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Valéria cresce sem estrutura

Publicado sexta-feira, 15 de agosto de 2008 às 23:02 h | Autor: Meire Oliveira, do A Tarde

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A proximidade com a principal via de escoamento da cidade, a BR-324 que liga Salvador e o município de Feira de Santana, não dava a entender que Valéria pudesse se transformar no bairro com 86 mil habitantes, uma das maiores populações da cidade. No início, a única característica da região era a peculiaridade de abrigar pelo menos a sede de dez fábricas de grande porte como a Ortobom, Leão do Norte, Promodal e Gerdau, duas pedreiras e várias transportadoras.

O povoamento mais intenso ocorreu lá pelo final da década de 60, em sua maioria por operários da construção civil, que atuavam em obras de vias como a BR-324. Assim o desmatamento de fazendas cedeu espaço ao conglomerado de loteamentos e demais ocupações que formam o bairro. Oficialmente o primeiro a ser construído foi o Temporal (nome de antiga fazenda local). Hoje os mais conhecidos são: Derba, Boca da Mata e Nova Brasília. Águas Claras, Palestina, Gerdau (antiga Usiba) e Fazenda Coutos, que foram os limites da região.

No período de formação, década de 50, todo deslocamento era feito a pé ou no lombo de animais. A líder comunitária Maria Augusta de Oliveira Tosta, 68 anos, é testemunha das principais mudanças do bairro. Viu o Beco de Bida se transformar no bairro de Palestina (separado após a construção da BR-324) e a Rua da Balança ser renomeada para Estrada Nova Brasília.

Boiadas - "As boiadas que vinham de Feira de Santana para o Retiro passavam por aqui bem na minha porta. Era divertido para a gente que era criança. E para todo lugar que a gente ia só se chegava andando”. A distância do Centro da cidade não fazia muita diferença. “Todo mundo falava que o bairro da gente era longe, mas nunca saímos daqui. Hoje, por causa da BR a gente chega mais rápido no Centro do que quem está mais perto e tem que enfrentar engarrafamento”.

Há 57 anos acompanhando a evolução do bairro a moradora Florícia Araújo Barbosa, 86 anos, acha que hoje vive no paraíso. “Não preciso sair daqui para nada, nem para médico. É como uma cidade. Não lembro a última vez que precisei sair para resolver alguma coisa”. No entanto sente falta do sossego. “Antes só era bom a calma. A gente dormia de porta aberta, andava pela rua a qualquer hora sem receio”.

Admitindo as dificuldades os habitantes de Valéria conseguem identificar os benefícios  de morar lá e fazem projetos para melhorar o que ainda falta. “O acesso é fácil, pois tem saída para vários lugares e  não temos problemas de deslizamento, pois o terreno é plano sem paredões. O que temos aqui é muita pobreza e falta de estrutura para o porte do bairro”, revela o atendente de Farmácia José Luiz Rodrigues França, 39 anos, sendo 27 deles em Valéria.

Dificuldades - Os problemas são os comuns a bairros com grande população e sem o investimento adequado para suprir as demandas. “A dispersão é que impede que se faça algo por aqui. Poucas pessoas estão dispostas a fazer o que é necessário. Mas, às vezes, conseguimos mobilizar o povo. Acho que só é uma questão de insistência. Basta não desistir”, disse o estudante de jornalismo Eder Cruz, 25 anos.

Morador da parte mais antiga, José Pereira de Souza, 68 anos, foi para o bairro quando, depois da sua casa, só haviam mais três na área. “Todo mundo se conhecia pelo nome e o resto era mato. Depois foi crescendo e não deu mais para conhecer todo mundo da mesma forma”. Na parte conhecida como Derba as residências foram construídas para os operários que trabalharam na obra da BR-324 da entrada do município de Candeias até o Retiro. “Pode olhar. As casas são todas iguais e uma colada na outra. A partir daí o bairro que não tinha nada foi crescendo e hoje não posso reclamar de nada”.

A compra de alimentos era feita na Feira de São Joaquim e na volta o peso tinha que ser carregado. “A condução só chegava até a entrada do bairro de Águas Claras. De lá para cá a gente trazia na mão mesmo. Hoje não tem problema, pois os ônibus rodam pelo bairro inteiro”, contou José.

História - Valéria chegou a pertencer ao município de Lauro de Freitas na década de 20 quando por ordem do governador da época, Antônio Aragão, seria construída uma via ligando o bairro a Feira de Santana (o que não acabou ocorrendo) e só passou a fazer parte de Salvador em setembro de 1969. A Prefeitura de Lauro de Freitas chegou a reivindicar a posse do local, recorrendo da decisão, mas quatro anos depois o então prefeito entregou o bairro à capital baiana.

José Luiz Rodrigues França se orgulha em dizer que “as tropas do 2 de Julho passaram pela Rua da Matriz”. Mas, admite: “Nem parece. Até um obelisco que tinha na praça acabou sendo destruído. Nem as escolas se mobilizam”.

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