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CRIME DIGITAL

Exclusivo: esquema de golpes em investimentos faz vítimas na BA e SP

Após denúncia, Portal A TARDE descobriu elaborado esquema e falou com criminosos por trás dos golpes

Por Gabriel Gonçalves

01/05/2024 - 6:00 h
No golpe, criminosos prometiam rendimento de 87% em 4h, em suposto investimento em criptomoedas.
No golpe, criminosos prometiam rendimento de 87% em 4h, em suposto investimento em criptomoedas. -

“Fiquei desnorteada e, ao mesmo tempo, me culpando”, lamenta Marta*, dias depois de ter perdido mais de R$ 10 mil em um golpe na internet no qual foi convencida a investir em criptomoedas. De acordo com a vítima, que é administradora e mora na Bahia, todo o caso ocorreu durante o fim de semana de 16 e 17 de março.

“Vi uma postagem no perfil de rede social de uma conhecida sobre uma corretora que seria confiável e que prometia um bom rendimento - 87% em 4h. Eu gostei, e essa amiga disse que já tinha um bom tempo com a corretora”, conta Marta.

A administradora conta então que, no sábado, entrou em contato com a suposta corretora que se apresentava como Erica Guedes, cujo perfil no Instagram tinha 38,5 mil seguidores, e fez um investimento de R$ 500. A promessa de Erica era de que, em 4h, Marta receberia o valor aportado (R$ 500) somado ao rendimento de 87% (R$ 435), o que totalizaria R$ 935. Foi aí que os problemas da administradora começaram.

“No domingo, pedi a retirada dos valores, e Erica falou que o suporte iria entrar em contato para fazer o procedimento. Posteriormente, um rapaz entrou em contato comigo, e ele já sabia das duas contas bancárias que eu tinha e sabia do valor que eu tinha em uma delas. Ele pediu para eu zerar a conta na qual tinha R$ 10 mil, porque essa seria a conta que receberia todo o valor do investimento e, para funcionar, teria que estar zerada. Esse homem disse também que esse valor seria estornado na mesma conta. Ele então me passou uma chave pix, mandou fazer o teste e eu depositei R$ 10 mil, mas eles nunca estornaram nada e nem depositaram os valores investidos”, explica Marta.

Ela conta então que voltou a falar com Erica Guedes. “Ela disse que estava dando erro no sistema, que eu teria que pagar uma taxa de R$ 2,9 mil para o suporte conseguir fazer a liberação do meu dinheiro investido, mas que esse valor da taxa seria estornado. Foi aí que eu percebi que tinha caído em um golpe”, diz.

Ainda segundo a administradora, na segunda-feira, 18, ela fez a denúncia na Polícia Civil, através da delegacia virtual. O Portal A TARDE entrou em contato com a corporação que, através de nota, informou que “as investigações seguem em curso e que detalhes não estão sendo divulgados para não atrapalhar a conclusão do inquérito”.

Enquanto não tem o problema resolvido, Marta declara que está abatida pelo o que está vivenciando. Segundo ela, a quantia de R$ 10 mil que ela tinha na conta era para ajudar na compra de um terreno para os filhos.

“Hoje sigo perdida em meio a tanta confusão. Medo por não saber o que vai acontecer, se vão conseguir fazer o estorno do valor. Eu também dei entrada com um advogado, para ver se consigo agilizar minha situação”, conclui.

Marta não foi a única vítima da pessoa que se apresentava como Erica Guedes. Uma jovem do estado de São Paulo, que também perdeu dinheiro no mesmo golpe, conversou com o Portal A Tarde. Letícia* conta que ficou desesperada quando percebeu que havia sido enganada e que tinha perdido R$ 1 mil.

“Estou há noites sem dormir e pensando em como vou me recuperar disso financeiramente e mentalmente”, lamenta.

O modus operandi foi similar ao ocorrido com Marta. Ela viu uma postagem de Erica Guedes no Instagram de um conhecido, essa pessoa atestou que era seguro e ela fez o investimento.

“Entrei em contato com essa Erica, que me deu suporte até o momento em que fiz o depósito via pix, dizendo que o banco entraria em contato para que fossem respondidas algumas questões e que, logo em seguida, faria a liberação de meu dinheiro. Momentos depois, me ligaram de outro número e fizeram um monte de pergunta sem sentido”, relata Letícia, que acrescenta que os problemas começaram naquele momento.

“Deu o limite máximo de 4h, mandei mensagem para Erica e já não tive mais retorno. Liguei para ela, e ela me bloqueou. Mandei mensagem para meu conhecido, dizendo que ela não tinha me respondido, perguntando se ela fazia isso mesmo, e ele visualizou e não respondeu. Mandei outra mensagem no outro dia, dizendo que tinha caído em um golpe, que Erica tinha me bloqueado e que eu ia fazer um boletim de ocorrência, e ele também me bloqueou”, conta.

A partir daquele momento, a jovem conta que entrou em desespero, porque o valor que ela perdeu era o que ela tinha reservado para pagar a faculdade naquele mesmo dia.

“Resolvi investir porque o dinheiro voltaria no mesmo dia. Sem o pagamento da faculdade, eu perco o desconto de minha bolsa e terei que pagar a mensalidade inteira. Com o resto do dinheiro, iria pagar meu cartão de crédito”, explica. Ela acrescentou que não registrou boletim de ocorrência, porque não acredita que as autoridades conseguirão resolver o caso dela.

*Nomes fictícios para preservar as identidades das vítimas

Esquema criminoso elaborado

O Portal A TARDE investigou as denúncias de Marta e Letícia e descobriu um esquema elaborado para extrair o máximo de dinheiro das vítimas. Todo o golpe girava em torno do perfil no Instagram da pessoa que se apresentava como Erica Guedes (@erica_guedes.invest).

No perfil com 38,5 mil seguidores e dezenas de postagens de eventos com a família, viagens de luxo e outras situações, Erica Guedes se apresentava como gestora financeira credenciada à Binance, uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo. Ela também dizia possuir os credenciamentos CPA 10 e CPA 20 - emitidos pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Erica Guedes ainda divulgava no perfil um link que levava ao site da suposta empresa que ela representava: a Invest Assessoria.

O golpe funcionava da seguinte maneira: após “fisgar” o cliente, ela conversava com ele pelo WhatsApp, explicando como funcionaria o procedimento. Ela dizia que o investimento mínimo teria que ser de R$ 500, com 87% de rentabilidade, sem a necessidade de pagamento de quaisquer taxas. Após a explicação, Erica pergunta se a pessoa gostaria de iniciar a operação e, com a resposta positiva, ela então passava chaves pix para que o cliente fizesse a transferência do valor a ser investido.

Passadas as quatro horas, no entanto, quando o cliente solicitava a retirada dos valores, ela inventava procedimentos para que ele transferisse mais uma quantia ou cobrava taxas para devolver os valores investidos, na tentativa de extorquir ainda mais dinheiro das vítimas.

Através dos dados dos comprovantes de PIX que as vítimas cederam, Portal A TARDE iniciou investigação.
Através dos dados dos comprovantes de PIX que as vítimas cederam, Portal A TARDE iniciou investigação. | Foto: Montagem/A Tarde

O Portal A TARDE teve acesso a três comprovantes de transferências por pix feitas pelas vítimas. Das três chaves, para as quais as vítimas fizeram as transferências, duas eram números de CNPJ e o outro era um número de CPF. Com esses dados, o Portal A TARDE iniciou uma investigação que constatou que:

- Os dois CNPJ eram de Microempreendedores Individuais (MEI), um no Ceará e outro em São Paulo, cuja atividade econômica principal estava listada pelo código e descrição “56.11-2-01 - restaurantes e similares”.

- Através do CPF enviado como chave de pix, foi descoberto um terceiro CNPJ ligado ao dono do CPF. O documento, também de um MEI do Ceará, tinha como atividade econômica principal o código e descrição “96.02-5-01 - Cabeleireiros, manicure e pedicure”.

- Das três pessoas cujas chaves pix receberam os valores transferidos pelas vítimas, ao menos duas eram réus na Justiça: uma, no Ceará, por roubo; e a outra em São Paulo, pela contravenção de exploração de jogo de azar.

Portal A TARDE descobriu que pessoas que receberam pix das vítimas eram cadastradas como MEI em São Paulo e no Ceará.
Portal A TARDE descobriu que pessoas que receberam pix das vítimas eram cadastradas como MEI em São Paulo e no Ceará. | Foto: Montagem/A Tarde

Além disso, o Portal A TARDE entrou em contato com o analista de investimentos Mauricio Ribeiro de Araujo, que possui mais de 20 anos de experiência. Com o uso de ferramentas online, ele verificou que o site divulgado no perfil do Instagram de Erica Guedes estava hospedado na Europa, com os dados bloqueados por sigilo. Ele constatou ainda que a base de dados do site estava em uma empresa brasileira de serviços de hospedagem de sites.

A reportagem também realizou um pente-fino no perfil do Instagram de Erica Guedes que, após concluído, levantou suspeitas de que, na verdade, o perfil havia sido hackeado de outra pessoa. Os criminosos, para ostentar uma aparência de perfil verdadeiro, mantiveram as dezenas de postagens da vítima que teve o perfil da rede social roubado. Havia diversas fotos dela em família, com a filha, cônjuge, parentes e amigos, além de muitos comentários nos posts, dando a sensação de que Erica Guedes realmente existia.

Pessoa que se passava por Erica Guedes hackeou perfil de uma mulher, para manter aparência de que a conta era legítima.
Pessoa que se passava por Erica Guedes hackeou perfil de uma mulher, para manter aparência de que a conta era legítima. | Foto: (Foto: Reprodução/Instagram)

Algumas características, no entanto, apontaram para a suspeita de perfil fake: a última postagem no feed havia sido feita em janeiro deste ano, e as atualizações só eram realizadas através do stories. Além disso, o Portal A TARDE buscou postagens mais antigas do perfil, e posts de outras pessoas que haviam marcado o perfil de Erica Guedes, e constatou que eles se referiam à dona do perfil - a que teve o perfil hackeado - com outro nome, que não era Erica.

Com isso, alguns amigos que comentaram nas postagens mais antigas foram contatados pelo Portal A TARDE, e um deles respondeu, confirmando que, realmente, aquele perfil havia sido hackeado. Foi tentada uma entrevista com a verdadeira dona do perfil, que foi vítima do hackeamento, no entanto, ela não respondeu às tentativas de contato.

De posse de todas essas informações, no dia 1º de abril, chegou o momento de entrar em contato com Erica Guedes. Inicialmente, foi tentada uma conversa por telefone, entretanto, as ligações caíam sempre na caixa de mensagens. Pelo WhatsApp, porém, ela respondeu.

A princípio, a produção se passou por cliente e fez perguntas tirando dúvidas sobre o procedimento do investimento em criptomoedas. Após os cumprimentos iniciais, ela apresentou seus serviços:

Pelo Whatsapp, Erica dá as informações sobre o suposto investimento.
Pelo Whatsapp, Erica dá as informações sobre o suposto investimento. | Foto: Montagem/A Tarde

“Trabalhamos com investimentos em criptomoedas tais como Bitcoin, Ethereum, Binance coin, Cardano, Tether, Solana, XRP, Polkadot e USD. Nosso investimento é ilimitado, podendo investir uma vez a cada 31 dias e com prazo de pagamento em quatro horas”.

Após ser perguntada sobre de quanto seria o lucro do investimento em criptomoedas, Erica Guedes respondeu: “Os valores são a partir de R$ 500,00, lembrando que esse investimento tem rentabilidade de 87% do valor investido, e ele só pode ser feito uma vez a cada 31 dias. Então, o quanto maior for seu investimento, maior será seu lucro”.

Em seguida, ela enviou uma imagem que exibia um gráfico com o título “Painel de Operações (Ao Vivo), mostrando uma suposta variação de valorização de criptomoedas. No topo da imagem, estavam as informações: “Investimento: R$ 1.000,00”, “Rendimento no período (R$): 872,12”, “Rendimento + Valor Investido (R$): 1.872,12”.

Em seguida, a produção do Portal A TARDE, ainda se passando por cliente, perguntou qual seria o valor da taxa que teria que pagar a ela pelo investimento. Erica Guedes respondeu que não havia taxas.

“O seu valor investido gera um percentual maior para nossa equipe, por isso garantimos um lucro fixo ao cliente de 87%. O restante seria nossas taxas administrativas”, respondeu, acrescentando que o lucro líquido do investimento, já descontadas as taxas administrativas, seriam os R$ 1.872,12 mostrados na imagem enviada anteriormente.

Logo depois, Erica Guedes perguntou se poderia iniciar a operação, momento no qual a produção se identificou, relatou as denúncias recebidas contra ela e perguntou se ela gostaria de dar a versão dela dos acontecimentos.

Inicialmente, Erica Guedes se mostrou surpresa e disse que gostaria de realizar uma chamada de vídeo para esclarecer as denúncias. Foi na conversa por videochamada, no entanto, que ela abandonou o disfarce.

Produção se identifica a Erica que, a princípio, se mostra surpresa e diz que gostaria de dar a versão dela dos fatos.
Produção se identifica a Erica que, a princípio, se mostra surpresa e diz que gostaria de dar a versão dela dos fatos. | Foto: Montagem/A Tarde

Na videoconferência, ela não apareceu, a imagem exibida era a de uma parede vermelha. Após ser perguntada sobre isso, ela respondeu, questionando: “Por que você quer me enxergar?”. Além da recusa em mostrar o rosto, imediatamente a produção do Portal A TARDE reconheceu que a voz que ela usava na chamada era a voz feminina do Google e, ao ser questionada sobre o fato, ela confirmou.

Posteriormente, ao ser interpelada sobre as denúncias do esquema de golpe e cobrança das taxas para liberar os investimentos feitos, Erica Guedes saiu da personagem e respondeu: “Sem taxa, sem liberação”. A produção do Portal insistiu e perguntou se ela não gostaria de apresentar a versão dela, e a resposta foi insultar com palavrões o profissional que falava com ela. Em seguida, a videochamada foi encerrada. [assista vídeo abaixo]

Um dia depois de ser confrontada pelo Portal A TARDE, o perfil falso de Erica Guedes no Instagram foi desativado.

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Tags:

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