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SALVADOR

Individualismo é uma das principais causas de conflito em condomínios

Especialistas explicam como decisões no condomínio são tomadas e por que conflitos costumam acontecer

Por Lucas Franco

07/09/2022 - 16:46 h | Atualizada em 07/09/2022 - 22:56
“Todo mundo é dono [do condomínio], mas uma pessoa em especial tem um poder de gestão”, diz o advogado condominial, Saulo Daniel Lopes
“Todo mundo é dono [do condomínio], mas uma pessoa em especial tem um poder de gestão”, diz o advogado condominial, Saulo Daniel Lopes -

A cada dois anos, sempre em anos pares, as eleições municipais e gerais tensionam mais as ruas do que de costume, embora a política seja vivenciada pela população de Salvador todos os dias mesmo fora das três esferas do poder. Em condomínios, por exemplo, os conflitos no dia a dia costumam ser tão frequentes quanto em Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Congresso Federal. Para o advogado condominial do escritório Costa Oliveira Advogados, Saulo Daniel Lopes, reclamações de autoritarismo de síndico são comuns.

“Todo mundo é dono [do condomínio], mas uma pessoa em especial tem um poder de gestão”, contextualiza Saulo Daniel Lopes, que enxerga a participação dos condôminos como importante para que os interesses da maioria prevaleçam. “Não sei se você tem irmãos. Quando o pai de vocês comprava uma bola e dividia para os três. É um objeto em que três pessoas são donas. Para definir se vocês vão jogar bola na grama ou na areia, vai ganhar a opção que tiver ao menos dois votos. O condomínio funciona assim, com a vontade da maioria”, aborda o advogado, que alega que conflitos em condomínios são comuns.

Em um condomínio de Salvador, um dos moradores, que também é membro do conselho fiscal, questiona a gestão do síndico, que é um profissional que atua também em outros condomínios da cidade. Sem maioria dentro do conselho, que conta com três pessoas, e sem votos suficientes dentro da assembleia, o morador alega que não consegue ter maioria por conta da influência do síndico. “Ele [o síndico] sempre divide um grupo de pessoas e quer ficar com a maioria. Essa maioria é justamente a que não quer ter trabalho com nada”, alegou.

Para o morador, a maioria das pessoas que mora no seu condomínio pouco acompanha o dia a dia da gestão, o que faz com que irregularidades sejam cometidas, segundo ele. “O problema, imagino que isso ocorra em todos os condomínios, é que a residência normalmente é um lugar em que você não quer ter trabalho. Você pressupõe que aquele administrador é idôneo e você não vai ficar se certificando de que ele está cumprindo as leis, que é o pressuposto que todo indivíduo deveria cumprir”, pontua.

O síndico do condomínio em questão, por sua vez, diz que seguiu todos os protocolos com relação às reinvindicações feitas. “Convoquei os conselheiros fiscais, convoquei os conselheiros consultivos, que representam o condomínio na ausência do conselho fiscal, e solicitei também a presidência do corpo jurídico, que é do condomínio, ou seja, nem do síndico nem dos condôminos”, conta. A situação segue gerando insatisfação no morador e membro do conselho fiscal. Os nomes dos envolvidos foram preservados.

“A gente montou uma ata, que é essa ata que eu tenho hoje, assinada pelos representantes dessa reunião. Nela, foram tiradas todas as dúvidas sobre o que compete ao síndico e o que compete à parte jurídica, que foi o trâmite que se deu com ele [o morador reclamante]. Todas as pontuações dele, direcionadas para essas questões, foram elucidadas pelo próprio jurídico e os demais conselheiros, que não acharam viáveis as pontuações dele [morador reclamante]”, completa o síndico.

O advogado deste condomínio disse que o serviço jurídico prestado por ele não poderá ser direcionado de maneira particular, já que seu cliente é o condomínio. “Quando há uma solicitação, o escritório de advocacia que presta serviço ao condomínio deve atender aos entes que foram devidamente eleitos pra representar o condomínio. No caso é o síndico ou o conselho, ou através de uma assembleia”, contextualiza o profissional do Direito, que diz enxergar que a intolerância na sociedade tem aumentado.

Conceito de “Lógica de Condomínio”

Presente no livro “Mal-estar, sofrimento e sintoma: Uma psicopatologia do Brasil entre muros” (Boitempo Editorial, 2015), do psicanalista Christian Dunker, o conceito “lógica de condomínio”, segundo o próprio autor, “foi pensado como um sintoma de Brasil”. “Chegamos nessa ideia do condomínio como uma forma de vida, onde a gente tem, portanto, uma maneira nova de trabalhar e consumir. Uma maneira nova de desejar e uma maneira nova de usar a linguagem”, contextualiza Dunker, que conta que os primeiros condomínios do Brasil surgiram no estado de São Paulo nos anos 1970, durante a ditadura militar.

Para o psicanalista, ainda que os condomínios hoje sejam buscados como forma de se prevenir da violência urbana, seu propósito inicial foi o de segregação. “São sintomas da nossa falta de República, de republicanismo, de coisa pública. São sintomas das nossas dificuldades de lidar com as coisas comuns. Daí que não é uma surpresa que não há conflitos desse tipo em ocupações, como do MTST. Porque ali não há essa relação proprietarista exploratória, de concorrência narcísica, que você tem na lógica do condomínio”, comenta Dunker.

Opinião semelhante à de Dunker tem o militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) na Bahia, Marcos Rezende. “Quando nós estamos em uma ocupação, a primeira ação que nós adotamos é justamente a construção de uma cozinha coletiva. A cozinha é um local que vai fazer com que as pessoas tomem café da manhã e almocem juntas e a partir daí debatam os problemas de todo o conjunto”, conta Marcos Rezende.

A ausência de conflitos mais graves entre pessoas que vivem nas ocupações, para o militante do MTST, tem a ver com a lógica do local, que não tem uma liderança, mas coordenações com atribuições diferentes, como de infraestrutura, de alimentação e de limpeza, além do suporte jurídico. “Por conta dessas interconexões, construídas com esse processo, isso faz com que as demandas acabem sendo muito mais demandas coletivas do que demandas individuais. Porque existe ali um olhar de que a melhoria de um tem que ser fruto do diálogo para a melhoria do conjunto”, diz. As ocupações do MTST cumprem com o Artigo 5 da Constituição Federal de 1988, que aponta que toda propriedade privada deve ter função social. Antes da chegada do movimento, os imóveis estão desocupados e impossibilitados de serem habitados por motivos como dívidas, que chegam a ser maiores do que o valor do imóvel.

Com o pretexto de suprir a ausência do poder público em alguns bairros, grupos se propõem a fazer reivindicações coletivas na periferia da capital baiana, mas criando debates sobre os problemas nacionais e internacionais que afetam diretamente a vida dos moradores. A secretária política da União da Juventude Comunista (UJC), Cheyenne Ayalla, diz enxergar que os problemas no seu bairro, Mussurunga, não podem ser debatidos apenas através de uma perspectiva individual ou local. “Queremos fazer uma associação de bairro que desenvolva um caráter de pequena democracia”, conta a militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que enxerga como demanda urgente da localidade a coleta de lixo.

Experiências coletivistas em locais sem muro de proteção, para o filósofo e professor titular da Universidade de São Paulo (USP), Vladimir Safatle, são exemplos de contrapontos à “lógica de condomínio”. “O condomínio é um sintoma da incapacidade de criação de um espaço comum como elemento fundante do corpo social”, disse. “Um condomínio é uma associação de proprietários cujo interesse maior não é a construção de um bem comum, que pode levar a uma vida que é plena não só na sua essência social. Na verdade, é uma associação de proprietários que procura a rentabilização dos seus imóveis, então são primeiramente investidores”, opina o filósofo, que também aborda o conceito “lógica de condomínio” em seus trabalhos.

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