SALVADOR
Gravidez é mero detalhe quando o negócio é abortar
Por Eder Luis Santana,Samuel Lima
Em apenas 16 minutos, pode-se negociar um aborto em Salvador. Este foi o tempo gasto por um casal de repórteres de A TARDE, cujos nomes estão sendo preservados, para conversar com um médico que atende clientes com perfil de classe média e média-alta. Em três dias de apuração, os repórteres identificaram ginecologistas que cobram de R$ 400 a R$ 1.500 para realizar o aborto clandestino.
Um deles atua na Avenida Tancredo Neves, enquanto o outro mantém consultório na Praça da Sé. Os dois médicos identificaram gestação em mulheres que não estão grávidas. Abaixo, os fac similes de exames laboratoriais confirmam que nenhuma delas estava em processo de gravidez.
A constatação acontece na semana em que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, esteve em Salvador e recebeu críticas por se mostrar favorável ao debate sobre a legalização da interrupção da gravidez.
Na última terça-feira, A TARDE mostrou que um aborto ilegal acontece a cada três horas na Bahia. O procedimento é a maior causa de morte materna em Salvador. Em 2006, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, 26,7 mil baianas se submeteram ao aborto clandestino e tiveram complicações de saúde.
Uma das clínicas funciona na Praça da Sé. Na porta principal, há o nome do profissional, sem referência à especialidade exercida. Na ante-sala, a recepcionista cobra R$ 30 pela consulta. Mais informações, somente com o médico, diz a moça à repórter, quando esta conta que precisa interromper uma suposta gravidez. Na sala principal, dois homens aguardam suas companheiras. Seis mulheres assistem à TV. As pessoas se mantêm cabisbaixas, sem trocar olhares ou dialogar. A jornalista puxa assunto e recebe a simples resposta: É meu primeiro aborto.
O médico recebe as pacientes na mesma mesa ginecológica. Sem trocar os lençóis da consulta anterior, ele faz o exame na repórter. Nem mesmo nesse momento, outras pessoas deixam de circular pela sala. Ao notar que não há volume em sua barriga, pergunta se a paciente tem certeza de que sua menstruação está atrasada.
Ao concluir o exame, diagnostica, taxativo: Temos que fazer o mais rápido possível. Quanto antes, melhor. Questionado sobre o tempo de gravidez, afirma que são no mínimo dois meses, para, em seguida, anunciar o valor: R$ 400. O ginecologista exige pagamento à vista e sai da sala.
A mesma atitude é comprovada na clínica de ginecologia e ultrassonografia da Avenida Tancredo Neves. São 16 minutos até o médico cobrar R$ 1.200 por um aborto que jamais poderia ser feito, já que não havia sequer gravidez. O feto, que o médico diz ser um saco, é identificado em um exame de ultra-sonografia (veja entrevista abaixo). Por lá, o pagamento também deve ser à vista. Segundo o médico, o aborto é feito pela técnica de sucção, com a paciente sendo liberada em até 15 minutos.
Mesmo atendendo ao pedido de pacientes que desejam abortar, os médicos ferem o código de ética da categoria e o Código Penal. A lei prevê reclusão de um a quatro anos para pessoas que provocam o aborto, mesmo com o consentimento da mulher, que também pode ficar presa de um a três anos. O Conselho Regional de Medicina na Bahia (Cremeb) só apurará o caso quando houver denúncia formal.
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