ABANDONADA
Em crise, região da Baixa dos Sapateiros pede socorro
Falta de linhas de ônibus e conservação contribui para o esvaziamento da região, que já teve comércio ativo em tempos áureos
Por Jade Santana*

Cada vez mais afastada das grandes atividades e com perda de referência para serviços essenciais da população, bem como outras demandas, a Baixa dos Sapateiros deixou de ser o agitado centro de compras que já foi um dia. Apesar dos investimentos em revitalização, o local ainda sofre com a falta de conservação e linhas de ônibus, que colaboram para enterrar de vez o que já foi um dos maiores shopping centers a céu aberto na cidade de Salvador.
Apesar das dificuldades, comerciantes que resistem na área estão esperançosos com o leve aumento de vendas notado na época precedente às festas juninas, e especulam uma retomada financeira após o período pandêmico.
Localizada no centro histórico da capital baiana, separando os bairros de Nazaré e Saúde do Pelourinho e Santo Antônio, na época áurea a Baixinha, como muitos ainda a tratam, ou avenida J. J. Seabra, fervilhava entre um comércio intenso e três das principais salas de cinema da cidade: os cines Jandaia, Tupy e Pax.
Se no auge da relevância para o comércio de Salvador a Baixa dos Sapateiros era roteiro obrigatório para trabalhadores do cais do porto no Comércio, que se locomoviam pela cidade nos primeiros trilhos dos bondes da Linha Circular de Carris da Bahia, instalados pelo engenheiro Ramos de Queiroz, atualmente a falta de acessibilidade por meio dos transportes públicos na região é apontada como a principal causadora da diminuição de circulação no centro comercial.
Segundo a Secretaria de Mobilidade de Salvador (Semob), em 2015 a região era atendida por 38 linhas. Atualmente, 11 linhas fazem o atendimento na Baixa dos Sapateiros, realizando 592 viagens diárias em intervalos que variam de 10 a 40 minutos, e com ônibus para três dos principais terminais da cidade: Acesso Norte, Lapa e Pirajá.
“Todas as demais regiões da cidade são plenamente atendidas através da integração com o metrô nestes terminais, de onde saem linhas em direção à Barroquinha. Não é possível manter a mesma realidade de linhas de ônibus que existia antes do metrô, uma vez que todo o deslocamento pode ser feito através da integração”, diz a secretaria, via nota.
Frequentadora assídua da Baixa dos Sapateiros desde o final da década de 1960, Rita do Carmo lamenta as condições atuais da região.
“O comércio era muito ativo, fico muito triste vendo como a Baixa dos Sapateiros está abandonada hoje em dia. Lá está um deserto, vejo que a maioria das lojas que existiam está fechada, as que ainda estão resistindo dependem de clientes fiéis que ainda vão lá”, diz.
Os primeiros trilhos do bonde na cidade, pensados para facilitar a vida dos trabalhadores do cais do porto no Comércio, que subiam a Balança do Taboão e se dirigiam do local ao Bonfim, foram uma estratégia de mobilidade que hoje já não se mantém prática com a evolução da cidade, tendo em vista que a Baixa dos Sapateiros está cada vez mais afastada das grandes atividades, apesar de integrar o Centro de Salvador.
“O soteropolitano conseguiu encontrar atratividade comercial na região da Piedade e adjacências, então a população abandona uma outra área tradicional onde consumia com mais frequência pela questão da mobilidade”, analisa o arquiteto e urbanista Armando Branco. Para o professor de planejamento urbano, foi após a inauguração do metrô da cidade, em 2014, que deu acesso maior a outras partes da cidade de maneira rápida e mais confortável, que o movimento na Baixa dos Sapateiros minguou.
O urbanista justifica que o investimento da gestão municipal na expansão de Salvador para outras áreas da cidade, incluindo o próprio Centro, que hoje têm melhor acesso via transportes públicos do que a área mais antiga, explica a descentralização da Baixa dos Sapateiros como uma referência para serviços essenciais à população soteropolitana.
Assim, o fortalecimento de outros centros de comércio popular, como a avenida Sete de Setembro, que atraem grande parte da população da cidade, também foi um fator importante para a queda de prestígio da área. O professor ainda aponta que a redução das frotas de ônibus que passam pela região enfraqueceu de vez o comércio no local. O arquiteto, porém, faz questão de destacar que desde os anos 1980, quando o local teve o ápice de influência no âmbito comercial, a prefeitura não deixou de investir em modernização.
A equipe de A TARDE manteve contato com empresários do local para falar sobre as condições atuais da Baixa dos Sapateiros, mas encontrou resistência de grande parte dos proprietários de lojas da região. Os lojistas não quiseram falar, sob o argumento de que ao reclamarem da atual situação, poderiam piorar ainda mais o movimento.
O proprietário de uma loja de vestuário disse não poder falar do esvaziamento da região. “Não posso falar sobre isso. Se sou comerciante daqui, como vou falar? Vou estar jogando pedra na cruz, se falar disso, o esvaziamento vai ficar pior”.
Dentre os comerciantes, Cristiano da Silva, dono de uma loja e há 13 anos na Baixa dos Sapateiros, aceitou falar.
“As pessoas não vêm mais. Com a pandemia o movimento diminuiu bastante, mas muitas lojas já haviam fechado antes desse período, diria que isso ficou mais grave a partir de 2016, quando ficou mais difícil encontrar transporte público aqui. Com esse esquecimento da Baixa já pensei diversas vezes em trocar a minha loja de lugar, mas nunca tive condições de fazer isso", afirma Cristiano.
Associação
Já para a presidenta da Associação dos Lojistas da Baixa dos Sapateiros (Albasa), o esquecimento do local é “falácia”. Maricélia Oliveira confirma que a retirada de algumas linhas de ônibus influenciou na diminuição do fluxo de pessoas, porém faz questão de deixar claro que o problema não é restrito à região, mas ao comércio em geral.
“A Albasa está se reunindo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda (Semdec) com o objetivo de realizar um estudo de viabilidade econômica para a região. O próximo passo será a realização de um workshop, que visa discutir urbanística e economicamente a região para a retomada do comércio. Além disso, a mais recente novidade inaugurada no local é o Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) do Empreendedor”, cita ela.
Para a secretária de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda, Mila Correia Gonçalves Paes Scarton, “há muitos anos o local vem mudando as características e há muito tempo a prefeitura tem feito grandes investimentos e projetos para a região. O poder público não consegue resolver esse problema sozinho porque o que a prefeitura pode fazer ela já tem feito, e muito. Junto com os comerciantes podemos ampliar e alavancar a economia da região”.
Prossegue a gestora municipal: “Na secretaria, vemos que a Baixa dos Sapateiros deixou de ser, em algum momento, o polo de atração de consumidores que era antes porque o tipo de comércio, assim como o tipo de produto vendido no local, começou a ser replicado dentro dos bairros da cidade. A secretaria tem olhado para esta região e buscado pensar e desenvolver ações, como o SAC”, exemplifica a secretária Mila Sacarton.
*Sob a supervisão do jornalista Luiz Lasserre
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