QUASE 40 DIAS
Sob sol e chuva, agentes de saúde mantêm ocupação na prefeitura
Reivindicação pelo cumprimento do piso, segundo servidores, é apartidário e tem simpatia geral
Por Da Redação
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Protegidos por lonas esburacadas e vulneráveis à chuva, em um ambiente cuja área está majoritariamente exposta aos intensos raios do sol durante o dia, agentes de combate às endemias e agentes comunitários de saúde chegam neste sábado, 22, ao 39º dia de ocupação na frente da Prefeitura de Salvador.
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No local, funciona um acampamento, formado pelos agentes de saúde que reivindicam que o Poder Público Municipal cumpra sua obrigação de pagar o piso salarial de dois salários mínimos, o que é lei desde 2014 e que se tornou Emenda Constitucional esse ano (Lei N° 1141/2022).
“O desconforto vem principalmente nos dias chuvosos. As barracas alagam e as vezes temos até mães com crianças pequenas aqui que estão no frio, no relento às vezes”, contextualiza a diretora do departamento jurídico da Associação dos Agentes de Saúde do Estado da Bahia (AASA-BA), Sebastiana Ferreira.
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Para Sebastiana, no entanto, não há do que se arrepender. “Tudo isso é satisfatório, pois estamos lutando por direitos adquiridos, para que a gente não permita que a Prefeitura [de Salvador] venha a suprimir esses direitos nos nossos contracheques”, afirma.
Com um espaço comum, onde fica a cozinha, e diversas barracas, cada uma delas para uma pessoa ou família, o acampamento é monitorado pela Polícia Militar, que está com um posto móvel a metros do local, estacionado próximo da Praça Tomé de Sousa.
A presença da polícia e dos guardas municipais, segundo as pessoas da ocupação, tem trazido tranquilidade ao local, pois os profissionais de segurança pública têm demonstrado apoio à causa, segundo o coordenador jurídico do Sindicato dos Servidores da Prefeitura do Salvador (Sindseps), Nildo Pereira. “Nunca houve uma tentativa de nos retirar. O pessoal entende que é uma luta justa e infelizmente só a gestão municipal não quer compreender que nós não estamos aqui com vandalismo ou desrespeito”, conta Nildo.
“Foi o caminho que nós encontramos e tem sido desconfortável. Tem colegas aqui que estão desde o primeiro dia [14 de setembro]. Vai para casa, trabalha, volta, mas fica aqui diuturnamente porque acredita que nós vamos alcançar o objetivo pelo qual estamos lutando, que é só o cumprimento da lei”, justifica.
O apoio ao movimento, porém, tem ultrapassado as divisas municipais, segundo o coordenador de comunicação do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde da Bahia (Sindacs-BA), Lázaro Figueiredo. “Não está somente em Salvador, mas no Brasil. Como somos no país uma categoria de mais de 40 mil agentes, todos estão divulgando. Gente na França e nos Estados Unidos já está sabendo. É Bruno Reis massacrando o servidor público”, disse Lázaro.
Para Lázaro, o problema da prefeitura com a categoria é pessoal. “Em 2015 houve uma paralisação de 65 dias aqui em Salvador. Alguns trabalhadores estavam na Lapa quando o prefeito na época, ACM Neto, esteva lá. Então, alguém se aproveitou da aglomeração, por não gostar dele, e jogou um ovo. Bateu nele [ACM Neto]. Ele achou que foram agentes [de saúde]. A partir daí ele diz que não daria nada para agentes comunitários e agentes de combates às endemias. Até hoje ele persegue por trás, junto à gestão de Bruno Reis”, conta.
Pesa contra a Prefeitura de Salvador, na opinião do presidente da AASA-BA, Ivando Antunes, componentes sociais e raciais que colaboram para o não cumprimento da lei que estabelece o piso salarial da categoria.
“A grande circunstância hoje é que a nossa categoria é formada basicamente por mulheres, negras e pobres, que trabalham para comunidades pobres, na sua grande maioria formada por negros. A Prefeitura de Salvador não quer que o dinheiro chegue na favela”, opina Ivando. “Cada vez que o pobre e o negro tem avanço em sua questão salarial, menos dependentes nós ficamos do Estado. É isso que eles não querem permitir”, conclui.
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
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
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Classe política
Na manhã desta sexta-feira, 21, o vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB) esteve na ocupação para falar com os agentes e repudiou a maneira como a Prefeitura de Salvador tem conduzido as negociações. “Ninguém gosta de ficar aqui, debaixo de sol e chuva. As pessoas estão aqui por necessidade e por um compromisso de luta por uma causa”, disse.
Outro vereador que apoia a ocupação, Henrique Carballal (PDT) disse que é um compromisso da Câmara como um todo defender e proteger os mais vulneráveis. “Esses trabalhadores estão sofrendo. Será que o prefeito não tem o mínimo de empatia com os pobres de nossa cidade? O prefeito está querendo inverter a culpa e acusar os sindicatos de não negociarem, mas não vai conseguir”, disse Carballal.
Já o ex-deputado estadual Heber Santana (PSC), que atualmente é presidente estadual da legenda, pede pressa e empatia ao prefeito. "É muito desgastante você passar na porta de um dos mais importantes cartões postais da cidade, que é o elevador Lacerda, e ver trabalhadores acampados, sem estrutura e sofrendo muito", apela.
Entenda as reivindicações
Agentes de combates às endemias são servidores públicos municipais responsáveis por atuarem nos cuidados de doenças que podem surgir por influência do ambiente, a exemplo da dengue. Dessa forma, esses agentes fiscalizam locais e conscientizam a população.
Também funcionários da prefeitura, os agentes comunitários promovem cuidados mais ligados à prevenção de doenças que não são ligadas às endemias, além de proporcionarem consciência através de medidas socio-educativas de cuidado ao corpo.
Uma lei de 2014 estabelece, para essa categoria, um piso salarial de dois salários mínimos, que atualmente equivale a R$ 2.424. No entanto, a categoria segue, nos dias de hoje, sendo remunerada em R$ 877, sem as bonificações. Em julho de 2022, o piso salarial dos agentes entrou na Constituição Federal, como uma Emenda Constitucional.
Os agentes alegam que Bruno Reis quer aumentar o salário da categoria através de gratificações sobre o salário atual, o que elevaria o rendimento mensal para um valor superior ao piso. O que os agentes reivindicam, porém, é que a lei do piso seja cumprida e que o percentual das bonificações seja aplicado sobre o novo salário.
"Os vencimentos dos agentes são repassados do Ministério da Saúde para a Prefeitura. Somado o não pagamento do piso de 2014 até hoje, a Prefeitura deve aos agentes R$ 800 milhões. Mas nossa reivindicação de hoje é a aplicação do piso de maio para cá, ou seja, passando a pagar o piso a partir de agora e o que não foi pago aos agentes de maio desse ano para cá, e não de 2014 para cá", diz Sebastiana.
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