SALVADOR
Hospitais apontam risco ao setor com piso de enfermeiro
Nas unidades filantrópicas, a folha de pagamento de técnicos vai aumentar em 120% e a dos enfermeiros em 50%
Por Jane Fernandes
Três empregos somando 44 horas semanais é a carga de trabalho da técnica de enfermagem Luciana Leal, 37 anos, para conseguir rendimento adequado às suas necessidades. Situação que espera mudar com a implementação do piso salarial nacional. Por outro lado, entidades como a Federação das Santas Casas e Entidades Filantrópicas da Bahia (FESFBA) alegam impossibilidade de arcar com um reajuste de 120% na folha de pagamento para esses profissionais.
A FESFBA, por meio da sua confederação nacional, assina a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada ao Supremo Tribunal Federal para suspender a Lei 14.434/2022, sancionada no último dia 5. A nova legislação fixa a remuneração mínima a ser adotada para enfermeiros em R$ 4.750,00, com o piso para técnicos em enfermagem correspondendo a 70% desse valor: R$ 3.325,00.
Para auxiliares de enfermagem e parteiras (enfermeiras obstetras) o valor básico estabelecido em Lei é 50% do previsto para enfermeiros: R$ 2.375,00.
Na Bahia, de acordo com o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-BA), os técnicos correspondem a 63,3% dos 154.966 profissionais registrados. Entre os que atuam na área de enfermagem, os técnicos são os mais demandados pelo mercado, confirma a presidente FESFBA, Dora Nunes. O reajuste desses profissionais, afirma, será o mais impactante nas folhas de pagamento das unidades de saúde representadas pela entidade, não só pelo percentual de aumento, mas também pela quantidade de contratados.
Atualmente, o salário-base dos técnicos nas filantrópicas da Bahia está entre R$ 1.212,00 e R$ 1.400,00, informa Dora. “Existem adicionais como insalubridade e periculosidade, que sindicatos patronais e dos profissionais negociavam até majorados ao que consta na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), por entender que é necessário uma recomposição salarial melhor”, argumenta, reforçando que a remuneração final é maior do que valor base.
Mesmo com 15 anos de experiência e o trabalho paralelo em três unidades, sendo duas UTIs e uma emergência, áreas de elevada complexidade, Luciana ganha somente 35% acima do piso fixado na lei. Como seu filho com limitações requer tratamento contínuo, ela espera poder alcançar a renda necessária sem manter tantos empregos, melhorando sua qualidade de vida. Embora a sanção da lei seja recente, a técnica diz ter percebido uma tendência das empresas aumentarem as funções dos profissionais.
“Em percentual a representação do piso na folha de pagamentos de enfermeiros gira em torno de 50% e na de técnicos em torno de 120% de aumento. É um impacto alto, e essas Santas Casas e hospitais já vinham com dificuldade devido ao endividamento, ao subfinanciamento do SUS, a contratos com gestores congelados há mais de dez anos, e a gente só sofrendo reajustes na parte dos custos: material, medicamento, insumos, mão de obra…”, declara. Segundo a Federação, a média salarial dos enfermeiros que atuam em filantrópicas na Bahia é de R$ 3 mil.
“Não havendo uma decisão (da ADI) até o final do mês, quando estaremos fechando as folhas de pagamento, nós precisaremos decidir, de forma coletiva, pelo não cumprimento da lei ou, se vamos cumprir, ver de que forma cumpriremos, porque as unidades não têm caixa para isso”, lamenta Dora. Conforme determinado na Lei, apenas o setor público poderá adotar o piso em janeiro de 2023, para os demais contratantes, sua aplicação é imediata.
Privado
A implantação do piso aumentará em 56% a folha de pagamento dos hospitais privados, segundo o presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb), Mauro Adan. Ele afirma reconhecer a importância desses profissionais, mas avalia o reajuste como “completamente inviável e um risco ao sistema de saúde da Bahia”.
Adan preferiu não cravar uma média salarial para a categoria, argumentando a grande variabilidade de valores a depender do grau de complexidade do trabalho desenvolvido e o nível de especialização exigido. “Provavelmente virão muitas demissões, porque muitos leitos vão ser fechados, como consequência, não por retaliação”, declara Adan.
“Vai aumentar o custo do atendimento, esse custo vai ter de ser repassado para os planos de saúde, os planos de saúde vão ter que majorar os preços, e muitas pessoas que estão no sistema de saúde suplementar vão ter de sair”, pondera Adan, imaginando uma sobrecarga ainda maior no SUS, que terá de absorver esse público saído do sistema suplementar.
Em nota, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), afirma “é justa a valorização dos profissionais de enfermagem, mas, sem o correspondente custeio, esse processo ameaça gravemente a manutenção do acesso à saúde da população brasileira. É necessário, portanto, a definição - com a máxima urgência - dessas fontes de custeio, o que deveria ter sido feito antes mesmo da sanção da Lei”.
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