SALVADOR
Superfungo: aumento de casos preocupa, mas surto ainda está controlado, diz especialista
Em meio à pandemia do novo coronavírus, o Brasil, mais especificamente a Bahia, se viu diante de mais uma preocupação sanitária para lidar: a chegada do chamado “superfungo”. Menos de um mês após o surgimento do primeiro caso, registrado em dezembro do ano passado, em um hospital particular em Salvador, mais dez pessoas foram diagnosticadas com o Candida auris, o que elevou o número de infectados para 11.
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Segundo informações da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), que realizou a investigação ao lado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Centro de Informações Estratégicas e Resposta de Vigilância em Saúde (Cievs), nenhum dos casos terminou em óbito. Porém, o órgão afirma que continua acompanhando a situação para evitar que o fungo se espalhe.
“No momento, estamos em acompanhamento e monitoramento, para garantir o cumprimento das recomendações de desinfecção realizadas pelo hospital para evitar a ocorrência de novos casos”, garantiu a Sesab, por meio de nota.
De acordo com o microbiologista Luiz Carlos dos Santos, a quantidade já pode ser considerada um surto, já que, até então, não haviam casos registrados em todo o país. No entanto, ele ressalta que é um surto controlado, pois está restrito a unidade de saúde - apontada por veículos de imprensa como sendo o Hospital da Bahia - onde começou.
“Sempre há motivo de preocupação quando surge alguma coisa nova. Graças a Deus, isso foi contido e não saiu do hospital pois não tivemos mais casos além desses, nem em outros lugares da Bahia ou no Brasil. Mas temos que continuar de olho, ninguém sabe se algum paciente pode conseguir infectar outras pessoas”, pontuou.
O médico, que é responsável pelos departamentos de Microbiologia do laboratório Sabin e do Hospital Martagão Gesteira e já atuou na linha de frente de surtos, como o de meningite meningocócica, explica que a alta de casos está associada a fatores como a facilidade de transmissão, a resistência a alguns desinfetantes, entre os quais, os que são à base de quartenário de amônio e a dificuldade de identificação pelos métodos laboratoriais de rotina, sendo necessário adotar métodos laboratoriais específicos. Além disso, o fungo pode permanecer viável por longos períodos no ambiente (semanas ou meses).
“Essa Candida auris, diferentemente das outras candidas, se transmite de pessoa a pessoa, de um contato direto de uma pessoa infectada a outra. Na UTI, nós temos que ter uma precaução maior com o paciente contaminado e os contactantes. Ela também é transmitida por aparelhos médicos. Um grande transmissor da Candida auris, por exemplo, é o termômetro. É um dos locais que o fungo gosta de colonizar, então você passa de uma pessoa para outra, se alguém estiver infectado, pode se contaminar”, disse.
Conforme a Sesab, a investigação dos casos foi feita por meio de três grupos de trabalho. O primeiro analisou a pesquisa em prontuário. O segundo, a assistência farmacêutica e informações sobre o cateter onde o fungo foi localizado. Já o terceiro, observou todos os processos da unidade hospitalar relacionados a controle de infecção. Houve coleta de material para análise laboratorial de todos os contatos e ambientes de alas hospitalares onde o primeiro paciente circulou, além do isolamento dos infectados.
Ao todo, foram coletadas 399 amostras, sendo 249 amostras biológicas e 150, de ambiente. A Sesab indica que as amostras biológicas foram coletadas de 65 pacientes nos seguintes sítios: narinas, pavilhão auditivo, axilas, região inguinal e, quando presentes, feridas operatórias e úlceras por pressão. Já as amostras ambientais foram coletadas nas grades das camas, bombas de infusão, monitores, termômetros e mesas de cabeceira.
Ainda segundo o órgão, a análise concluiu que a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do hospital está adotando as medidas preventivas propostas pela Anvisa e que “as medidas recomendadas de precaução e isolamento estão sendo aplicadas neste momento''.
“Deve-se manter a vigilância ativa, realizando as culturas de vigilância de forma periódica para análise da contenção do Fungo a nível hospitalar”, ressaltou a Sesab.
Intensificar a vigilância e acionar os órgãos competentes são ações fundamentais para controlar o surto, aponta Santos. Segundo o médico, apesar do diagnóstico laboratorial da candida auris ser mais difícil pela possibilidade de confusão com as outras espécies de leveduras, o Lacen e a vigilância sanitária do estado se mostraram preparados para enfrentar a demanda.
“Toda vez que houver suspeita, esta deve ser logo informada ao hospital. É uma doença mais de hospital, mas os laboratórios devem estar preparados”, afirmou.
O Portal A TARDE entrou em contato com a assessoria do Hospital da Bahia, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Brasil na rota de infecção
A Candida auris (C. auris) já é conhecida em outros países. Segundo a Anvisa, o fungo foi identificado pela primeira vez em 2009, dentro do canal auditivo de um paciente japonês. Desde então, as infecções foram registradas em vários países, incluindo Japão, Coréia do Sul, Índia, Paquistão, África do Sul, Quênia, Kuwait, Israel, Venezuela, Colômbia, Reino Unido e mais recentemente nos Estados Unidos e Canadá.
No Brasil, ela foi detectada pela primeira vez no dia 4 de dezembro de 2020 no cateter de um paciente internado em um hospital privado de Salvador - supostamente o da Bahia - sendo confirmada no dia 9 do mesmo mês por exames conjuntos no Laboratório Central de Saúde Pública Prof. Gonçalo Moniz (Lacen/BA), Laboratório do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e sequenciamento genético no laboratório da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). No fim de janeiro, mais 10 casos foram registrados no mesmo hospital.
Apesar de pertencer à família das Candidas, o fungo apresenta resistência a vários medicamentos antifúngicos comumente utilizados para tratar infecções do tipo. Conforme a Anvisa, ele pode causar infecção em corrente sanguínea e outras infecções invasivas, sendo fatal, sobretudo, em pacientes com comorbidades.
O superfungo tem uma taxa de mortalidade de aproximadamente 39%, segundo artigo da revista científica BMC Infectious Diseases. Conforme a publicação, em novembro do ano passado, havia pelo menos 4,7 mil casos de infecção pela Candida auris já registrados em 33 países. O maior surto já registrado ocorreu no ano de 2015 em Londres, com 22 pacientes infectados e outros 28 colonizados.
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