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RONDA NOTURNA

Projeto promove acolhimento e segurança a profissionais do sexo

Instituição Beneficente Conceição Macêdo atua há mais de 30 anos ajudando mulheres, transexuais e travestis

Por Filipe Ribeiro

26/10/2022 - 6:00 h | Atualizada em 26/10/2022 - 15:22
Karen Sury foi acolhida pela IBCM e conquistou nova identidade com nome social
Karen Sury foi acolhida pela IBCM e conquistou nova identidade com nome social -

Seja em grandes avenidas ou em ruas menos movimentadas de Salvador, as profissionais do sexo - mulheres, transexuais e travestis - seguem na labuta diária para garantir o sustento ao fim do mês. Em 2019, a Associação de Prostitutas da Bahia contabilizava 820 profissionais cadastradas na capital baiana. No ano seguinte, com a pandemia da Covid-19 e o esvaziamento das ruas, obter uma renda mínima se tornou ainda mais difícil. Para minimizar os prejuízos financeiros e promover maior segurança ao trabalho destas pessoas, a Instituição Beneficente Conceição Macêdo (IBCM) realiza uma ação de auxílio por meio de rondas noturnas na capital baiana.

“A pandemia foi muito difícil, mas tivemos que trabalhar assim mesmo. Eles começaram a dar cestas básicas e valores de R$ 50. Foi uma ajuda muito grande. Ficamos muito felizes. Pra nós, que vínhamos trabalhar, não ficávamos até tarde por aqui. Quando dava 19h ficava tudo deserto, a gente tinha que ir embora e não conseguia ganhar dinheiro”, relata uma profissional do sexo que preferiu não se identificar.

A IBCM funciona no bairro de Nazaré, desde 1989, com a missão de promover saúde, prevenção e assistência a pessoas que vivem com o HIV. Dona Conceição, fundadora do projeto que leva seu nome, atua com este objetivo há mais de 30 anos. Foi na pandemia que o projeto passou por um momento de colaboração, arrecadando fundos e produtos através de rifas, lives e doações. Com esta ajuda, a IBCM conseguia ofertar cestas básicas para a todas as acolhidas pelo projeto.

As chamadas "Rondas Noturnas" da IBCM percorrem um roteiro por Salvador a cada 15 dias, sempre às quintas, beneficiando de 60 a 100 profissionais do sexo por edição. Durante as paradas e os encontros com as profissionais do sexo, é feita uma abordagem simples mas acolhedora: "Gel e preservativo?". Sorridentes, as meninas - como são chamadas pelos integrantes da ação - não hesitam em receber os cuidados de saúde.

Enxergo o projeto como um amor de mãe. São pessoas que se preocupam, estão sempre nos prevenindo e nos presenteando.

Michelle Abravaneli de Souza - mulher trans de 43 anos

A IBCM reúne funcionários e voluntários para distribuir kits com itens para uma relação sexual segura, mas também lanches, bijuterias, batons, presentes para aniversariantes e até cestas básicas para algumas destas profissionais.

“Eu enxergo o projeto como um amor de mãe. São pessoas que se preocupam, estão sempre nos prevenindo e nos presenteando. Os valores em dinheiro e cestas básicas também ajudam, porque nem todas nós moramos com família, dependemos de aluguel. É uma ajuda bastante reconhecida”, relata Michelle Abravaneli de Souza, mulher trans de 43 anos.

A educadora social e coordenadora da instituição, Ana Paula Nerys, destaca a felicidade de fazer este projeto acontecer. "É uma satisfação. A gente chega, dá aquele carinho. Muitas vezes, entregamos um valor para elas e, a depender da menina, elas pegam esse valor e vão embora, não fazem mais serviço durante a noite", explica.

Estar nas ruas durante a noite, seja no bairro da Calçada, Fazenda Grande ou na orla da capital baiana, não se trata de uma escolha profissional, mas uma saída para estas pessoas.

"Não pensamos que elas estão em um lugar que escolheram, mas sim em um lugar em que foram completamente marginalizadas, e a única opção é aquela ali. Elas estão ali durante a noite, suscetíveis a mais violências do que elas sofrem durante o dia inteiro. Ser LGBT é isso, é viver uma vida inteira de violações de direitos todos os dias", explica a psicóloga Larissa Galvão, assistente de coordenação do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBTQIAPN+ (CPDD) e integrante do projeto.

Integrantes do projeto saem para acolhimento nas ruas em todas quintas-feiras a cada quinzena
Integrantes do projeto saem para acolhimento nas ruas em todas quintas-feiras a cada quinzena | Foto: Filipe Ribeiro | Ag. A TARDE

O acolhimento é reconhecido pelas profissionais do sexo que, ao ouvirem as insistentes buzinadas do carro com os integrantes do projeto, aparecem com um brilho nos olhos que contrasta ao momento vivido por elas nestas noites, estando suscetíveis a violências e abusos madrugada adentro.

Segurança sexual

Além do kit com gel lubrificante e preservativos, o projeto também leva para as profissionais os autotestes de HIV. A segurança sexual ofertada pelo projeto ajuda muitas a vencerem a barreira do preconceito, já que ficam com vergonha de pedir estes produtos nos postos de saúde de Salvador, segundo relata uma delas.

“Eu não tenho coragem de ir pro posto pedir camisinha. Eles dão três, quatro, mas vão dizer que sou piriguete, constrange e dentro do meu bairro não fica legal. O projeto dando as camisinhas é o barato. Quando não consigo pegar aqui, peço a uma das colegas. Isso traz uma segurança. Quando a profissional do sexo apronta, sai na televisão; mas quando é certa - como meu caso, que sou mãe de família, tenho cursos, tenho habilitação A e B -, não recebe atenção. Se não existisse o projeto, eu teria que pagar pelas camisinhas”, diz uma profissional do sexo que preferiu não se identificar.

Momento da entrega de um autoteste de HIV durante a 'Ronda Noturna'
Momento da entrega de um autoteste de HIV durante a 'Ronda Noturna' | Foto: Filipe Ribeiro | Ag. A TARDE

Os autotestes de HIV começaram a ser distribuídos como forma de 'abraçar' as pessoas que enfrentam dificuldades para acessar os serviços de saúde por uma série de motivos. Desta forma, o projeto inclui a distribuição em locais de sociabilidade desta população e para pessoas mais vulneráveis ao HIV. Os testes também são fornecidos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), de forma gratuita. Os itens distribuídos pela IBCM são cedidos pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab).

Para fazer uma doação à Instituição Beneficente Conceição Almeida, basta entrar em contato pelos números (71) 3450-5769 / 3450-9759 ou pelo perfil no Instagram @IBCM. Também é possível fazer depósitos para a conta no Banco do Brasil (001) – Agência: 0904-0; conta corrente: 254.651-5; código SWIFT: BRASBRRJRCE; código IBAN: BR1500000000009040002546515C1.

Conquista social

Foi através do acolhimento da IBCM que a mulher trans Karen Sury, de 43 anos, foi encaminhada ao Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBTQIAPN+ (CPDD), onde conseguiu emitir uma nova identidade com o nome social. Com a ajuda do órgão, os seis meses de frustração e burocracia para ser reconhecida como ela é deu lugar ao sentimento de gratidão.

“Elas me indicaram e, lá, fui bem acolhida. Me ajudaram com transporte para tirar o CPF pela primeira vez. Depois disso eu dei entrada na minha retificação, que foram elas que conseguiram depois de 15 dias, com ajuda da advogada, Dra. Bianca. O processo foi muito rápido, me surpreendi com o atendimento, me senti em casa”, diz Karen.

O CPDD é um equipamento da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia e tem o objetivo de promover e defender os direitos dessa população. A equipe do órgão conta com advogados, assistentes sociais, psicólogos, além de funcionários responsáveis pelo acolhimento dos interessados nos serviços prestados.

O vínculo do acolhimento se estende ao cuidado de indicar e incentivar a ida das profissionais do sexo ao CPDD, onde as ações do órgão podem garantir que estas pessoas sejam vistas e lembradas socialmente.

“Chegamos lá para cuidar e é gratificante sentir que elas estão sendo cuidadas. Nós fortalecemos esse vínculo, elas vão se familiarizando e, com o tempinho que temos para conversar, nós indicamos ao CPDD, e muitas acabam se tornando nossas assistidas através de lá”, conta Larissa Galvão.

A sede do CPDD fica na rua do Tijolo, no bairro do Pelourinho, e funciona das 8h às 17h. Quem deseja conhecer, precisa de ajuda com alguma questão ou de um acolhimento, basta entrar em contato através do Whatsapp (71) 99931-0329 e, no Instagram, através do perfil @cpddbahia.

Coordenadora da IBCM faz entrega de kit para profissional do sexo
Coordenadora da IBCM faz entrega de kit para profissional do sexo | Foto: Filipe Ribeiro | Ag. A TARDE

Já se aproximava das 22h quando a Ronda Noturna se encerrava, com um roteiro que passa pelos bairros de Roma, Calçada, Fazenda Grande do Retiro, Pituba, Boca do Rio e Itapuã.

“Estou há 20 anos na noite trabalhando. Nesse tempo todo, trabalhando como mulher trans, a IBCM, tia Conça (Dona Conceição) e o pessoal do projeto foram anjos. Dão atenção para as profissionais do sexo, e eu só tenho o que falar bem e agradecer. É o único órgão que vem nas ruas, que dá lubrificante, camisinha, dá atenção e presentes no fim de ano. Agora, com o Casarão da Diversidade (onde funciona o CPDD), só traz ajudas às trans, com vários serviços. Tia Conça é uma mãe para mim”, finaliza Karen Sury.

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