SALVADOR
Olhar Cidadão: Cade combate cartéis de combustíveis
Com a utilização de análise dinâmica de preços e filtros comportamentais, uma ferramenta em desenvolvimento pode auxiliar a detectar eventuais cartéis na venda de combustíveis. O tema foi debatido na última semana em audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
O filtro de detecção de cartel elaborado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) apontará regiões nas quais seja maior a probabilidade de ter ocorrido uma situação atípica que mereça investigação.
Vinculado ao Ministério da Justiça, o Cade tem como competências analisar e decidir sobre atos de concentração econômica entre grandes empresas que possam colocar em risco a livre concorrência; e investigar e julgar cartéis e outras condutas nocivas à livre concorrência.
“É um projeto em andamento, sigiloso no seu detalhamento, mas que pode ser apresentado dessa forma. A ideia é que criemos, com base em informações da ANP [Agência Nacional do Petróleo], um filtro que nos permita ter um mapa em tempo real dos preços praticados em postos de combustíveis”, afirmou Alexandre Barreto, presidente do Cade, durante a audiência.
Ele destacou, entretanto, que os dados do filtro serão mais uma ajuda às investigações, não significando evidências incontestáveis da existência de conluio em um determinado município ou estado.
Pela própria estrutura do sistema de distribuição e pouca diferença no produto comercializado (exceção feita ao casos de adulteração ou combustível aditivado), há uma tendência de homogeneização dos preços praticados na mesma praça, apontou Barreto. “É importante enfatizar isso, porque uma coincidência de preços, um fenômeno conhecido como paralelismo de preços, não significa que estejamos tratando de cartel necessariamente”, observou o presidente do Cade.
Atualmente, há 11 processos de investigação abertos pelo conselho, grande parte deles relacionada à conduta de sindicatos que indicam aos seus associados qual preço deve ser praticado. Desde 2013, o órgão já aplicou multas que somam R$ 495 milhões em 28 processos – os casos ocorreram em 17 unidades da Federação. Em 2017, chegou a ser feita uma intervenção na direção dos postos da Rede Cascol, que fechou um acordo de colaboração premiada e apresentou informações sobre o esquema, além de pagar R$ 148 milhões para reparação de danos aos consumidores.
O presidente do conselho destacou ainda que nem sempre as práticas ilegais ocorrem com preços semelhantes. “Um exemplo simples é um caso já investigado pelo Cade. Imagine uma cidade com três grupos dominando o setor de revenda, com o preço de equilíbrio para o consumidor de R$ 4,50. Se os três agirem de forma coordenada, podem subir esse preço para R$ 5,50 e passarem a simular descontos. O posto A pratica R$ 5,50; o B, R$ 5; e o C, R$ 6. Há uma aparência de concorrência quando não há. Essa dinâmica é analisada pelo Cade”, disse Barreto.
Em 2018, o Cade apresentou nove propostas para estimular a concorrência no segmento e diminuir os preços, entre elas permitir a venda direta de etanol dos produtores para os postos, repensar a tributação dos combustíveis, autorizar postos com autosserviço e extinguir a proibição da importação de combustíveis pelas distribuidoras.
Para Walter Tannus, presidente do Sindicombustíveis-BA, nenhuma medida foi tomada efetivamente “ao longo dos anos, não só desse governo”, para resolver a questão. “Existe um domínio muito grande das distribuidoras. O Brasil tem mais de 120 distribuidoras e apenas três concentram mais de 76% dos combustíveis. Um produto monopolizado na sua origem vai ter pouca diferenciação de preço-base. Se todos compram pelo mesmo preço, a tendência natural é que os preços estejam próximos”, afirma.
Modelo de distribuição impacta o setor
O diretor-geral da ANP, Rodolfo Henrique de Saboia, sustenta, entretanto, que diminuiu a concentração no setor de distribuição de gasolina e diesel nos últimos anos. “A nova política de preços da Petrobras, com base na paridade de preço internacional, e o aumento da importação favoreceram a competição nos diversos elos da cadeia. Nos últimos cinco anos, os quatro principais agentes tiveram sua fatia de mercado reduzida em 8% no mercado de gasolina e 9% no mercado de diesel”, afirmou Saboia, na audiência do Senado.
Saboia também aponta uma “aparente transformação” no mercado de postos. "Hoje, o mercado de postos não bandeirados corresponde a 45%. E 55% são os postos bandeirados, ou seja, vinculados a uma distribuidora. Está se aproximando o número de postos não bandeirados dos bandeirados. Essa distribuição não é homogênea no país, mas é uma indicação de que há uma dinâmica que aponta equilíbrio entre essas duas situações”, disse.
Vista por muitos como uma forma de estimular a concorrência no setor e baixar os preços, a venda direta do etanol dos produtores para os revendedores ainda não foi implementada por falta de uma solução tributária, segundo a ANP, já que é premissa do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) não causar uma perda de arrecadação. “Vemos com bons olhos a venda direta [do etanol] da usina para os postos. Não é possível que os entes ainda não tenham tido tempo para se debruçar sobre o assunto”, afirma o presidente do Sindicombustíveis-BA.
Além disso, Tannus diz que é preciso estudar a tributação dos combustíveis no país. “Se os governadores também não sentarem na mesa para ver como fica a questão tributária, esse problema não vai ser resolvido. Na Bahia, 27% da arrecadação do ICMS vem do combustível. Ou as autoridades públicas encaram como prioridade ou não vai ser resolvido nunca”, defende.
Presidente da CAE, o senador Otto Alencar tem acompanhado a discussão e é autor do projeto que autoriza a venda de etanol dos fabricantes diretamente aos postos. Aprovado no Senado ainda em 2018, o texto ainda não foi analisado pela Câmara dos Deputados. O parlamentar afirma que há um forte lobby contrário à proposta no Congresso. Ele relata que chegou a ser procurado por vários colegas de Senado na época em que apresentou o projeto. “Não entendemos por que as usinas não podem comercializar diretamente o etanol. O nosso projeto de resolução está na Câmara para apreciação”, afirmou.
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