SALVADOR
"Desmonte não deu horizonte ao projeto", diz ex-reitor da Ufba e UFSB em entrevista exclusiva
Por Yuri Silva

Após renunciar ao cargo de reitor pro tempore da Universidade Federal do Sul da Bahia, alegando "perseguição política", o ex-reitor da Ufba Naomar de Almeida Filho, que não era ligado em rede social, já tem 90 mil acessos no Facebook. Nesta entrevista, ele esclarece o assunto e comenta sobre conjuntura política e educação no Brasil.
Sua carta de renúncia fala em desmonte das universidades. O senhor credita essa política a quê?
O principal ponto foi a suspensão dos concursos, em 2015. Começamos em 2014, e os concursos foram suspensos em 2015. Só conseguimos reativar agora. Esse intervalo teve um impacto muito ruim na instituição, porque as pessoas que chegaram na primeira leva começaram a se mobilizar para não continuarmos a expansão. Em uma universidade estabelecida, uma suspensão de concurso pode implicar só uma acomodação. No caso de uma instituição sendo implantada, não, porque a cada ano você tem novos alunos. Isso produziu uma tensão interna muito séria. Outro ponto foram os cortes e contingenciamentos, em 2015, 2016 e 2017. Minha avaliação é que o cenário externo fomentou um cenário interno de muita inquietação e insegurança. O projeto da universidade é uma espécie de radicalização dos bacharelados interdisciplinares, ampliando para licenciaturas e territorializando, criando colégios universitários. Esse modelo exige muito do corpo docente, exige uma reestruturação da matriz mental. A gente precisaria ter um aporte que desse mais tranquilidade. O desmonte não deu horizonte ao projeto. E isso produziu uma oposição interna à implantação do modelo previsto, com mais integração social, inclusão de segmentos excluídos, tipo indígenas, assentados, grupos de menor poder aquisitivo. A gente precisaria de muita união na equipe. Fui verificando que não tinha essa coesão. Considerando que fizemos o máximo em quatro anos, considerei a missão cumprida.
Na carta, o senhor fala de perseguição política, oposição raivosa, dirigentes em busca de projetos individuais, manifestações de ódio... Referia-se a quê?
Eu acho que todos os indícios são de um recuo a modelos mais convencionais, porque uma parte do professorado, pequena, mas significativa, começou a tomar iniciativas para que a universidade abandonasse o modelo inovador e voltasse ao que estavam acostumados. O conceito de bacharelado interdisciplinar (BI) é uma formação geral, compartilhada por todos os alunos. E essa formação geral não significa a entrada direta nos cursos de segundo ciclo. Quem entra no BI de Ciências não entra numa engenharia, mas pode fazer a opção. Quem entra no BI de Humanidades pode fazer a opção pelo curso de direito; ou quem entra no BI de Saúde pode fazer opção por medicina. Mas essa opção não é indiscriminada, não é irrestrita. Daí que a gota d'água foi a proposta de que todos os alunos que entraram no BI de Saúde passassem para medicina. Como a gente só tem 80 vagas autorizadas, não era possível, e aí [veio] a proposta de escalonar. Ela é uma proposta de pouca responsabilidade, porque, na prática, suspende a entrada de alunos no BI de Saúde. E, se esse processo se apresenta como possibilidade, os outros cursos vão buscar a mesma coisa. Então, o modelo não tem sentido. Eu também denuncio o lançamento de um processo eleitoral para durar menos de um mês, com inscrições de chapa terminando na semana que vem. Um terceiro ponto é que, no modelo que implantamos, a sociedade participa da gestão. Esse modelo também é rejeitado. Está previsto no nosso estatuto que o conselho social participa da escolha de dirigentes. Não é possível se fazer um processo político só interno, pois a UFSB não pertence somente a professores, servidores e alunos. A sociedade tem que participar.
Considerei a missão cumprida
O senhor defendia o voto dessas representações?
No limite, sim, porque sempre defendo como problema da universidade brasileira ela estar isolada da sociedade.
Quem são essas pessoas que o senhor aponta?
São três grupos políticos nesse processo. Um conjunto de docentes que participou da gestão, mas, como não convergiu e começou a atuar contra, não continuou. Há também outras pessoas que vieram para a instituição sabendo o que era o projeto da universidade e começaram a agir contra. E tem, ainda, um terceiro grupo, que veio de dentro da gestão e, por uma série de relações familiares e de origem, fecha uma posição gerencial, que é atender os insatisfeitos. Daí vem a ideia de que é um ato conspiratório. Se alguém dentro da gestão trabalha contra esse projeto, trata-se então de um ato conspiratório. Ainda mais oculto e disfarçado por propostas que qualquer avaliação mostra que vão inviabilizar o projeto. Eu não indico pessoas. As pessoas que se indicam e, nesse caso, assumem responsabilidades. Uma é responsabilidade política, porque a universidade pública brasileira está sob ameaça e não é possível que dirigentes estejam desunidos, pois isso enfraquece a instituição.
O senhor se tornou minoria?
Seguramente, entre os professores. Mas nesse momento conseguimos a autorização para concurso, com pelos menos 57 vagas. E esse concurso se completa até dezembro. Então, o único motivo para o processo eleitoral ser acelerado é evitar que essa correlação de perfil seja alterada. Porque aí teríamos mais 60 em um corpo docente de 160. Logo o perfil vai mudar. Se a sociedade entra no processo, essa correlação de forças se modifica.
O senhor foi reitor da Ufba nas gestões Lula e indicado para a UFSB por Dilma. Esses grupos que critica são ligados ao atual governo?
Acho que são grupos que não têm consciência sobre a necessidade de união das esquerdas no Brasil. Estão no processo por interesses diversos. Não vejo relação desses grupos que eu denuncio como proponentes de um retrocesso na universidade com o atual governo. Mas, como você disse, coincide. São movimentos reacionários, mesmo que não reacionários do que chamaríamos tradicionalmente de direita. Podemos dizer que, nesse caso, uma certa direita se encontra com uma certa esquerda.
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