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Ronda Maria da Penha atende 492 vítimas na capital baiana

No primeiro semestre deste ano, o serviço já recebeu 182 medidas protetivas das varas de Violência Doméstica e Familiar de Salvador

Publicado quarta-feira, 20 de julho de 2022 às 05:00 h | Atualizado em 20/07/2022, 19:58 | Autor: Jade Santana*
Empresária Clara Martins sofreu agressão física, sexual e psicológica do parceiro, além de abuso patrimonial
Empresária Clara Martins sofreu agressão física, sexual e psicológica do parceiro, além de abuso patrimonial -

A empresária Clara Martins, 41 anos, está em uma casa de acolhimento e sob medida protetiva depois de ter sido agredida física, sexualmente, e psicologicamente pelo parceiro, que também provocou abuso patrimonial. No primeiro semestre deste ano, a Ronda Maria da Penha já recebeu 182 medidas protetivas das varas de Violência Doméstica e Familiar de Salvador. Atualmente, 492 mulheres são atendidas pelo serviço na capital baiana.

O serviço, fruto da articulação da Secretaria de Políticas para Mulheres junto a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, tem como atividade principal a realização de visitas diárias de acompanhamento das vítima que tiveram a medida protetiva de urgência deferida pela Justiça. “Fazemos visitas com certa frequência, dependendo do grau de risco em que elas podem estar. Todos os dias estamos na área protegendo essas mulheres”, garante major Tereza Raquel, comandante da Ronda Maria da Penha. Sobre quantidade de medidas na Bahia, nos últimos dois anos, o Tribunal de Justiça da Bahia não respondeu até o fechamento desta edição.

Clara tem 41 anos e relata que sobreviveu aos abusos físico, psicológico, patrimonial e sexual feitos pelo namorado, que conheceu em um aplicativo de relacionamentos durante a pandemia, por quase 1 ano e meio. “Ele se mostrou um homem culto, educado, viajado, era empresário e havia tido outros relacionamentos. Só alegava ter depressão porque as ex-mulheres o afastava dos filhos. Ninguém diria que eu viveria um pesadelo”.

Mais agressões

“Quando ele começou a frequentar minha casa, iniciaram as atitudes violentas. Andava armado, me ameaçava, interferia nas minhas decisões, me afastava da minha família. Fez dívidas em meu nome. Hoje, só tenho uma máquina de lavar roupas e um fogão. Perdi minhas empresas. Eu não via mais perspectiva de futuro. Era uma escrava".

Depois de uma noite de agressões, Clara fugiu do cárcere e começou a gritar por ajuda no corredor do prédio e um vizinho acionou o 190. Hoje, ela está em um lugar sigiloso sob proteção, enquanto espera o julgamento do agressor. "A violência afeta todas as mulheres, independente da classe social. É preciso ficar atento, perceber os sinais, e não ter medo de denunciar. As pessoas até acharam estranho isso acontecer comigo, mas pode acontecer com qualquer uma”.

O historiador Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, concorda com Clara, mas ressalta a importância de apontar que mulheres negras e pobres continuam sendo as vítimas mais frequentes de agressão. "É importante a gente pensar que a violência contra a mulher é um resultado das relações patriarcais que baseiam a nossa sociedade. Obviamente, isso vai atingir todas as mulheres, mas é interseccionada por outros cruzamentos, que provocam níveis diferentes de violência e atingem, sobretudo, mulheres negras e pobres".

De acordo com o último relatório da Rede de Observatórios de Segurança da Bahia, ‘Elas Vivem: Dados da Violência contra a Mulher’, a Bahia registra um caso de violência contra a mulher a cada dois dias. Foram 200 registros em 2021, 89 casos a menos que em 2020. 

Apesar do estado ter apresentado uma queda de 31% nos registros de violência doméstica, se os tipos de violência sofridas por essas vítimas forem analisados, não há grande variação entre os anos de 2020 e 2021 quando se trata de feminicídio: de 70 para 66 casos. A partir dos casos catalogados, foram 50 tentativas de feminicídio/agressão, 66 feminicídios e 29 casos de violência sexual e estupro, tendo o estado liderado nesse quesito no Nordeste. Cabe destacar que foram catalogados nove casos de violência motivados por “suposta traição”.

Recorte

“Boa parte dos crimes contra mulheres divulgados nos jornais (85%) não traz a informação racial da vítima. Mas, quando desconsideramos os casos em que a cor da vítima não é informada, temos 50,7% das vítimas negras, 48,6% brancas e 0,7% indígena. Algo nítido para as pesquisadoras da rede é que quando se trata de mulheres brancas e de classes mais abastadas a cobertura jornalística tende a ser mais completa”, consta no estudo.

A diferença racial nas vítimas de feminicídio é menor do que a diferença nas demais mortes violentas intencionais, mostra o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O documento aponta que 37,5% das vítimas de feminicídio são brancas e 62% são negras. Nas demais mortes violentas intencionais, contudo, 70,7% são negras e 28,6% são brancas. “Em última instância, o que os dados nos indicam é uma possível subnotificação das negras enquanto vítimas de feminicídio. Levanta-se a hipótese de que as  autoridades policiais enquadram menos os assassinatos de mulheres negras enquanto feminicídio”, mostra o documento.

“Esta hipótese ganha força quando analisamos a mortalidade geral por agressão ao longo da última década e verificamos que, se os assassinatos de mulheres brancas caíram, os de mulheres negras se acentuaram”, continua. A pesquisa indica que, ao menos, 3 mulheres morrem por dia no Brasil por serem mulheres.

Entre 2020 e 2021, houve uma queda de 3,8% na taxa, por 100 mil mulheres, dos homicídios femininos. No caso dos feminicídios, a queda foi de 1,7% na taxa entre os dois anos. Mesmo com a variação, os números ainda assustam. Nos últimos dois anos, 2.695 mulheres foram mortas pela condição de serem mulheres, 1.354 em 2020 e 1.341 em 2021.

Registros

De acordo com os dados do estudo, os registros de feminicídios caíram em 2021, mas outras formas de violência cresceram no ano passado. Além disso, praticamente todos os indicadores relativos à violência contra mulheres apresentaram crescimento no último ano: houve aumento de 3,3% na taxa de registros de ameaça, e crescimento 0,6% na de lesões corporais dolosas em contexto de violência doméstica entre 2020 e 2021. 

Os registros de crimes de assédio sexual e importunação sexual cresceram 6,6% e 17,8%, respectivamente. O levantamento mostrou 3.181 referentes ao crime de divulgação de cena de estupro/estupro de vulnerável, sexo e pornografia no último ano, um crescimento de 22,7% em relação a 2020. E 27.722 casos em 2021 do crime de perseguição e 8.390 de violência psicológica.

Houve também o crescimento de  14,4% de medidas protetivas de urgência concedidas pelos Tribunais de Justiça no último ano, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2020, 323.570 MPUs foram concedidas, total ou parcialmente, ao passo que, em 2021, foram 370.209 MPUs concedidas.

*Sob a supervisão da editora Meire Oliveira

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