SALVADOR
Feira do Rolo faz jus ao nome que a consagrou
Por Lília de Souza, do A TARDE
Uma feira de Salvador onde tudo pode ser vendido ou comprado. A procedência das mercadorias? É o que menos importa. É a Feira do Rolo, ou do Pau, na Baixa do Fiscal, visitada no último domingo por A TARDE. No local, convivem os tipos mais pitorescos, malandros, biscateiros, a maioria de desempregados.
Mercadorias diversificadas compõem o catálogo da Feira do Rolo: latrinas, passarinhos, telefones celulares, aparelhos eletroeletrônicos, bicicletas, motos, tênis importado, tudo quanto é tipo de ferramentas e peças, camisinhas adquiridas em postos de saúde, caneca com inusitada escultura de pênis, revistas de mulher pelada, fitas cassetes das antigas. Lá vão alguns títulos: Companhia do Pagode, Moisés Barbosa – É o amor, Só de Onda – Casa do Pagode... enfim, as mais inimagináveis quinquilharias.
Você pode encontrar na mesma esquina desde um “vovô” que, para levantar a moral, corre atrás do Pramil (remédio paraguaio para impotência que tem venda proibida no Brasil pelo Ministério da Saúde), ao estudante de direito em busca do livro do Código do Processo Penal.
É verdade que o famoso 171 – no Código Penal este artigo se refere ao ato de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio” – é o que movimenta a feira, a razão de sua existência por excelência, reza a tradição. Márcio Santos, 29 anos, pedreiro, todo domingo está com o seu carrinho de mão cheio de livros velhos de direito. Ao seu lado, gaiolas com pombos e galinha. No chão, fios, tubos, microfones, descarga. E, é claro, com o sol a pino, uma cervejinha aberta, bem gelada, complementa o cenário. “É pra refrescar”, comenta com sorriso largo. “Vendo de tudo, aqui é uma feira e mais alguma coisa”, traduz. “Agora, os livros, os homem (os policiais) quando chega não leva porque é conhecimento”.
Preço camarada – Tem vendedor que fica de cima para baixo com a mercadoria em mãos, até achar o comprador. Sérgio Oliveira Souza, 40, vigilante, há mais de 20 anos assíduo freqüentador da feira, garantiu que estava vendendo dois tênis, dele e do filho, um Rainha e um Reebok, a preço camarada. “Na loja, você vai comprar por R$ 140. Aqui vendo por R$ 20. Tô me desfazendo porque já usei e tô com outro novo”, explicou. Mais tarde, Sérgio já estava batendo perna, desta vez para vender uma capa de chuva. Mas não é todo mundo que tem a disposição de Sérgio. Desde as 8 horas com um vaso sanitário no ombro, às 11 horas Clodoaldo Ferreira da Silva, pedreiro de 53 anos, sem conseguir vender sua mercadoria, entregou os pontos. “Tô indo embora”, disse.
Por outro lado, para alguns desses personagens, a feira é, antes de tudo, uma diversão. “É um distraimento, e às vezes consigo tirar mais dinheiro do que o de uma diária de pedreiro”, ressaltou Valdeci dos Santos, 57, que às vezes consegue em um dia na feira ganhar R$ 80. Há 20 anos se “distrai” vendendo desde fogões “recuperados”, como ele mesmo classifica, a peças enferrujadas.
Há quem levante a voz contra a má fama da feira. “Como tem ladrão aqui, tem muito trabalhador e desempregado. Sai na televisão que aqui só tem ladrão. Mas qual é a feira, em qualquer lugar, que não tem ladrão?”, indagou o desempregado Moisés do Sacramento, 50, pai de quatro filhos.
Para completar o seu protesto, voltou a metralhadora para o alcaide da cidade: “O prefeito João Henrique tem é que cimentar toda a feira”, disse, apontando para a lama que hospeda as mercadorias que ficam à mostra no chão.
Todo cuidado é pouco. O visitante desavisado pode ter de encarar desde um arrastão a um grupo de assaltantes que cerca a pessoa e leva tudo que vê. Por pouco A TARDE não presencia um arrastão. “Acabou de acontecer um aqui, olhe aqui o meu joelho ferido. Foi um corre-corre danado, um por cima do outro”, disse o vendedor João Batista dos Reis, 56, apontando para o machucado. “Eu me ralei todo e bati a cabeça. Aquele véio ali saiu de baixo”, complementou, ainda sorrindo, mostrando um idoso.
Cômico ou trágico, o comerciante e pedreiro desempregado, depois de narrar o episódio, voltou-se para a lida e tentou convencer sobre a qualidade do sapato à venda. “Aqui é couro puro, de R$ 120 por R$ 20”.
Os malandros de verdade da feira não falam e nem se identificam. Seja com DVDs em mãos ou com um celular de ponta. Um que estava vendendo celular, indagado, deu sua versão sobre a origem da mercadoria. “Troquei por um pássaro com um amigo e estou aqui vendendo”, disse, depois de pensar muito na resposta. “Que pássaro?”, a repórter perguntou. “Hum... aqui é só pra relaxar”, respondeu com cara e sorriso que não deixaram dúvidas sobre a real procedência do aparelho.
Fernando de Almeida Santos, 38, desempregado há 10 anos, cuja mulher é portadora do vírus da Aids, estava vendendo camisinhas “no atacado”, adquiridas de graça em posto de saúde do município. “É 15 por um real”, propagandeava. “Estimulo o sexo seguro”, diz.
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