$ 89 que recebe do Bolsa Família. “Aprendi a fazer crochê aqui e hoje vendo minhas pecinhas”, disse ela. Entusiasmo
Máquina para realizar sonho

Martinha Matos da Conceição, 59, apelidada de Marta, exibe e fala com empolgação e felicidade sobre as peças feitas por ela durante o curso, sobretudo, um macacão para a apresentação na escola da sobrinha Rute Matos da Conceição, 12, de quem ela cuida como filha. “Sempre quis aprender corte e costura, mas nunca tive condições de pagar. Eu não sabia cortar nada, quando comecei esse curso. E hoje eu já faço até macacão com capuz”, contou ela, ao passo que mostrava a roupa. Desempregada e com uma renda de R$ 190 do Bolsa Família, Martinha sonha alto com a costura. “Meu sonho agora é comprar uma máquina para poder ganhar dinheiro em casa com pequenos conserto”, disse.
Do mar e da máquina

Marisqueira há 10 anos, Ana Rita Santos dos Prazeres, 58, busca nos cursos oferecidos no Restaurante Popular Cuidar a oportunidade para driblar a escassez de recursos no período de defeso, quando a atividade fica proibida por alguns meses. Ela já fez curso de cuidador de idoso, crochê, artesanato e está aprendendo corte e costura. Mais que animação, ela sente esperança de ter mais uma fonte de renda com a criação da cooperativa de costureiras. Segundo Ana Rita, sobreviver da mariscagem artesanal tem sido cada vez mais difícil com o passar dos anos. “De 10 anos, 5 anos, para cá mudou muito”, revelou, referindo-se à quantidade de mariscos encontrada atualmente. “Eu vou poder ganhar um dinheiro a mais, fazendo parte de uma cooperativa. Se não tiver o marisco, a gente vai costurar. E aqui no curso a gente está fazendo de tudo: almofadas, moda praia, de tudo um pouquinho”, declarou a marisqueira.
Sede de aprender sempre

“Em fevereiro, já vou fazer 62 anos, mas eu me acho com 18 anos. Não tenho preguiça de fazer nada. Eu me jogo”, disse Vera Lúcia Andrade do Nascimento, com a empolgação de uma menina. E ela se ‘jogou’ no curso de corte e costura com a vontade de uma adolescente de adquirir mais conhecimentos na profissão. Vera Lúcia conta que já trabalha com costura, fazendo bainhas e pequenos reparos em peças de roupas diversas, mas queria aprender mais. “Eu queria aprender a cortar. É bom a gente sempre aprender mais, aprender coisas novas. Fazia tempo que eu estava querendo fazer esse curso de corte e costura”, declarou Vera Lúcia. “Eu gostei muito. Gostei muito mesmo de ter esse curso aqui perto de casa porque a gente pode fazer”, completou ela, que também é baiana de acarajé.
‘Cliente’ especial

Eliane Ferreira, 54, é artesã e trabalha com diversas técnicas e materiais. Claro que saber corte e costura ampliará suas possibilidades de criação e a ideia de fazer parte da cooperativa também a anima. Mas a principal motivação para fazer as aulas foi o desejo de fazer roupas mais trabalhadas para a cachorrinha Cibele, uma vira-lata de 2 anos. “Entrei nesse curso para fazer as roupas de Cibele na máquina de costura, mais trabalhadas. Eu costuro as roupas dela na mão. Meu marido me deu uma máquina, há um ano, e eu sem poder usar porque não sabia mexer”, conta Eliane. Casada e mãe de três filhos já independentes, Eliane participou no passado do curso de crochê, no mesmo local, e incorporou a técnica aos seus trabalhos recentes.
Gosto por aprender vem de cedo

O desejo de aprender coisas novas sempre acompanhou Cleonice Maria dos Santos, 76, a dona Nicinha. Tanto é que ela é frequentadora assídua dos cursos realizados no Restaurante Popular. “Desde novinha que eu gosto de aprender. Aqui já fiz curso de sandália, bordado, crochê e, agora, costura”, disse ela, que é viúva, tem sete filhos e mora sozinha. A ideia de formar uma cooperativa ao final do curso deixa dona Nicinha empolgada. “Maravilha. A gente já ganha um dinheiro com isso”, afirmou a aprendiz. Dona Nicinha recebe aposentadoria no valor de um salário mínimo e, quando não encontra os medicamentos para diabetes, pressão alta e colesterol no posto de saúde do bairro, tira do próprio bolso para manter o tratamento.
Conhecimento para amenizar as dores

Rosimaire conta que corte e costura não foi o primeiro curso que ela fez no Restaurante Popular Cuidar. Ao longo dos anos, em meio às dores latejando no peito, ela fez cursos de culinária, crochê e reaproveitamento de alimentos. “Aprendi bastante coisa aqui. Sempre que dá para fazer alguma peça, a gente faz e vende”, disse, referindo-se às peças de crochê. Mãe de dois filhos e avó de sete netos, ela revela que seu objetivo é integrar a cooperativa e se aperfeiçoar no ramo. “Essas aulas previnem a nossa mente, não deixam que a gente fique pensando nos problemas e nem fique deprimida”.
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