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BAHIA

Blocos afros estabelecem relações culturais e históricas profundas com terreiros

Grupos afro-baianos têm elos de origem ou construídos através de integrantes com religiões de matriz africana

Por Priscila Dórea

19/01/2025 - 6:00 h
Mametu Lúcia no terreiro São Jorge Filho da Goméia, lar do bloco afro Bankoma
Mametu Lúcia no terreiro São Jorge Filho da Goméia, lar do bloco afro Bankoma -

Com raízes profundas nas religiões de matriz africana, os afoxés e blocos afro levam para as ruas uma força e simbolismo que vão muito além da expressão artística. Em seus temas, danças, indumentárias e ritos, os afoxés e blocos afro trazem consigo essa história ancestral de muitos povos africanos e da cultura afro-brasileira permeados por essa religiosidade.

Diversas etnias africanas trazidas à força durante o regime escravocrata deixaram legados que podem ser identificados em tudo na Bahia: léxico, semântica e sintaxe da língua portuguesa, culinária, modo de vida, e nas práticas musicais e religiosas. “Acontece que rigorosamente nenhuma destas variadas etnias permaneceu como tal”, explica o antropólogo, professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e pesquisador de culturas negras e relações raciais, Ari Lima.

Perseguidos, vigiados, obrigados à conversão ao catolicismo, os africanos escravizados e seus descendentes esqueceram suas línguas e nomes étnicos de origem. “Mas conseguiram guardar o que lhes pareceu mais essencial para se proteger do terror da escravidão e do racismo que prolifera ainda hoje. Inventaram o que conhecemos e denominamos como música negra, blocos afros, afoxés e candomblé”, diz o professor.

Ilê Aiyê, Malê Debalê, Bankoma, Okànbí, Afoxé Filhos de Gandhy… Todos eles tem um pé no candomblé, “e no samba”, aponta Ari Lima. No caso do Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do mundo, tudo começa com Hilda dos Reis Dias – a Mãe Hilda -, neta de africanos e filha de negros nascidos no Brasil, ela foi iniciada no candomblé aos 19 anos pelo babalorixá Cassiano Manuel Lima (com terreiro em Caixa d'Água), que faleceu alguns anos depois e fechou a casa.

Mãe Hilda então foi acolhida pela nação Jeje Savalu através de Mãe Tança de Nanã, continuando as atividades religiosas no Terreiro Cacunda de Iaiá (Sussuarana). Em 1952, Mãe Hilda fundou, com a colaboração de Mãe Tança, o Ilê Axé Jitolu (Curuzu). Ela foi uma das inspirações para que os filhos (e os amigos deles) criassem o Ilê Aiyê em 1974. A primeira sede do bloco foi no Ilê Axé Jitolu – a segunda e atual é a Senzala do Barro Preto –, e com o nascimento do Ilê, Mãe Hilda cria um novo ritual: o Ritual de Saída do Ilê.

“Sabemos que o Carnaval está ligado diretamente ao catolicismo, então Mãe Hilda faz essa relação mais forte com a religião de matriz africana e com tudo que cerca essas religiões no Brasil, usa o milho branco de Oxalá e a pipoca de Obaluaê para pedir proteção para o Ilê, pedindo que tudo ocorra bem. É um ritual que já é tradição e que mostra a força desse vínculo que o bloco tem com o terreiro”, explica a professora, jornalista e mestre em estudos étnicos e africanos, Valéria Lima, Ekede de Azonsu do Ilê Axé Jitolu e diretora-executiva do Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu.

“Ao longo dos anos o Povo de Santo foi continuamente encurralado para não exercer sua religião. Levar essa história para a rua é de extrema necessidade. É resistência”, explica o Pai Alex de Oxóssi, Babalorixá do Ilê Axé Ibá Faromim (Itapuã). Fundado em 1958 por Pai Valtinho de Lógun Ède, o Ibá Faromim tem vínculo com o Malê Debalê.

“Pai Valtinho foi um dos grandes conselheiros e apoiadores na criação do Malê. Hoje, muitas gerações de filhos e filhas do terreiro são membros do bloco e nós realizamos meses de preparação, com ritos, para que suas apresentações aconteçam em segurança”, explica Pai Alex.

Ligações diversas

“Nem todos os blocos afro possuem esse vínculo forte com o candomblé, mas a preocupação ancestral de sair em segurança está em todos", afirma o pesquisador, percussionista e compositor Jorjão Bafafé, que é Ogan do Terreiro de Jagum (Engenho Velho de Brotas), fundado por sua avó Amélia. Um dos fundadores do Afoxé Badauê (extinto) e do bloco afro Okànbí, Jorjão teve o candomblé como sua escola, "antes mesmo de entrar na escola tradicional" ressalta.

Perfumando, cantando e saudando os orixás enquanto pedem paz há 76 anos, o Afoxé Filhos de Gandhy também não possui vínculo institucional com nenhum terreiro. “Temos um Babalorixá, Pai Toinho do Terreiro Caboclo Mata Virgem (Santo Amaro), que é nosso sacerdote. Mas a verdade é que nossa casa já é um grande terreiro, pois cultuamos os nossos orixás nela todos os dias, pois mais de 80% dos nossos associados são Filhos de Santo", explica o diretor executivo do afoxé, Orlando Santos Pereira.

“O candomblé sempre teve e sempre terá a preocupação com o social. Quando os blocos e afoxés saem pelas ruas, há toda essa energia positiva canalizada ali para proteger a gente e todos que nos seguem”, afirma Jorjão Bafafé.

Mãe Jaciara Ribeiro, filha de Oxum, Ialorixá do Terreiro Axé Abassá de Ogum
Mãe Jaciara Ribeiro, filha de Oxum, Ialorixá do Terreiro Axé Abassá de Ogum | Foto: Acervo Pessoal

No entanto, cada relação bloco e sua relação com essa ancestralidade, de certa forma, buscou uma vertente de luta diferente, explica a Mametu Lúcia Kamurici, do Terreiro São Jorge Filho da Goméia (Portão, Lauro de Freitas): fundado por Mãe Mirinha, iniciada no Candomblé Bantu pelo tata-de-inquice Joãozinho da Goméia, tombado como Patrimônio Cultural do Estado da Bahia em 2004 e lar do bloco afro Bankoma, fundado em 2000.

“O Bankoma foi criado para cantar a essência do candomblé, levando para as ruas músicas que explicam para o mundo o que é essa energia, cantando o candomblé. É a nossa forma de lutar e resistir”, explica Mameto Kamurici, ressaltando que, apesar do histórico sofrido que os terreiros, blocos afro e afoxés têm, “a realidade é que a nossa luta não é feita com foice ou faca”.

Filha de Oxum e Ialorixá do Terreiro Axé Abassá de Ogum, Mãe Jaciara Ribeiro explica que os blocos se inspiram na força resistente dos terreiros, mas a forma como eles levam isso para as ruas a preocupa. “Para mim um bloco deve construir sua história respeitando o sagrado, se alimentando dele apenas como inspiração. Venho de um tempo onde o sagrado deve sim ser protegido, algo que o Malê Debalê faz. É preciso haver essa separação”, afirma Mãe Jaciara, liderança na luta antirracista, liberdade religiosa e defesa da Lagoa do Abaeté, além de fundadora do terreiro Ilê Asé Ofá Omi Layó (Quilombo Caipora, Simões Filho).

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Tags:

afoxés Ancestralidade blocos afro candomblé carnaval da Bahia Cultura Afro-Brasileira cultura negra Filhos de Gandhy Ilê Aiyê Mãe Hilda religiões africanas Resistência cultural Salvador Terreiros Tradição Baiana

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