SALVADOR
Vila Brandão - Paz atrás dos arranha-céus
Por Emanuella Sombra, do A Tarde
O senso comum diria que, entre o Corredor da Vitória e a Ladeira da Barra, há uma comunidade carente como tantas outras de Salvador. Construída sobre de uma encosta, Vila Brandão – certamente desconhecida para muitos soteropolitanos que moram naquela área nobre da cidade – foge de uma denominação reducionista: favela? Os mais assíduos do bairro têm motivos para encarar aquele pedaço de Salvador de uma maneira diferente.
“O padrão de vida das famílias aqui é até um pouco melhor. É claro que você vai encontrar pessoas vivendo em condições miseráveis, mas não é a regra”, diz um de seus moradores, talvez o mais afamado. Marcondes Dourado, videomaker reconhecido no circuito cultural baiano, vive na Vila Brandão desde 2000, onde desenvolveu um projeto de expressão corporal com jovens carentes. Lá, construiu uma casa com vista para o mar, visão privilegiada que – dos apartamentos de luxo da Vitória – custa alguns milhares de reais.
A bela panorâmica da Baía de Todos os Santos de certa forma ameniza a escassez de saneamento básico, lazer e assistência de saúde. O campinho é a única distração nos fins de semana. Posto de saúde, somente no Largo da Vitória, inviabilizando um atendimento de emergência. A coleta de lixo é feita pelos próprios moradores, que sobem diariamente as centenas de degraus carregando latas de resíduos. Compras, só nas farmácias e padarias mais próximas, direcionadas a pessoas de maior poder aquisitivo.
Mas um fator – a ausência de criminalidade – torna a vila atrativa. “O tráfico de drogas não chegou aqui, não há violência, a não ser as habituais brigas de vizinho, que existem em todo lugar”, confidencia um morador. Fotógrafo profissional, ele prefere a discrição: pertence a um grupo de intelectuais e estrangeiros, como a uruguaia Jimena Hernandez, cada vez mais comuns dentre as cerca de 50 famílias nativas do lugar.
“É um lugar barato para se viver, ao contrário de alguns bairros de Salvador onde o custo de vida é caro”, explica Jimena. Professora de pilates, seu aluguel com custo de energia elétrica e água inclusos sai por R$ 400, uma bagatela diante da boa localização e vista de cartão-postal. Mora defronte a uma estradinha de concreto, onde só os carros de tração nas quatro rodas se arriscam. “O pessoal da casa amarela é que construiu. Ah, se gente depender da prefeitura, minha filha...”, divaga a dona-de-casa Bernadete da Silva, 65 anos.
Conflitos – A tal casa amarela é uma mansão construída ao final da vila, camuflada pela cerca viva e pela vegetação local. A convivência com os moradores – confidenciam vizinhos – é saudável, ao contrário da relação conflituosa com o Iate Clube da Bahia. Recentes brigas pela desapropriação de moradores da vila, cujas casas foram construídas a poucos metros do clube, são mencionadas com certo receio. São poucos a comentar o assunto, temendo que a trégua atual seja arranhada.
“A gente tinha livre acesso à praia, uma das nossas poucas formas de lazer, e eles interditaram. Eu prefiro não me envolver com este tipo de história, até porque as coisas estão mais calmas atualmente”, confidencia a dona-de-casa Rita Souza, 42. Quem vive na Vila Brandão talvez tenha, hoje, uma preocupação mais atual: a possível construção de edifício residencial na área da antiga Mansão Wildberger, demolida em janeiro de 2007.
“Eles (os responsáveis pela obra) mantiveram um contato com a comunidade, prometeram computadores. Quer dizer, há uma certa preocupação. Mas eu pergunto às pessoas se elas vão se contentar só com computadores, diante de um empreendimento que vai custar milhões”, questiona Dourado.
Se construído sem uma avaliação correta do impacto, o arranha-céu poderia trazer impactos, como o desmatamento da vegetação nativa, onde seria construído um estacionamento. Enquanto permanece ilesa, a visão privilegiada é orgulho para os moradores, espremidos entre os condomínios da Barra e da Vitória. Ao menos por enquanto, como gosta de frisar um morador.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes