SALVADOR
Filhos assumem difícil tarefa de ser pais dos próprios pais
Por Fabiana Mascarenhas

Foi em uma manhã de domingo, há 10 anos, que as médicas e irmãs Jackeline Leto, 41, e Maria das Graças Leto Tunes, 35, se deram conta de que teriam que começar a assumir um novo papel em suas vidas: o de mães do próprio pai.
Naquele dia, o fotógrafo Benedito Leto, então com 71 anos, saiu do seu apartamento, na Pituba, e foi encontrado horas depois pela família, perdido, na escada do prédio. "Ele não sabia como voltar e onde era a nossa casa", conta a caçula, Maria das Graças.
Era o primeiro sinal da chamada demência de corpos de Lewy, uma forma comum de demência, semelhante ao Alzheimer . A patologia é causada pela degeneração e morte das células nervosas do cérebro.
Depois que a doença se instalou, muita coisa se perdeu na memória de Benedito. Já na memória das filhas, ainda há muitas lembranças da época em que o pai lia histórias, as colocava para dormir e era visto como o porto seguro da família. "Sinto tanta saudade", diz Jackeline, emocionada.
Necessidades
Esse papel agora é delas, que, junto com a mãe, uma mulher de 74 anos, e a ajuda de duas cuidadoras, se revezam para suprir as necessidades de Benedito. Uma tarefa difícil, cara - o gasto mínimo mensal da família com as despesas do pai é de R$ 7 mil - e desgastante, física e emocionalmente.
"Eles acabam virando crianças de novo e precisam de cuidado e atenção 24 horas. É muito difícil porque não nos ensinam como ser pai e mãe dos nossos pais. A gente não é preparado para isso", diz Jackeline.
E, de fato, a maioria não é, mas é importante começar a aprender, sobretudo após o aumento da expectativa de vida - que cresceu em média seis anos entre 1990 e 2012. Hoje é mais comum chegar aos 70, 80, 90 anos de idade. O problema é que alguns chegam com saúde, outros, infelizmente, precisam de cuidado permanente.
Estudiosa do tema, a antropóloga, sanitarista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Maria Cecília Minayo afirma que mais de 85% dos idosos no Brasil são saudáveis. "O que não quer dizer que não tenham algum problema de saúde, mas são ativos, têm autonomia".
Entretanto, há um percentual importante de 15% de idosos que começam a ter problemas de saúde sérios que exigem cuidados, perda de autonomia e, no caso dos homens, os maiores sofrimentos estão associados também à perda de potência sexual.
"Essa é uma questão que afeta muito a autoestima, por isso o sentimento de solidão e a depressão são tão frequentes nesta fase", afirma. E talvez isso explique, em parte, um dado alarmante: no Brasil, a relação de idosos que pensam ou tentam cometer suicídio é de quatro para um.
"Isso revela o quanto é importante pensar no momento pós-aposentadoria quando ainda se é jovem. Isso muda o modo como a pessoa viverá a velhice e também como a família vivenciará esta fase, se com peso ou leveza", diz Maria Cecília.
Cuidadora de idosos há mais de 20 anos e mãe de dois filhos, Lívia Argollo, 50, conhece bem as dificuldades vividas por famílias que têm idosos com limitações motoras e problemas mentais.
"Tem dias que eles choram e a gente chora junto. O bom cuidador é antes de tudo um bom ouvidor. O nosso ofício é cuidar do idoso, ajudar nesse processo, mas tem dias que é preciso acolher os familiares. Tem muitos filhos que se veem completamente perdidos diante dessa responsabilidade", afirma.
A jornalista Carolina Campos, 45 anos, foi mãe da própria mãe - que sofria de Alzheimer - durante 10 anos e se viu obrigada a assumir atribuições que nunca achou que teria.
"Fui aprendendo dia após dia, com cada situação, cada nova demanda, cada susto. É mesmo como uma mãe que tem o primeiro bebê, a gente acaba aprendendo tudo instintivamente", afirma Carolina, que não tem filhos.
Essa inversão de papéis é frequente na vida de muitos filhos. Carolina teve que assumi-lo aos 35 anos, mas há aqueles que o assumem muito precocemente. É caso do estudante Fábio Nunes, de 13 anos. Filho único, ele é o responsável por cuidar sozinho da mãe, que sofre de Alzheimer e Parkinson.
E como ser pai de um adulto quando ainda se é uma criança, um adolescente? Como lidar com o fato de essa pessoa se sentir incapaz de executar um papel que lhe foi atribuído, mas que simplesmente não sabe como fazê-lo? Se é ele que ainda precisa da orientação, do apoio, do cuidado dos pais?
Responsabilidade
É por meio de erros e acertos que Fábio tenta descobrir. Na opinião da psicóloga Sabrina Costa, querer assumir o papel de pai ou mãe dos pais não é o melhor caminho.
"Não só os filhos não estão preparados para ser pais dos pais, como muitos pais não estão preparados para ser cuidados pelos filhos. É fato que haverá uma inversão de papéis no que diz respeito a responsabilidades e funções, mas esse filho sempre será filho e é como filho que ele deve buscar cuidar dos pais", diz Sabrina.
A maneira encontrada por Carolina Campos para enfrentar a situação com mais leveza foi tentar retribuir o amor que recebeu. "Hoje ela descansa em paz e sinto-me abençoada e extremamente grata por ter tido essa oportunidade de crescimento e ter assumido isso com resignação, amor e dedicação".
Já as irmãs Maria das Graças e Jackeline procuram não pensar muito nisso. Dão apenas o melhor de si para que o pai Benedito "tenha um final digno". Talvez tenham compreendido que, agora, são elas o seu porto seguro. No presente, são as filhas que leem histórias e o colocam para dormir.
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