Das indústrias à favela: importantes raízes da Península de Itapagipe | A TARDE
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Das indústrias à favela: importantes raízes da Península de Itapagipe

Região foi marco na atividade industrial, mas também abrigou a maior favela da América Latina

Publicado sexta-feira, 29 de março de 2024 às 06:30 h | Atualizado em 30/03/2024, 21:34 | Autor: Alex Torres
Região compreende bairros como Bonfim, Ribeira, Monte Serrat, Mares, Massaranduba e Caminho de Areia
Região compreende bairros como Bonfim, Ribeira, Monte Serrat, Mares, Massaranduba e Caminho de Areia -

Banhada pelas águas da Baía de Todos os Santos, a região da Península de Itapagipe é apenas um entre diversos casos ao redor do mundo de áreas historicamente marginalizadas e afetadas pelas desigualdades raciais. Pertencente à Cidade Baixa de Salvador, o território compreende áreas do Bonfim, Ribeira, Monte Serrat, Mares, Massaranduba e Caminho de Areia.

Ao todo, a região possui quase 200 mil moradores e, historicamente, foi o pontapé inicial para a primeira zona industrial da Bahia, ainda no século XIX, com a Vila Operária implementada pelo empresário Luiz Tarquínio (que dá nome a uma avenida da Península de Itapagipe).

Em entrevista ao Portal A TARDE, a museóloga e guia de turismo, Bartolimara Daltro, mais conhecida como Bartô, contou a história e falou sobre a importância dessa iniciativa para os avanços da região.

"A Vila Operária, implantada por Luiz Tarquínio, constitui, por assim dizer, um museu a céu aberto ao lado da Companhia Empório Industrial do Norte (CEIN), uma das maiores indústrias fabris em solo baiano. A CEIN, fez a diferença na Cidade Baixa, contribuindo para o progresso da região. O empreendedorismo de Tarquínio era caracterizado pelo suporte dado à classe operária e a Vila Operária, ainda de pé, segue sendo uma prova viva disso", contou Bartô.

Maior favela da América Latina

Se por um lado havia o desenvolvimento e os avanços industriais, causados pelos investimentos fabris, também houve o abandono e o descaso com uma parcela populacional que, diante de tanto sofrimento, ficou marcada na composição de Hebert Vianna, da banda Os Paralamas do Sucesso.

"Palafitas, trapiches e farrapos. Filhos da mesma agonia", diz trecho da música 'Alagados', que traz diversas referências à antiga comunidade que possui o mesmo nome do título, onde atualmente está localizado o bairro do Uruguai.

Reconhecida na época como a maior favela da América Latina, a antiga comunidade de Alagados se caracterizou, além da pobreza, pelas peculiaridades estruturais nas quais eram construídas as casas dos moradores. Como dito na música, as palafitas eram casas erguidas e sustentadas por estacas que eram fincadas em regiões alagadiças.

Casas em Alagados eram erguidas em cima da maré
Casas em Alagados eram erguidas em cima da maré |  Foto: Divulgação | Heder Novaes

Antigo morador da região, o consultor de segurança escolar, Ubirajara Azevedo, lembrou do período difícil, mas fez questão de destacar a união dos moradores daquela região que, mesmo com o pouco que tinham, ainda ajudavam uns aos outros.

"Uma coisa muito interessante era o espírito de coletividade, uns ajudando aos outros. Aos poucos essas moradias cresciam rapidamente [...] As lembranças mais memoráveis ​​foram ver as pessoas que viviam nessa pobreza se unindo para construir a moradia do outro, parecia ser uma questão de honra", lembrou Ubirajara.

Também moradora do local, Edezuita dos Reis também relatou as dificuldades enfrentadas na época, mas lembra com orgulho a conquista de ter um espaço onde ela pudesse chamar de seu.

"Se a gente foi morar em Alagados, era porque não tinha onde morar. Mas eu era feliz, porque aquele barraco era meu e foi tudo para mim [...] Por mais que não fosse nas condições ideais, eu tenho certeza que muita gente foi feliz assim como eu fui. Só de saber que você está no seu canto é uma benção", contou.

Aos poucos, os moradores foram retirados das casas em palafitas e realocados na chamada 'terra firme'. O processo, entretanto, teve início ainda na década de 1980 e só foi concluído em meados dos anos 2000, evidenciando a complexidade da situação.

Entre o sagrado e o profano

Outro ponto que ganha bastante na identidade cultural da Península de Itapagipe está na religião. Assim como muitos territórios da capital baiana, a região expõe uma rica diversidade de tradições e práticas religiosas, desde o candomblé até o catolicismo.

Através de rituais, festas e celebrações, a religião não apenas fornece um senso de conexão com o divino, mas também com o profano. Dessa forma, as práticas também servem como um importante elo social, fortalecendo laços comunitários e preservando tradições ancestrais.

Entre as principais celebrações da região, destacam-se a Lavagem do Bonfim
Entre as principais celebrações da região, destacam-se a Lavagem do Bonfim |  Foto: Milla Souza | Ag. A TARDE

"A Cidade Baixa constituiu-se, portanto, num polo religioso de grande efervescência, se fortalecendo [...] Somadas às festividades religiosas, o profano toma corpo em campo fértil. A criação do Caminho da Fé, ligando o Santuário de Santa Dulce dos Pobres à Basílica do Senhor do Bonfim, incrementou o fluxo do turismo e o novo atrativo religioso veio para consolidar Itapagipe como uma região de intensa procura para os que têm fé", explicou Bartô.

Entre as principais celebrações da região, destaca-se a Lavagem das escadarias da Basílica do Senhor do Bonfim e as procissões de Bom Jesus dos Navegantes e de Nossa Senhora da Boa Viagem, todas elas realizadas durante o mês de janeiro.

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