CIDADANIA
Fiscalizar o poder público é dever do bom jornalismo
A TARDE aproveitou momento eleitoral para promover e aprofundar debates importantes
Por Da Redação
Como em toda sua centenária história, A TARDE promoveu e aprofundou debates importantes durante a campanha eleitoral.
O período pré-eleitoral desperta, na sociedade, a curiosidade e a necessidade de informações sobre partidos, políticos e atos de gestão. Afinal, quem são os postulantes aos cargos públicos por trás da propaganda eleitoral? O que pensam, o que fazem e o que já fizeram esses políticos? Como eles se posicionam sobre os variados assuntos? São papéis do bom jornalismo fiscalizar o poder público e estar atento a essas demandas da população, filtrando os dados, aprofundando o debate sobre temas sensíveis – não apenas ao processo de escolha dos representantes, mas à sociedade como um todo – e apontando possíveis desdobramentos, com base nas informações apuradas.
Por vezes, involuntariamente, os próprios políticos provocam debates que não lhe são favoráveis em época de campanha. O tema mais recorrente da eleição deste ano na Bahia, a questão da autodeclaração de ACM Neto como pardo à Justiça Eleitoral, foi um exemplo. Em princípio tratada em tom de chacota, restrita às redes sociais, a questão ganhou contornos de debate público quando o então candidato a governador, procurando sustentar sua posição, declarou que “a culpa (sobre dúvidas nos critérios de identificação racial) é do IBGE”, em sabatina promovida pela emissora de propriedade de sua própria família, a TV Bahia.
Movimentos negros e sociais, com razão, protestaram e ingressaram com ações na Justiça contra a atitude de Neto – e A TARDE aprofundou o debate, inicialmente com uma ampla reportagem, publicada em 25 de setembro, na qual mostrava como a autodeclaração do ex-prefeito de Salvador colocava em risco todo o conjunto de políticas afirmativas desenvolvidas para a população afrodescendente do País. Passada a eleição, o tema segue em pauta na sociedade.
Esta, porém, não foi a única vez que ACM Neto provocou debates e reações durante a campanha. Logo no começo da disputa, quando anunciou Ana Coelho como candidata a vice, o ex-prefeito de Salvador causou ruptura em sua base aliada e lançou luz sobre dois temas sensíveis: a concentração de setores da mídia baiana nas mãos de políticos (Neto é herdeiro da Rede Bahia e Ana é herdeira e executiva da TV Aratu) e a enorme diferença socio-econômica entre os candidatos a cargos executivos nesta eleição.
Não tardou para que se verificasse o impressionante avanço patrimonial de ACM Neto ao longo dos últimos anos, partindo de bens no valor de pouco mais de R$ 820 mil, em 2006, para R$ 41,7 milhões este ano, de acordo com declarações do próprio candidato à Justiça Eleitoral, como documentou A TARDE em 5 de setembro. Como comparação, o jornal também apurou os patrimônios declarados dos demais candidatos a governador. Somados, não chegavam a R$ 7 milhões – menos do que o valor do apartamento no qual mora o ex-prefeito de Salvador, avaliado pelo próprio em R$ 7,8 milhões.
Impostos
Outro debate provocado pelo então candidato foi relativo a impostos. Em meio a promessas de campanha de reduzir e até zerar tributos estaduais, caso fosse eleito, ACM Neto foi pego na contradição entre o que prometia e o que fez, enquanto prefeito de Salvador. Como noticiado várias vezes ao longo dos últimos anos, o ex-chefe do Executivo soteropolitano elevou drasticamente – e, no entendimento da maioria dos especialistas, inconstitucionalmente – o IPTU na capital baiana para uma parcela significativa de proprietários de imóveis da cidade.

Pior: A TARDE demonstrou, em reportagem publicada em 11 de setembro, que tais aumentos tributários, da ordem de até mais de 1.000%, contribuíram para a redução da atividade econômica na cidade, tornando seus habitantes mais pobres, na comparação com os de outras metrópoles do País. Ao fim de seus mandatos, ACM Neto deixou a Prefeitura com Salvador sendo a segunda capital mais pobre, em termos de PIB per capita, à frente apenas de Belém (PA). O tema segue causando apreensão na população, por causa das indefinições e do silêncio da atual administração municipal sobre o reajuste do tributo para 2023.
A discussão sobre a legalidade dos aumentos do IPTU derivou para reações fortes contra a chamada “indústria da multa”, outra importante fonte de arrecadação municipal. Centenas de mensagens de leitores incentivaram a redação a abordar o tema, em 24 de outubro. Em foco, a atuação questionável de agentes da Transalvador na fiscalização e na aplicação das autuações – e a dificuldade que os motoristas encontram para recorrer de multas consideradas injustas, ilegais ou, simplesmente, erradas. Não à toa, na última década, a arrecadação municipal com autuações de trânsito triplicou, de R$ 32,8 milhões, em 2013, para projetados R$ 100 milhões, este ano.
Alinhada com a fiscalização das fontes de arrecadação do poder público vem a preocupação com a qualidade dos gastos efetuados pelas administrações – um tipo de apuração que, para o bom jornalismo, se pauta pelo interesse direto da população, independentemente de campanha político-eleitoral.
Sob esse prisma, A TARDE apurou, por exemplo, muitos indícios de irregularidades administrativas e constatou desperdício de recursos públicos e crimes ambientais nas obras chamadas de “requalificação” de trechos da orla de Salvador. As reportagens publicadas em 9 e 10 de outubro explicitaram, por exemplo, licitações fraudulentas, aditivos contratuais nebulosos, uma série de contratempos enfrentados pela população e problemas ambientais que tendem a colocar em risco o ecossistema da faixa litorânea da capital baiana.
Outra fonte de debate sobre gastos públicos foi a inauguração, durante a campanha eleitoral, do BRT de Salvador. “Mais caro do País”, “obsoleto” e “ambientalmente condenável” foram algumas qualificações usadas por pesquisadores e especialistas em mobilidade urbana e meio ambiente para descrever o modal, em reportagem publicada em 18 de setembro.
Mané Dendê
Foi a partir de denúncias de moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador que A TARDE também constatou irregularidades em outra obra de “requalificação” da Prefeitura, chamada Novo Mané Dendê. Além de abusos de autoridade, com queixas de chantagem e humilhação de moradores, forçados a deixar seus imóveis por valores muito abaixo dos praticados pelo mercado, a reportagem, publicada em 16 de outubro, constatou suspeitas de beneficiamento nas licitações realizadas para a empreitada. Diante da repercussão, a Câmara de Vereadores criou uma comissão para apurar as denúncias e acompanhar as obras.
Sem falar do nepotismo presente na administração municipal. O tema, mais uma vez, foi posto em pauta pelo ex-prefeito ACM Neto, quando prometeu “congelar 20% dos cargos comissionados” do governo do Estado, caso fosse eleito. Bastou um levantamento rápido para que fossem “descobertos” 17 parentes, amigos e parentes de amigos do ex-prefeito de Salvador empregados diretamente pela Prefeitura, com salários quase todos próximos dos R$ 20 mil – como exposto em reportagem publicada no último dia 28.
São todos temas relevantes para a população de Salvador e da Bahia, que continuarão permeando as pautas de A TARDE – que, assim, mantém seu papel de fiscalizar o poder público e cobrar melhorias, em prol da qualidade de vida da população do Estado e do País. Como tem sido ao longo de sua centenária trajetória.
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