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SALVADOR

Salvador no Central da Periferia

Por Marta Erhardt

14/07/2006 - 20:28 h

A rotina do Colégio Estadual Tourinho Dantas, no Parque São Cristóvão, foi modificada na última quinta-feira, 13. No pátio e corredores da escola, os olhares atentos dos alunos estavam voltados para a atriz carioca Regina Casé, que veio a Salvador para gravar o programa Central da Periferia.



Enquanto aguardavam a chegada da apresentadora, estudantes e professores passavam de um lado a outro eufóricos com a novidade. Um grupo ensaiava uma apresentação, crianças se posicionavam nos corredores, funcionários esticavam o pescoço para checar o movimento da equipe de produção e cinegrafistas.



Com audiência de 18 pontos na estréia, o programa já foi gravado em Recife, São Paulo e Belém do Pará. Em Salvador, além do colégio, as gravações também foram feitas na sede do Ilê Aiyê, no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, na Banca do Robertinho (Vale do Canela) e no Feijão da Tia Célia. O racismo é um dos temas focalizados. “Abordar esse assunto sublinha a intenção do programa: mostrar o tamanho da contribuição da cultura negra para esta cidade”, destaca.



O programa leva ao ar, ainda, um show que vai ser gravado neste sábado, na Praça da Revolução, em Periperi, reunindo bandas de pagode, arrocha e afros, como Pagod´Art, Saravada, Uns Kamaradas, Nara Costa e outras. Bem-humorada, a atriz carioca não se abate com as críticas de que seu programa festeja a condição do favelado.



“O objetivo é equilibrar e colocar dentro da grade de uma televisão aberta como a TV Globo um espaço onde esses lugares e essas pessoas apareçam de uma maneira afirmativa”, frisa. No intervalo das gravações do quarto programa, Regina Casé conversou com a reportagem do A Tarde On Line.



A Tarde On Line - O que te interessou em Salvador?

Regina Casé - O que me trouxe a Salvador foi tudo. É o que sempre digo: para Salvador vou até para tomar injeção na testa. Talvez fosse o único lugar no mundo que morasse, fora do Rio. Sou carioca, nasci e me criei lá, mas aqui me sinto em casa. Conheço e adoro esta cidade. O Central da Periferia vai destacar uma característica que está ainda num estado mais avançado do que no Rio: em Salvador é muito difícil saber o que é periferia. Tem lugares como aqui (São Cristóvão) que eram roças fora da cidade e fica mais fácil identificar. Mas dentro de Salvador a coisa mais difícil é saber o que é um bairro rico e o que é um bairro pobre. Isso (socialmente) para o Brasil é uma sorte.



A Tarde On Line - Como isso diferencia a capital baiana?

Regina- Assim como nas cidades que tem bairros pobres, favelas, comunidades mais carentes misturadas dentro de bairros ricos, mostra um resultado cultural e social muito interessante. Quanto mais longe e isolada é a periferia, maior é da perda. Considero esse afastamento uma patologia social, quem mora num bairro de classe média e não tem contato nem noção do que está acontecendo na sua cidade como um todo.



A Tarde On Line – O racismo é o tema das gravações na Bahia. Como é abordar essa temática em uma cidade que é majoritariamente negra?

Regina - O assunto é racismo porque em toda periferia tem muitos negros e aqui ainda há uma sobreposição de preconceitos. As favelas do Rio e de São Paulo são formadas por negros ou nordestinos. Em Salvador são todos negros e nordestinos. Abordar esse assunto sublinha a intenção do programa: mostrar o tamanho da contribuição da cultura negra para esta cidade. A Bahia é o lugar no Brasil onde essa cultura está mais presente, onde ela move, inclusive a economia da cidade e do estado. Ela é uma força impressionante, que é tratada o tempo todo como uma expressão espontânea daquelas pessoas e não é valorizada para elas em termo de mercado.



A Tarde On Line - De tudo o que você viu na cidade, o que vai levar para a tevê?

RC- Quero mostrar o candomblé, a música, a dança, e toda a cultura em geral, para Salvador, é um valor de mercado que foi jogado para escanteio. É interessante ver como as pessoas deixaram de esperar para ter um disco gravado em uma gravadora. Em vez de continuar nessa luta em que apenas um ia passar no funil, o que começaram a fazer? Agora toda a favela grava CD, tem estúdio e distribui esse material das maneiras mais criativas, cada um com uma estética própria, um gosto próprio. A notícia boa é que Salvador, por exemplo, foi o primeiro lugar que criou um mercado fonográfico paralelo, descentralizado de Rio e São Paulo. Criou-se uma indústria de CD, que eu não acho que é pirata, porque pirata é quando você pega o oficial e copia. Quando você lança um CD que nenhuma gravadora quis, e você mesmo faz e vende, isso pra mim não é pirata, é independente.



A Tarde On Line - Há alguma semelhança entre as realidades das periferias que você já visitou?

Regina Intuía, mas não tinha idéia de que era uma realidade já tão concreta, é essa idéia de centro ter se movido para tantos lugares e estar pulverizado. Antigamente a única chance que alguém daqui ser descoberto era por meio de um padrinho, uma madrinha, uma coisa rara. Hoje em dia acho que houve uma mudança.



A Tarde On Line - Como você percebe essa mudança?

Regina - Ninguém mais vê o centro só onde ele era antigamente. Até o gosto, esteticamente, mudou. Antigamente uma menina daqui, negra ou não, tentava usar o cabelo igual ao da atriz da novela, que nem a filha da patroa. Hoje, as garotas têm uma estética própria. Chega até a ser copiada por quem está do outro lado. Dou sempre esse exemplo no Rio: antigamente qualquer garota de uma comunidade carente queria casar com o filho do patrão, o loiro de olho azul, o ideal de príncipe encantado que colava a foto na capa do caderno. Agora, querem colar a foto de um negão lindo, mais parecido com elas. Essa mudança comportamental é um sinal de que começaram a se valorizar e perceber que o seu padrão estético pode ser bonito também. Isso está acontecendo mesmo! Já tinha uma intuição, mas fiquei surpresa ao ver que está melhor do que imaginava.







A Tarde On Line - Qual é o papel social do seu programa?

Regina - Não é a toa que o meu parceiro mais antigo, com quem eu fiz o Programa Legal, Brasil Legal é o antropólogo Hermano Vianna. A proposta do programa é ser uma avenida de mão dupla, que entra pela periferia, por lugares que as pessoas tentam fingir não existir, locais que não estão no mapa, que são desvalorizados e marginalizados. Os lugares que as pessoas têm medo de ir. Qual a coisa mais importante de Salvador, que sai na televisão, anúncio e passa fora do Brasil? O carnaval da Bahia. Quem é que faz o Carnaval da Bahia? São os moradores desses lugares, que estão marginalizados. As pessoas querem tudo de bom que vem dessas localidades, mas não querem dar tudo de bom que conquistam para lugares como esses.



A Tarde On Line – Há quem diga que seu programa festeja a condição de ser favelado...

Regina - Não é isso que acontece, mas mesmo que fosse, já acharia ótimo. Porque uma pessoa que passa uma dureza de 23 horas diárias pode ver em uma hora o que há de bom, e o lugar em que mora tem de bom, já justificaria. Mas é claro que não é para isso que o programa existe. Há um desequilíbrio tão grande na mídia ao mostrar esses lugares, que só ganham destaques nas páginas policiais e no Carnaval. O objetivo é equilibrar e colocar dentro da grade de uma televisão aberta como a TV Globo, um espaço onde esses bairros e pessoas apareçam de uma maneira afirmativa.



A Tarde On Line – Dizem ainda que é como se o Central da Periferia omitisse a precária condição de vida nos subúrbios...

Regina - Não mascaro a realidade. Não digo, por exemplo, que todas as escolas do subúrbio são ótimas. Falo que quase todas têm índice de aprovação baixo, a qualidade de ensino é terrível, os professores têm dificuldades de manter os alunos na sala de aula. Mas no meio de todo esse processo tem uma escola que dá certo. Então procuro exibir os bons resultados para servir como inspiração não só para o governo, mas para as outras instituições de ensino.



A Tarde On Line - Você já fez muitos programas nessa linha, já viajou muito pelo país e pelo mundo. O que ainda te surpreende?

Regina - O Brasil não cansa de me surpreender. A sensação que tenho, sem querer desmerecer, por exemplo, um país como o Japão, onde você entra no metrô de Tóquio e todas as pessoas têm cabelo liso, preto, são brancas com os olhos puxados. Claro que os indivíduos são completamente diferentes, não estou dizendo que os japoneses são todos iguais. Mas o que eles tentam? Um opta pelo bronzeamento artificial, o outro pinta o cabelo de loiro, outros modificam o formato dos olhos com cirurgias. O que é que eles buscam? A diversidade, que pra mim é sinônimo de riqueza. A mistura é sinônimo de riqueza, de beleza. Isso, nós temos de sobra, para dar e vender. O Brasil tem que entender que o maior patrimônio dele, mais do que o mineral, do que o petróleo ou a Amazônia, é exatamente a diversidade. Ao mesmo tempo em que a nossa história foi tão perversa, tão injusta e criou condições sociais tão terríveis, por outros caminhos ela criou uma pluralidade, que faz do Brasil um país tão interessante, tão diferente dos outros e que desperta paixão nas pessoas. E isso não é ufanismo, não é nacionalismo barato. Viajo o mundo todo e percebo que aqui é um lugar muito vivo e interessante porque tem muitas coisas diferentes convivendo juntas.



A Tarde On Line - Você tem projetos paralelos ao Central da Periferia?

Regina - Eu faço o “Pé de quê” que é um programa semanal sobre árvores, no canal Futura. Faço o “Minha Periferia”, todo domingo no Fantástico, e o “Central da Periferia” uma vez por mês num estado diferente. Ainda faço um monte de outras coisas menores. Estou querendo deixar de fazer coisas. Agora eu estou ficando velha, senão eu vou ficar cansada.



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