SALVADOR
Rede ampla exige ITIV justo na capital
Forma de cálculo e cobrança pela prefeitura de Salvador do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITIV) é alvo de críticas
Por Priscila Dórea
De corretores de imóveis a entidades empresariais, passando por parlamentares e juristas – uma rede de mobilização cada vez mais ampla segue se mobilizando contra a forma de cálculo e cobrança pela prefeitura de Salvador do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITIV). A base de cálculo é considerada “extorsiva” e prejudica a economia da cidade, apontam especialistas.
Um imposto “absurdo” que, além de não condizer com a realidade do mercado, faz com que quem compra e vende imóveis adie os planos, e quem intermedia as negociações perca clientes.
Essa a visão do corretor Adalberto Duque, que já teve mais de 10 negociações canceladas por causa do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITIV), tributo municipal que, de acordo com tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), deve ser calculado tendo como base o valor de compra do imóvel.
O problema? A prefeitura de Salvador estima o chamado valor venal dos imóveis e calcula o tributo com base nele. Um procedimento comum, porém o valor dado pela prefeitura costuma superar – e muito – o valor real de venda do imóvel, quase dobrando a cobrança do ITIV.
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) vem emitindo liminares reconhecendo que a base de cálculo para pagamento do ITIV em Salvador deve ser o valor da transação imobiliária declarado pelo contribuinte.
No entanto, lamenta o corretor, hoje, se alguém for comprar um imóvel, apesar do que diz o TJ-BA e o STJ, a cobrança ainda é feita, para o profissional, de uma forma injusta.
“E esses valores aumentam todo mês. Há algum tempo estava negociando a venda de um imóvel por R$ 330 mil. Porém, quando fui verificar no site da Sefaz o valor do ITIV, descobri que a prefeitura considerava que aquele imóvel valia R$ 790 mil, e o valor do ITIV teria que ser calculado em cima disso. O cliente desistiu e essa foi uma das mais de 10 vendas que perdi por causa dos impostos abusivos nos últimos meses”, lamenta.
Cálculo
A alíquota do ITIV é de 1% para imóveis populares e 3% para os demais tipos. E o preço-base usado pela Secretaria da Fazenda de Salvador (Sefaz) tomou proporções abusivas no primeiro mandato de ACM Neto como prefeito, afirma o diretor da Nova Soluções Imobiliárias, Noel Silva, diretor do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da Bahia (Creci-Ba), pioneiro na mobilização para a volta de um tributo justo.
“Logo no início do governo de [ACM] Neto esse valor subiu muito e continuou aumentando no decorrer dos anos, com a inflação tornando toda a situação absurda. É um imposto que não condiz com as variáveis do mercado”, explica.
O Creci chegou a fazer ofícios e pedir audiências com os titulares da Sefaz, mas não teve retorno. “Ano passado, fizemos uma campanha muito forte para debater esse assunto e enquanto fazíamos isso veio essa decisão maravilhosa do STJ e agora esse PL do vereador Edvaldo Brito. Isso tem repercutido não só em Salvador, mas em cidades como Lauro de Freitas, por exemplo. A verdade é que, se o município quer determinar um valor maior do que o negociado entre as partes, é ele que deve mandar alguém avaliar todos os imóveis e respaldar esses argumentos quanto ao valor que julga ser o correto”, pontua Noel.
Professor, advogado tributarista, jurista e vereador, Edvaldo Brito criou o Projeto de Lei (PL) 58/2022, que tem o objetivo de alterar a forma de cobrança do ITIV em Salvador.
O PL já foi aprovado nas comissões de Constituição e Justiça e de Finanças, e agora irá para o Plenário. De acordo com Brito, o ITIV se tornou abusivo após a Lei 8.421, de 15 de julho de 2013, quando o então prefeito alterou a legislação do imposto. Como vereador, ele apresentou ao pacote “extorsivo e abusivo” 29 emendas naquela mesma época.
“Tive sucesso em algumas, mas a maioria dos vereadores era fiel ao prefeito e derrotou as minhas propostas de modificação. Mas desde 8 de outubro de 2013 muitas dessas propostas vêm sendo adotadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), só que desde 2013 a lei de Salvador não respeita o STF ou o Código Civil. E não são só empresas imobiliárias prejudicadas, mas toda a população de Salvador, que fica impossibilitada de comprar um teto por causa de um imposto abusivo, proibitivo e contrário ao povo pobre”, enfatiza Brito.
E o valor do ITIV encarece outras taxas, salienta Noel Silva, pois os cartórios seguem a orientação e valores estabelecidos pela prefeitura, calculando os tributos que exigem com base nesse valor.
“As pessoas são pegas totalmente de surpresa por precisarem pagar tantos impostos, quando apenas querem comprar uma casa”, afirma o diretor.
Além do Creci, o PL também tem o firme apoio da Associação Comercial da Bahia (ACB), que em nota afirmou que “a base de cálculo do ITIV não pode, em qualquer hipótese, ser arbitrada unilateralmente pela prefeitura em dissonância com o real valor da transação do imóvel”.
O apoio veio também da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA), e o 1º vice-presidente da entidade e diretor da Franisa Empreendimentos Imobiliários Ltda., Marcos Melo, explica que o PL é importante justamente para transformar essa liminar em lei, dessa forma obrigando a prefeitura a implementar esse novo entendimento na cobrança.
“A legislação precisa mudar. O ITIV é um custo de operação, e quando fica muito alto, inibe o mercado, pois são preços irreais e o setor imobiliário tem sofrido uma crise muito grande. Na minha empresa, em especial, não chegamos a perder nenhum negócio, mas todos os clientes reclamam muito desses impostos nas negociações”, conta.
O economista, empresário e ex-incorporador imobiliário Julival Góes destaca que as dificuldades criadas por esses tributos excessivos atrasam projetos e o contribuinte não vê o que foi feito com esse dinheiro.
“As incorporadoras pequenas são as que recebem a primeira paulada, sofrendo para conseguir vender os imóveis que têm os valores muito aumentados por causa dos impostos. É imposto e mais imposto, mas nós não vemos o resultado de tudo isso que é arrecadado, com as pessoas não conseguindo deslanchar projetos pelo valor excessivo desses tributos”, lamenta.
Sefaz
Em nota, a Sefaz informa que tem adotado a legislação municipal vigente nas análises dos pedidos de transmissão de imóveis, e que a Lei Municipal 7.186, de 2006, prevê que a base de cálculo do imposto não pode ser inferior ao valor venal do imóvel, considerando o valor negociado à vista – em condições normais de mercado.
Além disso, a nota pontua que o soteropolitano que não concordar com a base de cálculo do imposto pode solicitar avaliação especial, desde que apresente fundamentos e dados da transação.
A pasta ainda salientou que a guia de pagamento do ITIV é emitida automaticamente quando o valor declarado pelo contribuinte está adequado ao valor venal no cadastro imobiliário.
Ter um diálogo com a Sefaz, no entanto, afirma o presidente da Associação de Empresas da Tancredo Neves (AETN), Luiz Blanc, é “impossível”. E explica: “Apoiamos esse movimento porque o valor cobrado pelo ITIV é totalmente fora da realidade e uma crueldade. A população ainda não entende a verdadeira dimensão do problema. É um cálculo esdrúxulo que não considera o quanto o mercado é dinâmico e o quanto o setor imobiliário tem sofrido. O que eles não entendem é que não vemos problema algum em pagar imposto, desde que ele seja justo e não escorchante”.
Liminares 'sem volta', diz especialista
As decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em prol da população são de caráter liminar (ordem judicial provisória), e mesmo que o projeto de lei para mudar o cálculo atual ainda esteja tramitando, a possibilidade de a prefeitura reverter as liminares é pequena.
“Em tese, qualquer decisão judicial é reversível até transitar em julgado. Neste caso, as chances são mínimas, o tema está pacificado nas cortes superiores. O que o Município faz é insistir na ilegalidade para manter a arrecadação, prolongando o abuso. É uma batalha perdida”, avalia o presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA), Leonardo Nuñez Campos.
Há muitos anos os municípios de todo o Brasil insistem em cobrar o tributo sobre um valor de tabela, que muitas vezes é maior do que o valor do negócio, explica o advogado.
Uma prática, ele enfatiza, “abusiva” contra o cidadão. Quem quer acionar a Justiça contra a cobrança deve escolher um advogado de confiança para fazer a postulação.
Duração
“Esse processo pode levar uma média de 3 a 5 anos, mas com uma decisão liminar o contribuinte já consegue registrar a transferência do imóvel. Entre o ingresso da ação e a obtenção da liminar, o tempo médio é de 15 dias. E, sim, existem chances reais de o cidadão ser ressarcido do valor que pagou a mais para o Município nos últimos cinco anos. Para isto deve, também, contratar um advogado para postular judicialmente”, orienta.
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