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SALVADOR

Rua José Duarte, no Tororó, já passou por dias melhores

Por Emanuella Sombra | A TARDE

09/01/2009 - 22:58 h | Atualizada em 10/01/2009 - 0:31

“Se fosse minha, já tinha vendido”. A aposentada Lourdes Atalla, 70, maldiz a casa quando quer falar mal da rua. Nem foi preciso emendar a cantiga numa pergunta ingênua. O apartamento onde mora pertence ao filho, motivo que lhe prende à Rua José Duarte, no Tororó. “A única vantagem é ser no Centro, mas a gente parece que mora no último lugar do mundo”. E encurta logo a conversa.



Falar sobre a José Duarte gerou apreensão em nove de dez moradores. “Não me identifique na sua matéria. Eu já fui ameaçado na porta de casa”, certifica-se Oswaldo* pelo celular, antes de espalhar pelo bairro o número telefônico da reportagem. Depois daquela, uma sucessão de ligações anônimas, em uníssono: a rua principal do Tororó deixou de ser um pedaço do interior dentro da capital.



Dois dias antes, Oswaldo destrancava a fechadura para A TARDE, como se recebesse no apartamento um detetive particular. Da porta de uma mercearia, curiosos especulavam o movimento, enquanto ele disfarçava, constrangido. “Está vendo ali? Vão comentar. Eu vivo com medo, sou muito visado por aqui”, diz, conduzindo-se ao sofá. A tensão não diminui.



Da área de serviço, entende-se o motivo do pânico. Erguida em 2006, uma invasão na rua de trás arrancou o sono do aposentado e de uma centena de moradores que, de abaixo-assinado a denúncias no Ministério Público, se deixaram vencer. “Na semana em que invadiram, eu chamei a Sucom, me pergunte se fizeram alguma coisa?”. O antigo portão dos fundos, quando ele foi perceber, havia sido tapado com alvenaria e cimento.



MUDANÇA – Paralela às águas do Dique, a José Duarte tem acesso único pela Avenida Joana Angélica. A rua pacata e residencial, a das antigas pensões universitárias, é cercada de tensões veladas entre vizinhos. Ainda serve às casas de estudante do interior, que hoje dividem calçada com um sem-fim de bares, clínicas, cabeleireiros, mercadinhos, açougues, farmácias, lava-jatos. Com a oferta comercial, vieram as grades e as trancas reforçadas.



Quase ninguém faz queixas se não estiver protegido por pseudônimo em vez do nome real. “Aqui, infelizmente, é um ponto de drogas, são carros e carros importados que descem (até a invasão). Não é raro duas, três pessoas serem assaltadas por dia”, descreve Olívia*. Do antigo módulo, na Praça Dodô e Osmar, restou um jardim. “Os bares se multiplicaram, invadiram a calçada, o asfalto e o caminho dos carros no fim de semana”.



Proprietário de boteco – no total, são mais de dez –, Gilmar Ramos, 23, faz ouvido de mercador. “Aqui não tem confusão. Alguns carros põem o som alto, mas o morador reclama e a gente pede para abaixar”. Uma das que protestam – educadamente – é a escritora Mabel Velloso. Filha de dona Canô, veio de Santo Amaro com uma convicção, há mais de 30 anos: morar no Tororó, onde o pai, Zeca, anos antes, alugara um apartamento para Caetano e Bethânia estudarem.



SEM GRADES – “Ali na frente morava Jorge Portugal. Ele vinha tomar banho aqui em casa quando faltava água na república dele”, ri. Da frente do Edifício Ana Nery, onde vive há mais de 30 anos, Mabel lembra de quando não havia grades nas portas, nas janelas e na fachada do prédio. “Aqui na frente, saía o bloco Secos e Molhados, o Apaches do Tororó. Uma vez, teve uma briga, o povo veio correndo por dentro do prédio e saiu lá na rua de trás”.



Hoje seria impossível. O acesso dos fundos – que também servia de entrada para os carros – é outro que foi bloqueado pela invasão. Mabel não tem mais garagem, aluga uma vaga no prédio vizinho. Por conta dos bares, às vezes vê os copos de vidro literalmente despencando na sua varanda (ela mora no subsolo), e em mês de junho, rezar a novena de Santo Antônio é quase impossível. À noite, o som embutido dos carros torna inaudível qualquer Ave-Maria.



“Ah, mas eu sou apaixonada pelo Tororó, acho muito parecido com Santo Amaro. Não tenho vontade de sair daqui, mas, minha filha, se pudesse, ia embora”. Ainda assim, é como se, a cada lembrança, ela quisesse voltar à José Duarte de antigamente. “Era mais fresco, tinha mais árvore, não era um bairro problemático. Minhas filhas brincavam de velotrol na porta”, conta.



Se a rua fosse dela, contratava um carro para servir ao Martagão Gesteira, quase defronte: “O hospital atende crianças pobres, e as mães não têm dinheiro para pegar táxi, vêm lá da Joana Angélica com aqueles meninos nas costas, de perna engessada”. Pausa a entrevista, vem passando uma amiga. “Hein, dona Terezinha, o que a senhora acha da nossa rua?”. Terezinha Andrade, 82, é rápida: “Um abandono. Eu fui agora, daqui onde moro até a esquina, e nenhuma manicure veio trabalhar hoje”. Dos males, o menor.



*Nomes fictícios



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