Itapuã: a vila de pescadores que virou referência na Orla de Salvador | A TARDE
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Itapuã: a vila de pescadores que virou referência na Orla de Salvador

Um dos bairros mais conhecidos da cidade, Itapuã foi eternizado nos versos de Toquinho e Vinícius de Moraes

Publicado sexta-feira, 29 de março de 2024 às 06:00 h | Atualizado em 29/03/2024, 09:04 | Autor: Alex Torres
Grande parcela da identidade de Itapuã se construiu em cima da atividade de pescaria
Grande parcela da identidade de Itapuã se construiu em cima da atividade de pescaria -

Em momento de forte expansão imobiliária, a chamada Orla Atlântica de Salvador, a área mais "sol e praia" da cidade, que se estende da Boca do Rio até a Praia do Flamengo, é uma das mais que mais se desenvolveu nos últimos anos. Grandes equipamentos, como o novo Centro de Convenções e novos parques públicos, como o Parque dos Ventos, foram instalados na região na última década, para deleite de moradores e visitantes. O movimento, aliado a obras de requalificação em trechos da orla, ajudou a reaquecer a busca por imóveis nessa faixa contínua de belas praias e muita história. Trechos como Jaguaribe e Patamares, por exemplo, vivenciam um novo e efervescente momento, impulsionado pelo aumento de lançamentos.

O centro dessa região é o famoso bairro de Itapuã que, repleto de cultura e histórias, ficou imortalizado na composição de Toquinho e Vinícius de Moraes. Na obra, composta na década de 1970, foram atribuídas características praianas e, de certo modo, até mesmo românticas a um dos bairros mais tradicionais de Salvador. Hoje, Itapuã é o quarto maior bairro em área de Salvador e o terceiro mais populoso, com quase 70 mil habitantes.

Em entrevista ao Portal A TARDE, o historiador Rafael Barros, que também é morador do bairro de Itapuã, lembrou dos primeiros passos da região, que teve início ainda no século XVII, após a implementação de uma vila de pescadores, cenário que perdurou até meados do século XX.

"Quando eles (pescadores) começaram a povoar Itapuã, fizeram com que o bairro se transformasse em uma vila e muito se fortaleceu em cima da pesca da baleia, que era algo muito famoso por conta dos rendimentos econômicos que se obtinha através da caça. Quando essa atividade começou a cair, os pescadores ficaram na região e foram imbuídos de povoar, formando a comunidade de Itapuã, que significa 'pedra mais à frente' ou 'pedra que se destaca'. Itapuã é o seu próprio centro, a gente possui de tudo aqui. Ainda assim, existe esse poder da pesca como grande valor cultural para a identidade do bairro", contou.

Imagem ilustrativa da imagem Itapuã: a vila de pescadores que virou referência na Orla de Salvador

Com essa origem, grande parcela da identidade de Itapuã se construiu em cima da atividade de pescaria. Presidente da Colônia Z6 e ativista da pesca artesanal, Arivaldo Santana, conhecido como Ari Pescador, de 55 anos, falou sobre a importância da prática para a comunidade local.

"Vejo como um fortalecimento da nossa identidade. Muita gente que mora em Itapuã não sabe que a gente vende peixe fresco, pescado no mar aqui do bairro. A gente faz uma divulgação, faz moqueca para pessoas que são de fora conhecerem nossa base. Tem vezes que a gente convida, outras vezes se tornam ações mesmo. Então é importante que as pessoas conheçam o nosso ambiente para fortalecer a nossa comunidade", afirmou o pescador.

Nesta mesma linha, reforça Rafael Barros acerca da necessidade das novas gerações e pessoas que visitem o bairro conhecerem o peso histórico de Itapuã. Essas mudanças têm impactado, inclusive, na rotina dos pescadores.

"A gente vem percebendo que a Colônia de Pescadores veio diminuindo com as últimas reformas. Têm pessoas que passam ali na frente e nem sabem do que se trata, acham que faz parte dos conglomerados de bares. Itapuã é um bairro que interliga Salvador e Lauro de Freitas, a partir da Dorival Caymmi, e temos um movimento urbanístico de tráfego muito grande, um comércio muito pujante. No entanto, essas pessoas não têm essa base histórica", explicou o historiador.

Ari Pescador, presidente da Colônia de Pescadores de Itapuã
Ari Pescador, presidente da Colônia de Pescadores de Itapuã |  Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

Gastronomia

Algo complementar a esse forte comércio local e que também corrobora para a atração de pessoas oriundas de outros bairros de Salvador ou, até mesmo, turistas de diversos cantos, está o setor de gastronomia.

Impulsionado pela atividade da pesca local, por exemplo, a venda de peixes e frutos-do-mar resulta em pratos para diversos restaurantes conceituados da capital, mas que terminam não sendo tão acessíveis à população em geral por conta dos altos preços.

Em contrapartida, outro destaque é o Acarajé da Cira, que se tornou um ponto turístico devido aos seus quase 60 anos de história.

"Temos poucos locais (restaurantes) nesse sentido que sejam acessíveis ao povo. Nossa região é cheia de peixes, pescadores, frutos-do-mar, mas grande parte das pessoas não tem acesso. Muitos terminam preparando em suas casas, como peixadas e moquecas. Então, penso que o acarajé traz essa importância histórica e cultura, mas o peixe também deveria ser mais acessível", pontuou Rafael.

Imagem ilustrativa da imagem Itapuã: a vila de pescadores que virou referência na Orla de Salvador

Religião

A religião também exerce um papel fundamental da identidade cultural e social de Itapuã. Movido por um misto de ancestralidade de matriz africana com as crenças ocidentais, o bairro possui inúmeros terreiros de candomblé e umbanda, mas também se movimenta para a lavagem das escadarias da igreja.

"O bairro é muito grande e esse movimento religioso está acontecendo em todas as partes do bairro. Apesar disso, percebo que no cotidiano essas atividades são mais limitadas ao seu grupo, sem grandes movimentações externas", completou o historiador.

Influenciada por uma rica tapeçaria de tradições afro-brasileiras, catolicismo e crenças indígenas, a espiritualidade permeia a vida cotidiana dos habitantes, refletindo-se em rituais, festivais e práticas que celebram a conexão com o divino e os ancestrais.

Uma curiosidade do local que a Festa de Yemanjá, tradicionalmente realizada no Rio Vermelho, teve sua origem em Itapuã e, até os dias atuais, continua sendo celebrada por alguns moradores. No entanto, segundo Arivaldo, a festividade em Itapuã mantém a característica sagrada.

"A festa de Yemanjá começou aqui em nossa base, em Itapuã, por volta de 1898. Depois foi levada ao Rio Vermelho, mas seguimos fazendo ela todo ano da forma tradicional. A nossa celebração não é profana, apenas a parte religiosa. Isso tem atraído muitos turistas, pessoas que não vão para o Rio Vermelho por não gostarem daquele modelo", disse Ari.

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