ESPECIAL
Dia de Luta da Pessoa com Deficiência: O que ainda precisa ser feito?
Especialistas apontam necessidade de efetivação de políticas de incentivo à independência de PcDs
Nesta quinta-feira, 21 de setembro, é comemorado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, que foi instituída pela Lei nº 11.333, de 2005, para relembrar a importância de políticas públicas e efetivação de legislações que promovam a inclusão e integração de pessoas com deficiência na sociedade.
Apesar dos inúmeros avanços na construção de medidas que defendam a cidadania e direitos às pessoas com deficiência, e da criação de legislações para garantia dessas iniciativas, como a Constituinte de 1988 e a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, a efetividade ainda é uma barreira entre os integrantes do grupo. O cenário é apontado pelo o filósofo baiano e consultor de diversidade, equidade e inclusão, Marcelo Zig, 49.
“Nós temos um país com leis importantes para a pessoa com deficiência, na relação com os demais do planeta. Porém, é um país que não consegue efetivar [a legislação] e tirar do papel esses direitos, que garantem a nossa inclusão nos espaços e nas relações sociais”.
Cenário
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o Brasil registrou 18,6 milhões de pessoas com dificuldades em domínios funcionais, em áreas como a visão, audição, locomoção, função dos membros, cognição e comunicação. Na Bahia, 10,4% da população possuia algum tipo de deficiência no ano passado.
Zig, enquanto pessoa com deficiência, conta que as barreiras aos PcDs começam ainda dentro de sua casa, diante de desafios arquitetônicos, comunicacionais e atitudinais. Quando as pessoas vão às ruas, tais dificuldades ficam mais evidentes e excludentes. Ele lembra que precisa se desdobrar para conseguir utilizar os espaços públicos que tem direito.
“Todos os recursos da cidade negam a experiência da pessoa com deficiência. Eu, por exemplo, sou uma pessoa que utilizo cadeira de rodas e não consigo transitar nas calçadas públicas, ao sair de casa. Preciso utilizar as vias públicas disputando espaço com carros, ônibus, caminhões, motos e todo tipo de veículo, me colocando em risco iminente de acidente. Quando vou acessar o transporte público, os equipamentos não têm manutenção, os profissionais não têm capacitação para poder se relacionar com as pessoas com deficiência. Além disso, os transeuntes da cidade não entendem o porquê de uma pessoa com deficiência estar na rua, não conseguem compreender que ela pode estar se deslocando para um trabalho, para um momento de lazer, para uma consulta médica, para qualquer outra atividade comum aos demais membros da sociedade”, relata o ativista.
Data
Para o presidente da Comissão de Direito de Pessoas com Deficiência da OAB-BA, Matheus Martins, que também é uma pessoa com deficiência, a data nacional relembra que a sociedade precisa acompanhar as diversidades e pôr em prática as políticas necessárias para atender o público.
“A terminologia 'luta' foi aplicada propositalmente, porque se considera que esses direitos ainda precisam ser conquistados. Na prática, por mais que estejam [os direitos] escritos e positivados, eles não acontecem, não há avanços que são necessários para a sociedade. Estamos tendo aumento significativo de patologias ou categorias de deficiência. Estamos vendo maior diagnóstico de crianças com autismo e entre outras [condições]”, explica o advogado.
Com o objetivo de gerar conscientização e incentivar a aplicação de ações que promovam os direitos das pessoas com deficiência, em 1992, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o dia 3 de dezembro como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Mais de 2,5 bilhões de pessoas precisam de um ou mais produtos assistivos, como cadeiras de rodas, aparelhos auditivos ou aplicativos que apoiem a comunicação e a cognição, conforme relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e UNICEF, no último ano.
O relatório observa ainda que até 3,5 bilhões de pessoas precisarão de um ou mais produtos de apoio até 2050.
“O 21 de setembro, que é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, assim como o 3 de dezembro, que é o Dia Internacional da da Pessoa com Deficiência, são datas importantes porque traz a referência do movimento político nacional das pessoas com deficiência e da existência de movimentos políticos de PcDs em outras localidades do planeta. A movimentação que essas pessoas vêm realizando ao longo da história da humanidade, no sentido de promover e defender a sua participação social, reflete a representatividade”, acrescenta Marcelo Zig.
Ainda segundo o ativista, para além de uma data, de um mês que traga a importância de se lutar por essas conquistas de direitos e inclusão, é necessário trazer a importância de celebrar a própria pessoa com deficiência.
“Cabe também a gente fomentar a construção de um momento, de um dia ou de um mês do orgulho da pessoa com deficiência, onde a gente possa apresentar os nossos corpos e a relação que temos com ele dentro de uma perspectiva de orgulho, de afeto, de amor e de respeito próprio e com as outras pessoa”, continua o filósofo.
Desafios atuais e futuros
No atual cenário social, o filósofo Marcelo Zig e o advogado Matheus Martins garantem uma coisa: é preciso mudar a forma como as pessoa com deficiência são tratadas na sociedade, combatendo o capacitismo - crenças limitantes referentes às pessoas com deficiência. Para além disso, é necessário naturalizar e entender que as PcDs devem pertencer a todos os espaços públicos ou privados, compartilhando dos mesmos direitos das pessoas sem deficiência.
“As escolas deveriam ser para todos os alunos, os shoppings deveriam ser para todos os clientes. E nem sempre é assim. A gente vai e não se sente acolhido, não se sente respeitado. Não há acessibilidade mínima para poder assistir ou fazer qualquer outra coisa. Para o poder público, fica o dever de efetivar esses direitos que já estão previstos na Constituição”, diz Matheus Martins.
“De forma paralela, é preciso quebrar as barreiras do preconceito, da estigma, do olhar social de que uma pessoa com deficiência não teria a mesma capacidade de desenvolver determinados atos. A gente ainda precisa se provar o tempo inteiro nesse sentido para que a gente tenha acesso aos lugares, e a ter voz e vez”, acrescenta o advogado.
Zig acredita que a garantia da efetivação das leis está em duas situações específicas: a disseminação de informações no âmbito educacional e a mudança de relacionamento com as pessoas com deficiência.
“É preciso confrontar a maneira como alguém se relaciona com a presença de uma pessoa com deficiência [no espaço], em especial na forma que as pessoas sem deficiência normatizam, naturalizam a ausência da PcD nos espaços. Por exemplo, quando um espaço tem minimamente alguma acessibilidade, as pessoas sem deficiência atitudinal, a exemplo da ocupação de vagas reservadas nos estacionamentos, com a justificativa de que está ‘ocupada por cinco minutinhos’", conta o filósofo.
Para o advogado Matheus Martins, o maior desafio da sociedade é aprender com a diversidade através da convivência social.
“Quando falamos de pessoas com deficiência, a gente tem ideia de proteção. E a proteção nem sempre é no sentido de autonomia. Nós precisamos de emancipação. Para ser uma pessoa, você precisa de responsabilidade, de deveres. Então, a legislação da pessoa com deficiência precisa ter esse olhar de oportunização. E oportunizar é se lançar na vida, com tentativas e erros”, conclui.
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