SALVADOR
Iemanjá celebra geração da vida

Por JORNAL A TARDE
Festa de hoje homenageia a divindade afro-brasileira, a única a ter uma comemoração exclusiva, fora do sincretismo religioso
Cleidiana Ramos
Hoje à tarde, quando os pescadores da Colônia de Pesca Z 1, situada no Rio Vermelho, colocarem nas águas sua oferenda para Iemanjá, chegará a seu ápice uma das mais ricas celebrações religiosas da Bahia. Esta é a única festa com data específica para uma divindade das religiões afro-brasileiras. Todas as outras sempre estão associadas a um culto católico, como a comemoração a Iansã em conjunto com Santa Bárbara, em 4 de dezembro.
A festa de Iemanjá é uma celebração genuinamente afro-brasileira. A celebração durante todo o dia é como se fosse a transferência de um terreiro para o Rio Vermelho. Há vários rituais.
E o detalhe interessante é que, na fila para depositar os presentes, tem gente de todas as classes sociais, numa amostra de como esta devoção conquistou todo mundo, diz o doutorando em história social Jaime Sodré, xicarangoma (sacerdote músico) do terreiro Tanuri Junssara e oloê (conselheiro) do Bogum.
Um outro detalhe destacado por Sodré é que a festa de Iemanjá fecha um ciclo iniciado com a Lavagem do Bonfim. O sagrado feminino está presente nas mais variadas manifestações religiosas.
Desta forma, assim como se desce para a Cidade Baixa para saudar o pai, no caso Oxalá, se vai para a Cidade Alta para se louvar a mãe. Nesses intervalos, tem as festas dos filhos, uma representação de toda a família, explica Sodré.
A festa da divindade é também a da busca da bênção por fartura, no caso o peixe, o que torna os pescadores os maiores organizadores da reverência a ela. Os pescadores escolhem um local especial para colocar o presente, que é exatamente aquele em que os peixes procriam. Ou seja: aí está mais uma vez o símbolo de Iemanjá como poder gerador de vida, acrescenta.
GLOBALIZAÇÃO Além disso, Iemanjá acabou reunindo personagens de três tradições religiosas: orixá, inquice e vodun do candomblé, a mãe dágua dos indígenas e a sereia européia. Não é à toa que seu culto já conquistou o Brasil inteiro e começa a se expandir até para outros países.
Na passagem de um ano para o outro, em todo o litoral brasileiro, muita gente vai colocar presentes para Iemanjá no mar e buscar sua proteção. No Uruguai existe uma celebração a Iemanjá que se tornou a maior festa popular deles, relata o chefe do departamento de antropologia da Ufba e ogã do terreiro Casa Branca, Ordep Serra.
Segundo Serra, no Brasil, a reverência a Iemanjá dos iorubás ofuscou Olokum, que era a antiga divindade com domínio sobre os mares. Na Nigéria, ela é uma ninfa do Rio Ogum. Aqui, ela acabou ganhando uma supremacia sobre a água salgada, completa.
Ela é também cultuada na tradição angola, na qual recebe o nome de Kayala e Kokueto. Na jeje, faz parte do grupo das chamadas Saboses. Em todas elas, recebe o mesmo privilégio de mãe, por excelência, inclusive de todas as outras divindades. É também considerada a protetora da cabeça.
Divindade mistura crenças
Há um mito iorubá que diz que Iemanjá foi ameaçada de ser violentada por seu filho primogênito, chamado Origan. Em fuga, desesperada, ela tropeçou e seus seios se partiram, derramando as outras divindades e os rios.
É um mito cheio de simbologia. Origan representa as montanhas, e Iemanjá é o elemento líquido que acaba vencendo um obstáculo à primeira vista intransponível, explica doutorando em história social Jaime Sodré.
O chefe do departamento de antropologia da Ufba e ogã do terreiro Casa Branca, Ordep Serra, destaca que Iemanjá é saudada por esse motivo como a mãe dos seios lacrimosos. Representada na África como uma divindade com fartos seios, no Brasil a imagem de Iemanjá vai ganhar contornos europeus seu corpo é metade peixe, como o das míticas sereias e indígenas, por meio dos cabelos negros e lisos.
Tem também uma famosa imagem de Iemanjá, vestida de azul, saindo das águas, que é muito celebrada pelo pessoal de umbanda, completa Jaime Sodré.
Ela é a maternidade generosa, a grande mãe que abraça sempre todos os filhos. Embora não seja tão vaidosa como Dandalunda, a Oxum dos iorubás, tem também sua vaidade. Não é à toa que lhe dão perfumes, pentes e espelhos, relata Anselmo dos Santos, tata de inquice do terreiro Mokambo, localizado no Trobogy. Seu cargo é o maior na hierarquia da casa, de nação angola.
Saiba mais
As marcas de Iemanjá:
Cores: prateado, azul claro e transparente.
Saudação: Odoyá, na tradição ketu, e Kiua Kayala mameto mazenza, na angola.
Dia da semana: sábado.
Comidas: pata, galinha, peixe, milho branco, preparado com azeite doce, camarão e cebola, entre outras.
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