SALVADOR
Professor da UFBA é ameaçado por empresa que teve quebra de sigilo na CPI da Covid
Por Matheus Calmon
Após 35 anos de estudos e 27 anos lecionando História, principalmente na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o professor Carlos Zacarias é alvo de uma tentativa de redesignação das próprias ideias.
Em julho, ele foi alertado por um estudante do grupo de mestrado que coordena sobre uma indicação da estudo complementar, feita pela Secretaria de Educação da Bahia, de um conteúdo produzido pela Brasil Paralelo.
A empresa em questão foi fundada em 2016 e produz material audiovisual sobre história, política e atualidade, com viés da direita e alinhada às ideias de personalidades da extrema-direita.
A Brasil Paralelo foi alvo de quebra de sigilos fiscal e telemático, no período que corresponde ao início da pandemia. O pedido foi feito pela CPI da Covid e atendido pelo Supremo Tribunal Federal.
Segundo o requerimento, a produtora "influenciou fortemente na radicalização política adotada pelo Palácio do Planalto, interferindo e influenciando ações políticas por meio da divulgação de informações falsas em redes sociais". Após o alerta, o professor usou suas redes sociais para se manifestar contrário à indicação.
"Como sou alguém que estuda o revisionismo e negacionismo, tenho material publicado, e trabalho muito com história política, conheço a Brasil Paralelo. Com esse print na mão, fiz um post no Facebook no dia 11 de julho, chamando a atenção da Secretaria sobre os fatos", disse.
"Para minha surpresa, o post repercutiu e recebi no inbox vários contatos, a maioria de professores. Recebi contato de pessoas da Secretaria alegando que houve, sim, um erro, durante a transição para o ensino online e, na pressa, essa indicação havia passado, mas isso seria corrigido. Soube, no mesmo dia, que eles tiraram a indicação", afirmou o professor, em conversa com o Portal A TARDE.
Confira a publicação:
Entretanto, dias depois, na sexta-feira, 20, a Brasil Paralelo enviou uma notificação extrajudicial com 14 páginas, afirmando que foram vítimas de difamação por parte do professor, que os chamou de "olavistas" e "negacionistas".
"Me fizeram essa notificação ameaçando me levar à Justiça Civil e Criminal, se eu não me retratasse em sete dias", afirmou o professor, que acionou advogados e considerou absurda a tentativa de calar a voz das pessoas por parte da empresa.
"Não é a primeira vez que acontece isso comigo e que essa empresa faz isso. No mesmo grupo de pesquisa, há dois jovens estudantes que escreveram artigo sobre a Brasil Paralelo e receberam ameaça. Ou seja, não querem que ninguém fale dela, ou só elogiando". O professor denunciou o ocorrido em suas redes sociais e ganhou amplo apoio de professores, estudantes, público geral e, inclusive, da Associação Nacional de História.
Em nota, a Associação afirmou: "O ódio à democracia e à pluralidade de histórias é capturado por uma máquina comercial que reproduz ressentimentos e ignorância. O fato de terem escolhido o professor e a professora de história como seus inimigos mostra apenas que a escola e a ciência autônoma são ainda as grandes guardiãs da democracia. Não temos outro caminho para resguardar o conhecimento que emancipa, senão aquele que garante a plena liberdade a seus praticantes. [...] Precisamos estar unidos na defesa, em especial, da história ensinada na educação básica. Nossas professoras e nossos professores estão na linha de frente da luta contra os obscurantistas. Apesar dos ataques, são eles que, há anos, desenvolvem respostas e projetos, que precisam ser conhecidos e divulgados, para uma história plural e democrática" [leia a nota na íntegra abaixo].
Entre os pontos que considera absurdo nos conteúdos produzidos pela Brasil Paralelo, o professor apresenta um trecho de um dos materiais, onde o ex-presidente Getúlio Vargas é apresentado como alguém que se inspira na "coisa mais pai dos pobres, que é o programa trabalhista fascista".
Entre feitos do ex-presidente, é citada a Consolidação das Leis do Trabalho, que a produtora considera prejudiciais aos trabalhadores a longo prazo, pois, segundo a Brasil Paralelo, aumenta o "custo Brasil", uma vez que o país se torna desvantajoso pelos impostos e encargos trabalhistas, onera as empresas e resulta no empobrecimento geral do povo e direcione as empresas a outros países.
O professor afirmou que uma editora também recebeu a notificação e publicou a retratação, mas ressaltou que, em nenhuma hipótese, vai se desculpar e se retratar.
"É uma tentativa de intimidação que funcionou com a editora, não com os autores, mas não pode funcionar com professores, pois assim estamos abrindo as portas para o arbítrio. Imagina se toda aula de História for dada por empresa? Onde nós vamos parar?".
O Portal A TARDE tentou contato com a Brasil Paralelo, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno.
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