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Pacientes lutam para ter melhor acesso ao canabidiol

Publicado domingo, 28 de março de 2021 às 06:00 h | Autor: Jane Fernandes
Ivanildes Nascimento e seu filho Erick, que tem hidrocefalia e paralisia cerebral e usa canabidiol há alguns meses.
Ivanildes Nascimento e seu filho Erick, que tem hidrocefalia e paralisia cerebral e usa canabidiol há alguns meses. -

Para a dona de casa Ivanildes Nascimento, 49 anos, não há dúvidas dos avanços do filho Erick, de 13, após começar a usar o canabidiol (CBD) em outubro de 2020. Um dos princípios ativos da planta Cannabis Sativa, popularmente chamada de maconha, a substância tem sido cada vez mais usada de forma medicinal. Na Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), a procura tem crescido em média 19% ao mês.

A utilização crescente do produto é reforçada por dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), onde o número de pacientes cadastrados para importar o CBD saltou de 10.862 para 26.885 entre 2019 e 2020. Ivanildes conta que há algum tempo tinha interesse em tentar o tratamento, mas que não havia a possibilidade de prescrição na unidade pública onde Erick é acompanhado. Foi então que outras mães de crianças com necessidades especiais falaram para ela sobre a Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab), sediada em Salvador.

Na Cannab, o caso de Erick, que tem hidrocefalia e paralisia cerebral, foi avaliado por um neurologista, recebendo indicação de uso do CBD. Desde então, ele é acompanhado também por esse especialista que integra a equipe de nove médicos voluntários da associação, conforme informado pelo presidente Leandro Stelitano.

Nível de atenção

O resultado mais esperado por Ivanildes era um ganho no nível de atenção do filho às atividades, pois era muito difícil que ele mantivesse o foco. Mesmo em poucos meses, tanto ela quanto as profissionais que acompanham o desenvolvimento cognitivo dele perceberam uma melhora significativa. Ela só contou do uso do canabidiol após esse retorno da equipe, acrescenta.

Erick utiliza o canabidiol produzido pela Abrace, associação sem fins lucrativos sediada na Paraíba, que conta com autorização judicial para cultivo de cannabis e produção do CBD. O produto custa de R$ 79 a R$ 640, segundo a direção da Abrace, mas Ivanildes conta que recebe gratuitamente. Segundo a entidade, atualmente, cerca de mil pessoas estão inscritas no seu programa social.

No caso do filho do engenheiro Rubens Reis, 38, o principal ganho trazido pelo CBD foi o controle das crises convulsivas que surgiram no terceiro mês de vida do menino, decorrentes da paralisia cerebral gerada por complicações no parto. Antes de iniciar o tratamento com o derivado da cannabis, Rubens Filho, de 9 anos, tinha até cinco convulsões por dia.

“A gente percebia que quando ele aprendia algo, após as crises parecia ter esquecido”, recorda Rubens, dizendo que as convulsões ocorriam mais durante cochilos. Quando Rubens decidiu testar o canabidiol, em 2018, após muita pesquisa, o filho utilizava três medicamentos combinados, em doses crescentes, e estava prestes a iniciar uma quarta medicação.

“As crises cessaram, a dosagem dos remédios não aumentou mais e ele se desenvolveu de forma geral, hoje ele interage muito mais com a gente”, explica o engenheiro. Além disso, a dose de uma medicação foi reduzida e seus médicos avaliam reduzir as outras duas.

Diagnosticada com neuralgia do trigêmeo há cerca de dois anos, Ivana dos Santos Meireles, 39, professora, sentia dores tão intensas, acompanhadas de uma sensação de choque, que chegava a desmaiar. “A doença persiste, mas o canabidiol segurou os desmaios, porque diminuiu a dor, então agora só ocorrem se eu estiver sob estresse extremo”, conta.

A complexidade da neuralgia faz com que Ivana seja acompanhada por 16 profissionais, somando os da área de saúde e os que atuam com tratamentos complementares como acupuntura, conforme relata. Com a ansiedade gerada pela pandemia, ela pretende conversar com a médica para fazer um ajuste da dose do CBD, pois o que tem concentração suficiente para reduzir sua dor, acaba fazendo com que fique mais ansiosa.

Futuro

Um dos médicos que atendem aos associados da Cannab, o neurologista Antônio Andrade, presidente da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia, estuda o uso da cannabis medicinal há cerca de dez anos. Entusiasta de fitoterápicos, Andrade considera que a cannabis é o futuro da medicina e destaca o volume crescente de pesquisas sobre a planta.

Doutor em neurologia, ele explica que a cannabis tem 526 substâncias na sua composição e cerca de 120 delas têm propriedades medicinais, embora os estudos estejam mais concentrados no CBD e no THC (tetra-hidrocanabinol). Andrade ressalta os benefícios do canabidiol para pessoas com epilepsia, dor crônica, doença de Parkinson e distúrbios psiquiátricos, entre outras patologias. “Quando fala em cannabis, muitos dos doentes ainda não aceitam, por conta de aspectos sociais, políticos, religiosos…”, diz o neurologista, afirmando que falta conhecimento sobre o tema. Ele lamenta que o CBD não seja amplamente acessível.

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