SILÊNCIO PERDIDO
Poluição sonora afeta a rotina e tira a paz dos soteropolitanos
Festas, 'paredões', obras e até mesmo ruídos provocados por vizinhos podem ferir a Lei do Silêncio
Por Daniel Genonadio
Depois de uma longa de semana, nada mais justo do que curtir os dias de descanso da melhor maneira possível. Para alguns, é sair e se divertir na noite. Para outros, viajar. Já os mais reservados só querem aproveitar os dias de sossego no conforto do lar. Mas, o que fazer quando aquele breve momento que deveria ser seu e da sua família é invadido por sons altos que estragam o bem-estar? Para isso que serve a Lei do Silêncio.
Conforme a Lei 5.354/98, o volume permitido em qualquer tipo de atividade sonora em Salvador é de 70 decibéis entre 7h e 22h, e de 60 decibéis das 22h às 7h. A multa varia de acordo com os decibéis excedentes e fica entre R$ 1.089,00 e R$ 178 mil.
"A perturbação do sossego é considerada contravenção penal pela lei, com pena de prisão simples ou multa. No campo prático, entretanto, questões relacionadas a ruídos costumam ser resolvidas na esfera civil ou administrativa. No que diz respeito às multas impostas pelo Poder Público, deve-se perceber que tal aplicação se dará através de processo administrativo com direito à defesa do cidadão no auto de infração", explica o advogado Tiago Almeida.
A fiscalização acontece de duas formas: mediante denúncia pelo Fala Salvador, no telefone 156, e através da Operação Sílere, um roteiro organizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur), em conjunto com as Polícias Civil e Militar e a Transalvador, sobretudo em locais com alto índice de violência. O objetivo é evitar o uso de som em logradouro público em horários e limites acima do permitido.
A Operação Sílere existe há 10 anos e tem como foco principal o combate à poluição sonora. Toda semana, representantes de cada órgão traçam um roteiro de fiscalização através de denúncias do Ministério Público, Defensoria Pública e Fala Salvador.
De acordo com a subcoordenadora de fiscalização sonora da Sedur, Márcia Cardim, de janeiro a abril deste ano foram recebidas mais de 11 mil denúncias. Somente no último fim de semana (1º a 3 de abril), foram apreendidos 55 equipamentos sonoros, a maioria no bairros de Itapuã, Paripe e Boca do Rio.
Os temidos 'paredões'
Em uma metrópole como Salvador, os ruídos estão em toda parte, mas alguns se destacam. É o caso das festas do tipo paredão, que se tornaram dor de cabeça para o poder público. Os eventos consistem na concentração de jovens ao redor de carros de som, geralmente em logradouro público. Os 'paredões' acontecem em bairros populares e populosos de Salvador durante os finais de semana e avançam pela madrugada, causando incômodo na população.
"Eu morava perto de uma praça e tinha movimento de vários carros, com vários sons. O som era até a madrugada e a situação era do tipo da minha televisão estar no volume 100 e eu não conseguir ouvir, de móveis vibrando, a porta tremia. Nessa época, eu tinha um filho recém-nascido e isso incomodava muito. A mãe pós-parto precisa de tranquilidade, e era um incômodo para mim e para o meu filho", lembra Daiane Santos, sobre o problema que enfrentou enquanto morava na Fazenda Grande III, na região de Cajazeiras.
Com um bebê de colo, Daiana chegou a ir ao local pedir para reduzirem o volume do som, denunciou três vezes e, em apenas uma delas, conseguiu apoio da Polícia Militar, que chegou ao local e colocou fim ao paredão. Ela relatou que a situação pouco mudou nos últimos anos e os familiares que continuam morando no bairro ainda sofrem com a situação a cada final de semana.
"Festa paredão é um problema de segurança pública, em conjunto com a poluição sonora. A poluição ocorre nessas festas, geralmente feitas em logradouro público, e a gente sabe que ilícitos acabam acontecendo. O apoio da Polícia Militar é de grande relevância para tentar coibir as irregularidades encontradas", destaca Márcia Cardim. "A nossa maior quantidade de apreensão é de veículo automotor", acrescentou a subcoordenadora de fiscalização sonora.
Obras públicas
Mas o que fazer quando o problema é ocasionado por quem deveria combatê-lo? É o caso que envolve Ingrid Maria Machado, que mora próximo à obra de reconstrução da Escola Municipal Nossa Senhora dos Anjos, no bairro de Brotas. A construção começou há sete meses e tem atrapalhado a vida dela e dos filhos gêmeos, que estão perto de completar um ano de vida.
"Atrapalha muito, as crianças ficam presas em casa, não conseguem brincar na área aberta que fizemos para elas, não dormem mais durante a tarde. Então ficam crianças mais nervosas, chorosas", contou Ingrid, que decidiu deixar o apartamento que morava com o marido para uma casa maior, para ter mais espaço para os filhos.
Ela ainda relata que, nas últimas semanas, a obra passou a ser feita das 7h às 21h, e sempre com muito barulho. "Durante a noite, também não consigo que as crianças durmam mais cedo porque, nas últimas semanas, eles tem estendido até 21h, 21h30. Mudou completamente a rotina das crianças".
Situação parecida vivem os moradores da Rua Professor Artur Mendes de Aguiar, no Barbalho. Uma obra de contenção que deveria ter terminado no segundo semestre de 2021 ainda não foi concluída. Apesar de reconhecer a importância do serviço para a população do bairro, Regina Leite, moradora da rua, relatou que a movimentação começa às 6h30 e segue até a noite, todos os dias.
Ao Portal A TARDE, funcionários da obra de contenção afirmaram que o serviço está próximo do fim e deve ser concluído ainda neste mês.
"Sabemos que toda construção gera ruído. Não tem como fazer qualquer modificação da cidade sem ruído. O que a gente recomenda ao cidadão é registrar a denúncia através do 156, então o fiscal vai até o local solicitar as autorizações e informações de horário de início e de término. O município tenta minimizar com a empresa de engenharia para reduzir os ruídos e os maquinários mais pesados serem utilizados durante o dia", explica Márcia Cardim sobre as obras públicas.
Os incômodos diários
Mas nem só as festas geram problemas relacionados à poluição sonora e à Lei do Silêncio. Situações cotidianas como brigas de casal, arrastar de móveis e, até mesmo, um som um pouco mais alto do vizinho podem incomodar. Em casos do tipo, a recomendação é sempre resolver na base do diálogo.
"De fato, quando o assunto é vizinhança, existe ampla margem de problemas a envolver emissões de ruídos. A forma mais adequada de lidar com isso, na medida do possível, é o diálogo. Cabe lembrar que, na vizinhança, as pessoas ali presentes convivem todos os dias. Quando o problema não puder mais ser resolvido pelo diálogo, o socorro das autoridades é um recurso à disposição do cidadão", enfatiza Tiago Almeida.
"É possível se amparar da autoridade policial em caso de perturbação do sossego por ruídos fora do limite legal. Caberá ao ofendido avaliar os riscos à sua segurança e integridade física na eventual tentativa de diálogo com os vizinhos. Caso o diálogo não traga resultado ou caso o cidadão venha a se sentir exposto ao reclamar, enxerga-se momento adequado de denunciar o fato", acrescentou o advogado.
A Sedur também avalia a situação da mesma maneira. "A melhor forma é o diálogo entre as partes. A gente passou por um momento crítico na pandemia em que teve um aumento de denúncias considerável, inclusive de residências. Então a gente faz um trabalho de orientação à população. Mas, se não houve acordo, tem que ligar para o 156 (canal oficial da Prefeitura). A conscientização da população é muito importante, por mais equipe que a Sedur disponibilize, a gente não vai conseguir sanar a realidade de poluição sonora enquanto as pessoas não tiverem consciência", finaliza Márcia Cardim.
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