SALVADOR
Guardadores disputam vaga com o aplicativo Zona Azul
A implantação do sistema diminuiu as chances de ganho da categoria, que relata sofrer maus-tratos
Por Jane Fernandes

Azul de Salvador é motivo de preocupação para a guardadora Josenilda Oliveira dos Santos, 42 anos, que atua na área da Conceição da Praia, no Comércio, desde 2009. Como esses trabalhadores não têm ganhos quando o usuário paga a vaga digitalmente, sua rotina nos últimos anos inclui explicar essa situação aos motoristas e pedir que deem preferência ao guardador.
O pagamento pode ser com débito, crédito, dinheiro, e alguns guardadores até aceitam pix, mas Josenilda nem sempre consegue a adesão do cliente. Na última quarta-feira, quando a reportagem esteve no local, antes das 10 horas, ela se queixava de ter “perdido” duas vagas para os aplicativos. Quem estaciona na área pode escolher períodos de 2, 6 ou 12 horas, e ambos tinham optado pelo tempo máximo.
Josenilda tem seis filhos, a de nove anos é a única que mora com ela, duas também trabalham como guardadoras, uma há quatro anos e a outra iniciou no ano passado. “O prefeito devia olhar pela gente porque se a gente para de fazer o trabalho, deixa de ganhar o sustento. A gente trabalha na rua, às vezes é maltratada, mas se faltar um dia não leva o pão para casa”, lamenta.
A guardadora garante que nunca presenciou ninguém tentando fazer nada com os carros estacionados, mas já foi tratada com grosseria por usuários da Zona Azul. O maior gerador de conflitos, disse, é o momento de orientar os motoristas que param em áreas reservadas para idosos ou pessoas com deficiência. Ela busca lembrá-los da necessidade de colocar a credencial no painel do carro, de forma a evitar multas se a fiscalização chegar, mas alguns recebem mal a recomendação.
Esquecimento
A presença dos guardadores na região é fundamental para usuários da Zona Azul como o agente de saúde Mateus Magalhães, 41, que afirma ter interesse em usar os aplicativos, mas nunca lembrar de baixar no celular. Ele não sabia que o uso da versão digital exclui a possibilidade de ganho para os trabalhadores, mas considera bom ter a praticidade de poder utilizar uma vaga mesmo sem localizar um guardador.
Embora imaginasse que duas horas seriam suficientes para resolver o que precisava no Centro da cidade, Mateus preferiu pegar seis horas para não correr o risco do período vencer. Caso usasse aplicativo, ele poderia fazer a renovação de um período sem ter de voltar ao local, o que também vê como vantagem. De toda forma, com cartela ou aplicativo, caso saísse dali e precisasse estacionar em outra área com opção de seis horas, poderia utilizar o restante do tempo sem pagar mais.
Mesmo tendo aplicativo no celular, o funcionário público Carlos Costa, 54, acha mais prático pagar a vaga com o guardador. Morador de Mata de São João, ele afirma vir a Salvador quase todos os dias para fazer compras ou resolver coisas, comprando cartelas de 2 ou 6 horas a depender da atividade. Para ir ao Taboão comprar lonas, ele considerou o período menor suficiente.
Atualmente, cerca de 450 guardadores regulamentados estão atuando em Salvador, mas o número de cadastrados ultrapassa 700, segundo o presidente do SindGuarda, Melquisedeque de Souza. “Após a pandemia, muitos ainda estão com receio de voltar, então permanecem em casa”, conta. Ele frisa que o sindicato busca organizar os associados para atender as seis áreas de Zona Azul, com mais de 15 mil vagas.
Digital
“Quando iniciou a operação do digital, pensamos que seria uma morte lenta para o guardador, mas acho que não está sendo assim”, avalia Souza. Na sua opinião, a presença dos associados do SindGuarda dá uma sensação de maior segurança para os usuários, além de ser um ponto de apoio, até mesmo para o uso do aplicativo, pois perguntam dados como CEP e nome da rua onde está a vaga.
O presidente reconhece que algumas áreas podem ficar sem guardadores em alguns dias ou horários determinados, por conta da demanda muito baixa, o que inviabilizaria a presença do trabalhador, pois o mesmo só tem ganhos quando o serviço é utilizado. Também podem ocorrer ausências temporárias, por conta de uma ida ao banheiro, uma pausa para tomar água, café ou fazer uma refeição, por exemplo.
Segundo Souza, a cada veículo estacionado pelo guardador e pago diretamente, seja usando a máquina, dinheiro ou pix, ele ganha um terço do valor da cartela, disponível nos preços de três, seis e nove reais. O sindicato recebe 4,6% de cada cartela vendida e também não leva nada quando o pagamento é feito no aplicativo.
Guardadores respondem por 80% das vagas na Zona Azul
Na transição entre as praias de Jaguaribe e Piatã, a maior parte dos carros parados ocupa uma espécie de recuo do lado esquerdo, enquanto as vagas na borda da pista permanecem praticamente vazias. O administrador Reno Villas Boas, 37 anos, vai ali quase todos os dias para praticar o surfe e evita parar d o lado direito, que é Zona Azul, exigindo um pagamento entre R$ 3,00 e R$ 9,00, a depender do tempo de permanência.
O surfista diz nunca encontrar guardadores no local, mas percebe que entre sexta-feira e domingo, muitas vezes a fiscalização passa na área e aplica umas multas. Na sua opinião, independentemente da existência dos aplicativos, não deveria ter cobrança se não tem guardador. “Oferece mais proteção, querendo ou não, uma pessoa olhando dificulta mais”, disse, referindo-se ao risco de roubos e furtos.
A reportagem falou com Reno na última quarta-feira, por volta das 10 horas, e realmente não havia guardador nesse trecho. O coordenador de Estacionamentos Públicos da Transalvador, Cláudio Luz, afirma ser incomum a ausência de associados ao SindGuarda, mas ressalta que com dez aplicativos à disposição na Zona Azul Digital, isso não interfere na obrigatoriedade do pagamento pelo uso das vagas.
Segundo Luz, os guardadores respondem por cerca de 80% dos carros estacionados na Zona Azul, o que indicaria a presença frequente deles e também uma queda não tão expressiva nos rendimentos. Quanto à adesão aos aplicativos, a Transalvador informa que a Zona Azul Digital conta atualmente com cerca de 400 mil usuários.
O coordenador defende que os trabalhadores sejam chamados de operadores da Zona Azul, pois no seu entendimento, a palavra guardador remete a funções que não cabem a esses trabalhadores. “Ele está ali como mais uma forma de pagamento da utilização da área regulamentada, exerce a mesma função do aplicativo”, defende Luz, comentando a atuação dos operadores, que se assimilariam a pontos de venda.
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