SALVADOR
Déficit de R$ 24 milhões coloca em risco as Obras Sociais Irmã Dulce
Na Bahia, 52% das instituições filantrópicas encerraram 2021 no vermelho
Por Priscila Dórea*
Agravada pela pandemia, a crise financeira dos hospitais filantrópicos e Santas Casas de todo o Brasil tem se tornado uma ameaça ao fornecimento de atendimentos gratuitos. Na Bahia, 52% das instituições filantrópicas encerraram 2021 no vermelho, de acordo com a Federação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Estado da Bahia (FESFBA). Nesse grupo estão as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) e os mais de 3 milhões de atendimentos gratuitos por ano no estado.
A instituição entrou em 2022 com uma dívida de R$24 milhões que pode chegar a R$44 milhões até o final do ano, enquanto os corredores continuam cheios de pacientes em busca de atendimento e na torcida para que a instituição supere a crise.
Há 20 anos frequentando o grupo Centro Dia - que oferece atividades de socialização, reabilitação física e cognitiva para idosos - do Centro de Geriatria e Gerontologia da Osid, a aposentada Jaci dos Santos Teixeira, de 78 anos, está no meio de seu tratamento para artrose e conta sobre suas experiências.
“No Centro temos passeios, brincadeiras e diversas atividades, fiz muitas amizades lá dentro. Mas a melhor parte é que todo mundo aqui nos trata bem e com muito cuidado. Comecei a fisioterapia em fevereiro e já melhorei de uma forma que não imaginava ser possível”.
Jaci mal andava quando começou iniciou as sessões de fisioterapia na Osid afirma a salgadeira Sandra Regina Teixeira da Cruz, filha da aposentada. “Eu precisava quase carregar ela, agora ela já se levanta sozinha da cadeira. Minha mãe melhorou muito e não só da artrose, porque o isolamento da pandemia a afetou muito também e voltar aqui e interagir com a equipe do hospital e as amizades do Centro a deixou muito animada, é visível a mudança dela. Só o que me faz ficar sentida é não poder ajudar financeiramente as Obras, realmente gostaria que os grandões com dinheiro fizessem mais”, desabafa.
Pensamento muito parecido com o da paciente oncológica Jade Gama (nome fictício), de 45 anos. “Mesmo que Irmã Dulce não cobrasse nada para cuidar dos outros, acho que toda doação é bem vinda, mesmo que seja pouca. Cheguei ao Hospital Santo Antônio da OSID depois de ficar sem convênio e descobrir que estava com câncer no estômago. Apesar do que falam da saúde pública, me sinto em um hospital particular aqui, além do cuidado dos profissionais, foi tudo muito rápido: três meses depois da regulação, fiz minha cirurgia. Muita gente nem sabe que aqui tem tratamento oncológico, nem o quanto é bom e de qualidade. Imagina se um lugar desses não existisse?”, questiona.
Há 22 anos atendendo nas Osid, o médico dermatologista Ângelo Sérgio Campos Souza conta que os pacientes mudaram um pouco ao decorrer do anos, principalmente desde a pandemia. “A gente sempre atendeu pacientes muito carentes, mas hoje atendemos vários que a situação econômica não permite mais que eles mantenham o convênio ou mesmo aqueles que pagavam particular. O trabalho feito pelas Obras é fundamental, me sinto muito recompensado com pessoa e como médico de trabalhar aqui. São pacientes que, na maioria das vezes, não tem muita opção, então é incrível poder dar a eles o que precisam”.
A entidade, que realiza cerca de 9 mil atendimentos mensais para tratamento do câncer em Salvador, nasceu a partir de um galinheiro - local onde, em 1949, Irmã Dulce pediu a sua superiora para abrigar 70 enfermos, um espaço que agora é considerado o marco zero da filantrópica -, hoje atende 10,8 mil pessoas com deficiência por mês na capital baiana.
Na Bahia, anualmente, a instituição realiza 3,5 milhões de procedimentos ambulatoriais, 23 mil cirurgias, 43 mil internamentos, acolhe 2,9 milhões de pessoas e serve 2,1 milhões de refeições para os pacientes. No total, os serviços da OSID estão distribuídos em 21 núcleos diferentes.
Porém, a crise financeira oriunda do repasse do dinheiro do SUS, que não é reajustado há cinco anos, se agravou na pandemia. As campanhas de doação para o hospital visam não só a compra de insumos e equipamentos, mas também de material de construção para ampliar os núcleos de atendimento, já que a OSID tem sofrido com a demanda reprimida por falta de espaço.
A campanha atual, a Um Milhão de Amigos Para Santa Dulce, tem tido o apoio de muitos artista, inclusive do influencer Ivan Mesquita e do sanfoneiro Jó Miranda, que na próxima terça-feira, 14, realizam o 1º Arraiá da Dulce, live junina que será transmitida no Instagram @ivanmesquita1 e além de música, irá mostrar como as pessoas podem ajudar a Osid com doações.Em fevereiro deste ano a instituição solicitou ao MS um aporte financeiro urgente para amenizar a atual situação, mas não obteve qualquer resposta.
A reportagem do A TARDE questionou o órgão sobre isso, mas não obteve resposta. “O último aporte concedido pelo Ministério da Saúde (MS) para compensar o desequilíbrio causado pela falta de correção inflacionária no nosso contrato SUS ocorreu há cinco anos. Com a inflação hospitalar, normalmente muito mais alta que a oficial, terrivelmente agravada com a pandemia, chegamos a essa que é a maior crise vivida pela Osid em toda a sua história, e que ameaça a continuidade de sua operação. Nos hospitais do Estado, geridos pela Osid no modelo de OS (Organização Social), não temos déficit uma vez que há reajuste previsto em contrato”, explica o assessor corporativo da Osid, Sérgio Guilherme Santos Lopes.
Por meio de nota, MS informou que repassa, mensalmente, recursos financeiros para as secretarias estaduais e municipais de saúde do Brasil, para o custeio de serviços hospitalares de média e alta complexidade, o que inclui os hospitais sem fins lucrativos: em 2021 foram repassados R$67,7 bilhões, e entre janeiro e abril de 2022, R$18,6 bilhões. No entanto, o MS reforçou em nota que “a gestão e financiamento do SUS, conforme determina a Constituição Federal, é tripartite, ou seja, compartilhada entre União, estados e municípios”.
A equipe de reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que salientou que a Osid fornece “um serviço de extrema importância para os baianos”, mas que a filantrópica é gerida 100% pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).
A Sesab, por sua vez, informou que não caberia ao estado responder sobre o assunto, pois a tabela do SUS e o fluxo de repasse do dinheiro são definidas pelo MS.Para o pescador autônomo, Agnaldo Purificação Viana, de 56 anos, que atualmente está no processo de marcar uma cirurgia de remoção de hérnia, apenas uma coisa é certa: a Osid não pode fechar. “A Bahia toda vai perder muito se as Obras Sociais fecharem. Sou atendido aqui há oito anos, assim como minha esposa e filha. Agora também tenho doado sangue, inclusive. Não apenas o atendimento aqui é excelente, como a equipe nos trata super bem, do faxineiro ao médico, todos muito acolhedores”, salienta o pescador.
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