SALVADOR
Rua Araújo Pinho, onde a cultura tem seu endereço
Por Mary Weinstein, do A TARDE
A rua com nome de ex-prefeito ou de ex-governador está no imaginário da classe média baiana porque foi palco de histórias e estrelas que compõem parte da imagem que a cidade tem ainda hoje. Entre os anos 50 e 70, foram gestados ali movimentos de estudantes e produções culturais que legaram significados importantes às décadas subsequentes. A efervescência intelectual daquele tempo ajudou a construir o mito da Salvador cheia de graça e personalidade.
E muita coisa se perdeu nesta rua em que as casas de dois andares foram transformadas em clínicas, restaurantes, bancos e academias. Algumas delas deram lugar a edifícios novos e altos, como o Edgar Degas, 15 andares, que manteve duas das várias antigas mangueiras, mas fez uma reforma que transformou o estilo da casa que ficou de pé para servir de sala de visita e jogos.
Neste edifício mora Peter Woolf, 34 anos, um empresário que não ficou nada satisfeito com a possível instalação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF) da Bahia no lugar do extinto Colégio Marista, em frente de onde mora. “Aqui já foi bacana. Pagamos IPTU caro, mas a rua é esburacada. Já telefonei várias vezes para a Surcap e não adianta nada. Vai vir um colégio público, e isso piora o trânsito, desvaloriza o imóvel. Já tem o Odorico Tavares, que também é público, aqui ao lado”, queixou.
Manoel Bonfim Filho, 22 anos, que morava no Campo Grande, pensa diferente. Acha que o lugar é ótimo, que o apartamento de luxo onde mora é mesmo confortável, ventilado e perto de tudo. A mesma coisa pensa Geni Mascarenhas, professora aposentada. Ela concordou que é um privilégio morar na Araújo Pinho: “Não tem trânsito, só precisava de mais segurança. Faço quase tudo a pé”.
Na rua que já foi predominantemente residencial e que desenvolveu vocação para o setor de saúde, agora tem bancos que reconfiguram as casas onde se instalam, a exemplo do Banco do Brasil, que desprezou a arquitetura que havia antes.
Atriz – Iami Rebouças assiste a tudo, há tempos, porque viveu e ainda vive por ali. Ela sempre atuou na Araújo Pinho, embora nunca tenha morado exatamente nela. Seu endereço foram as vizinhas Cláudio Manoel da Costa, Marechal Floriano e Clemente Ferreira, no Canela. Mas sempre a sua trajetória tinha a Araújo Pinho como sentido. Por isso, essa atriz fala sobre esta rua como se fosse dela, sem distanciamento.
“É meu pedaço há tempos. Há quase 40 anos sou habitante da Araújo Pinho”, calcula, como se revisse com orgulho os capítulos de sua história. “Não está legal, não. Ela precisa de mais cuidado, de limpeza. Fica desagradável principalmente de manhã cedo, quando é preciso andar por ela. Você tem uma grande ocupação dos moradores de rua”, revela Iami. “É uma rua também com seus casarões antigos e por isso merece mais atenção. É uma rua tradicional”, lembra a atriz de Umbiguidades.
Ela começou sua vivência na Araújo Pinho jogando baleado no terreno baldio onde mais tarde foi construído o supermercado colado na Escola de Teatro. Depois, até 1978, estudou no extinto Colégio de Aplicação, que fez história pela ousadia que propunha na forma de ensinar e aprender. O Aplicação era vizinho ao lendário Pronto Socorro. Iami passou anos na Faculdade de Odontologia – entre 1978 e 1985 – e, depois de se formar, fez o Curso de Teatro. Tornou-se atriz de sucesso – mantendo a tradição da vanguarda e ousadia – e há uns 10 anos tornou-se professora da Escola de Teatro.
Ainda hoje, a lembrança do passado efervescente está na presença física da Escola de Belas Artes, Escola de Teatro, Teatro Santo Antônio, Seminário de Música, Faculdade de Odontologia, Residência Universitária Feminina, Secretaria Geral de Cursos e do extinto Colégio de Aplicação, agora Extensão da Ufba. Por isso, não dá para falar da Araújo Pinho sem fazer uma associação com a universidade e com a cultura de Salvador.
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