SALVADOR
Furto em escola deve ser denunciado
Por JORNAL A TARDE
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, os estabelecimentos de ensino são obrigados a ressarcir os alunos
Eder Luis Santana
Novembro de 2005. A estudante Tauana Caldas, 14 anos, ajuda a decorar as dependências do Colégio Antônio Vieira para a Feira Internacional da Cultura. Por volta das 18h30, percebeu que seu celular recém-comprado havia desaparecido da mochila. Ao prestar queixa ao coordenador da escola, encontrou dois colegas apreensivos depois de também terem seus pertences levados dentro da escola. O caso acabou sem a identificação dos culpados.
Vítimas como Tauana nem sempre sabem que as escolas e faculdades particulares têm obrigação de ressarcir os alunos lesados em situações como esta. No final do mês passado, por exemplo, o Centro Educacional Católica, em Brasília, foi obrigado a pagar R$ 699 ao pai de uma aluna que teve seu aparelho celular furtado na sala de aula. A sentença foi dada pelo juiz do 2º- Juizado Especial Cível de Taguatinga, Enilton Alves Fernandes.
Baseado no Código de Defesa do Consumidor, Fernandes considerou que o contrato de prestação de serviço mantido entre alunos e escolas particulares obriga a manutenção da integridade física dos estudantes e seus pertences. O juiz não foi encontrado para prestar esclarecimentos. Servidores do cartório na capital federal informaram que, na ocasião, a jovem cujo nome não pôde ser revelado exigiu do coordenador pedagógico a presença da polícia.
De acordo com o depoimento, o coordenador se negou a ligar para os oficiais a fim de preservar o nome da escola. Em sua defesa, o colégio alegou que no contrato firmado existem termos que responsabilizam os alunos por objetos levados. O juiz não acatou os argumentos e lembrou a necessidade de haver reparação de danos quando o consumidor é lesado dentro de uma relação de prestação de serviços.
Presume-se haver faltado à escola o dever de vigilância sobre o material escolar dos alunos, quando ocorridos danos ou subtração, registra a sentença judicial. A escola ingressou com recurso contra a decisão. Ainda no seu parecer, o juiz relata a obrigação das instituições de ensino em zelar pelos materiais, inclusive quando os alunos não estão nas salas de aula. Isso inclui as atividades de educação física. De acordo com o diretor de assuntos especiais do Procon em Salvador, Márcio Pedreira, a mesma punição pode ser aplicada às faculdades particulares. Há uma prestação de serviço e cabe às instituições de ensino adotar medidas de segurança, comenta.
LOCAL As escolas não possuem registros de furtos, mas os casos são relatados como corriqueiros pelos alunos. Na Praça de Nazaré, jovens comentavam, na última quinta-feira, que no Colégio Salesiano as situações se repetem todos os anos. Sem querer se identificar, uma aluna de 14 anos lembrou que no final do ano passado saiu da sala para ir ao banheiro, e, quando retornou, não mais encontrou o DVD guardado na mochila.
Sem também dizer seu nome, a mãe da garota comentou que sua filha teve dois aparelhos de celular furtados dentro do colégio. Apesar de concordar que existe a falta de segurança, a mãe acredita que os jovens são vítimas da própria irresponsabilidade. A coordenação alerta para não levarem objetos de valor, mas eles insistem, disse.
Outra vítima foi a estudante do 2º- ano no Colégio Antônio Vieira. Luana Blanc, 15 anos. No ano passado, a garota levou R$ 35 para pagar uma prova paralela e acabou tendo o dinheiro retirado da mochila enquanto conversava com colegas no intervalo. Falei com o coordenador e ele mandou eu ter mais cuidado, disse. A mãe da jovem, a bancária Amélia Ribeiro, 45 anos, preferiu não prestar queixa. Já tinha ouvido outros casos. Acho que não teria efeito, disse.
Mesmo sem esperanças de reaver o valor furtado, nem todas as mães acatam de forma passiva o prejuízo. A promotora de justiça Wanda Caldas cansou de ver os pertences de sua filha, Tauana Caldas, 14 anos, serem levados. Lápis, canetas, borrachas e casacos desaparecidos ainda ficam na memória. Porém, depois que um celular recém-comprado foi furtado, ela decidiu prestar queixa na delegacia. Investigações foram feitas, mas os culpados não foram identificados. Não quero o dinheiro de volta. O importante é identificar as pessoas, comenta.
Públicas A repetição dos delitos leva os jovens a tomarem medidas de precaução, como é o caso de Suelen Magalhães, 16 anos, aluna da 8ª série na Escola Estadual Getúlio Vargas, no Barbalho. Depois de ter o celular furtado, não deixa nenhum objeto de valor dentro da sala. Seu irmão mais novo, Jorge Santos, aluno da 5ª- série, teve um prejuízo ainda maior quando levaram seu smart card- cartão de meia-entrada nos ônibus.
A mãe dos adolescentes, a dona-de-casa Sueli Santos, 50 anos, resolveu evitar novos problemas e comprou polchetes para os filhos guardarem tudo que tiver algum valor. E não adianta reclamar com ninguém, pois a escola não vai arcar com o prejuízo. Tive mesmo de comprar um celular novo e mandar fazer outro smart card, disse.
Nas escolas públicas visitadas por A TARDE, chamou a atenção a quantidade de alunos reclamando pelo desaparecimento de cadernos. Foi o caso de Lorena Bárbara Santos, 13 anos, aluna da 8ª- série na Escola Estadual Hildete Lomanto, no Garcia. Meu pai gastou R$ 17 e nem pude usar direito, disse, ao lembrar que o caderno foi levado na hora do intervalo. Entre os colegas, os comentários mais freqüentes são as reclamações diante do sumiço de lápis, canetas e outros itens escolares.
o que diz a Lei
Artigo 14 do Capítulo IV - Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos:
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição (uso) e riscos.
Fonte: Código de Defesa do Consumidor
Câmeras são as únicas medidas de proteção
Os diretores das escolas dizem que medidas de segurança são tomadas para coibir os furtos. Dentre elas está a implantação de câmeras e grades nas dependências das escolas e o fechamento das portas durante o intervalo. A orientadora educacional do Antônio Vieira, Marialva Gargur, comenta que os pais e alunos são alertados para não levarem materiais de valor. No caso dos celulares, esbarramos nas próprias famílias, que incentivam o uso do aparelho, diz.
Câmeras foram instaladas na área do lanche e na quadra de esportes. Os estudantes ganharam ainda um armário individual, com chave, onde podem guardar seus pertences. No Colégio Salesiano, nenhum diretor foi encontrado para comentar sobre o assunto. Funcionários disseram que todos estavam em uma reunião em Recife e só retornariam na segunda-feira.
Para se livrar da responsabilidade de ressarcir os objetos furtados, as escolas e faculdades têm inserido em seus contratos cláusulas que retiram a responsabilidade pela guarda de objetos de valor. De acordo com Marcelo Zarif, advogado de direito empresarial contratado por três faculdades e duas escolas, os delitos não se configuram como quebra na relação de consumo como afirmou o juiz de Brasília entre os alunos e as instituições de ensino.
O diretor do Sindicato das Escolas Particulares (Sinep), Natálio Dantas, confirma a posição do advogado e defende que as cláusulas contratuais têm sido a única maneira de não serem responsabilizados pelos furtos. Isso deve estar claro no regulamento para os pais não deixarem seus filhos irem com objetos caros, comentou.
CONTESTAÇÃO O diretor de assuntos especiais do Procon, Márcio Pedreira, conta que as cláusulas citadas pelo advogado e pelo diretor do sindicato são tidas como abusivas e privilegiam apenas as escolas. De acordo com o Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor dos serviços (as escolas) são responsáveis pela reparação dos danos causados ao consumidor na prestação dos serviços. O código tem mais peso do que qualquer termo contratual, assinalou.
Ele aconselha que os pais de alunos lesados busquem seus diretos na Justiça. Questionado sobre como os estudantes de instituições públicas devem proceder, ele explicou que se pode entrar com ação na Justiça Federal contra o Estado. Aí é mais complicado, pois não se pode condenar a escola. A responsabilidade recai sobre o poder público, completou.
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