Cidades baianas se preparam para retorno do São João

Após dois anos de suspensão devido à pandemia, as grandes festas de São João estão de volta em toda a Bahia. Em meio à expectativa e à saudade de quem quer curtir os shows na capital e no interior, a preparação das prefeituras, de artistas e dos empreendedores segue a todo vapor para deixar tudo pronto a tempo do evento.

Em um ano marcado pelo avanço da vacinação, mas também cheio de incertezas políticas e econômicas, a confirmação de que o São João aconteceria chegou um pouco tarde para um evento que requer grandes esforços e planejamento: foi apenas no início de abril que o governador Rui Costa anunciou publicamente que os festejos voltariam em 2022. Um mês depois da oficialização, os municípios baianos se movimentam em tempo recorde para contratar as atrações, estabelecer a logística e organizar as programações. No entanto, enquanto algumas grades já foram divulgadas, outras ainda estão fechando a lista.

Considerada uma das cidades com maior tradição em festa junina, Lençóis, na Chapada Diamantina, precisou adequar o evento para garantir os shows. Por lá, a festa começa no dia 19 de junho e vai até 26, mesclando artistas regionais e nomes nacionais, entre eles Adelmário Coelho, Flávio José, Chambinho do Acordeon, Zelito Miranda, Flor Serena e Estakazero.

“O planejamento desse ano foi muito atípico, tudo precisou ser muito rápido. Lençóis já tem um São João formado e seguimos a tradição. O que mudou é que aumentou o número de dias. Tivemos dificuldades em encontrar artistas de renome para as datas principais, então a gente resolveu estender as datas para que a cidade tivesse grandes shows”, explica a prefeita Vanessa Senna.

Setor que deve ficar extremamente aquecido com o evento, o turismo na região é uma das maiores apostas para a economia local, segundo a gestora. A expectativa de Vanessa Senna é que a ocupação hoteleira chegue a 100%, e que cerca de 35 mil pessoas transitem na cidade.

“São mais de 5 mil leitos de hospedagem em Lençóis hoje, e a expectativa é gigante para uma cidade que vive de turismo e ficou esse tempo todo parada. A gente vem retomando de forma tímida porque as pessoas começaram a viajar agora. Inclusive, esse pós-pandemia tem feito as pessoas enxergarem mais a Chapada. Muita gente está buscando um turismo de natureza, mais perto de casa, que não tenha aglomeração e que traga raiz de verdade. Acho que as pessoas querem lugares para se reconectar, e nosso São João raiz tem tudo a ver”, afirma.

Palco de outro grande São João na Bahia, o município de Cachoeira espera receber entre 60 e 100 mil visitantes nos quatro dias de evento, que vai de 22 a 26 de junho. De acordo com Luciel Amorim, secretário de finanças da cidade, nos dois anos sem festa, a perda econômica foi significativa: cerca de R$ 10 milhões deixaram de circular no comércio local.

“Nossa economia ficou bastante fragilizada. O município injetou verba, a título de auxílio, na renda e alimentação para os trabalhadores informais e foram disponibilizados editais para os artistas conseguirem se manter durante a pandemia, dentre outras ações”, diz ele. Neste ano, Luciel espera arrecadar um valor próximo do período pré-pandemia: em torno de R$ 5 a 8 milhões durante todo o mês das festas juninas. Para isso, o investimento precisou ser grande: entre R$ 1,5 a 2 milhões foram aplicados na festa deste ano, que conta com atrações como Solange Almeida, Amado Batista, Bell Marques, Batista Lima e Edson Gomes, entre outros. Recentemente, mais três artistas foram adicionados à grade: Tierry, Harmonia do Samba e Danniel Vieira.

Agenda cheia

No entanto, a pouco mais de um mês para o São João, o secretário de Cultura e Turismo de Cachoeira, Cadu Morais, relata que a prefeitura também teve dificuldade em fechar a programação de shows, pois os artistas estavam com as agendas já preenchidas. Apesar disso, ele garante que há tempo hábil para finalizar tudo. “Esta semana será marcada pelos preparativos iniciais da estrutura e do espaço onde acontecerá a festa”, enumera.

Atração confirmada no São João de Lençóis, a Estakazero está de agenda lotada no mês junino. Para Léo Macedo, líder do grupo, a comemoração deste ano promete ser muito rica. “Muitas cidades fazendo festa, muita demanda reprimida. Para nós da Estakazero, a agenda está indo bem, parece que vai ser um ano muito bom”, comemora. O artista diz que a retomada em 2022 está ocorrendo de forma rápida. “Nem tivemos muito tempo pra lançar música, clipe. Contamos com nossa história com o São João para poder fazer os shows e tem dado certo. Muitas cidades já fecharam com a gente, acreditamos que até o final de maio ainda teremos outras mais”, afirma.

Os dois anos de restrições foram difíceis para o cantor. Ele conta que precisou se reinventar e, com isso, acabou investindo em outra atividade para se manter economicamente. “Aluguei meu barco para passeios no mar, trabalhei com turismo náutico. Pude vencer um pouco a dificuldade econômica, amenizar”, recorda.

Outros que também estão de agenda lotada são os forrozeiros Adelmário Coelho e Zelito Miranda, com shows marcados dentro e fora da Bahia. Apesar de já estarem se apresentando em outras festas, os músicos contam que estão ansiosos para fazer o público dançar forró nas legítimas festas de São João.

“Recebi essa notícia com muita alegria e ansiedade para voltar aos palcos do São João. É um momento sublime para toda essa cadeia produtiva que depende disso. Estou contando as horas aqui, são mais de 30 cidades só no mês de junho para visitar, algumas de outros estados. Isso me dá muita alegria, mas também tem que estar bem preparado”, afirma Adelmário Coelho. Em seu repertório, estão grandes sucessos como “Ô neném”, “Anjo querubim” e “Amor não faz mal a ninguém”, além dos recentes lançamentos do DVD "Carrossel do Tempo", a exemplo da música "Agora".

De acordo com Adelmário, o cuidado com a saúde é a sua maior preparação. A maior aliada é a atividade física, que já virou rotina na vida do forrozeiro. “Eu mantenho isso com regularidade, é um projeto de vida meu, de qualidade de vida. A preparação física ajuda muito nesses momentos para que você possa corresponder à grande demanda, até porque existe o psicológico, o físico e o emocional, são vários fatores que interferem”, defende ele.

Pronto para pegar a estrada, Zelito Miranda aposta que a festa de 2022 será "belíssima". Com shows marcados em cidades como Salvador, Lençóis e Ibicuí, o artista fala como está sendo a preparação.

“A parte de ensaio, a gente faz nos shows do Forró do Parque. No mês de junho, é só botar o pé na estrada. Aí você tem que relaxar, descansar, parar de tomar gelado, de fazer festa”. Mas eu levo muito a sério essa questão do São João, busco fazer meu trabalho de forma produtiva, estar junto com a galera e trazer um repertório muito bom”, conclui.

Sem um histórico de grandes festas juninas nos últimos 15 anos, o município de Juazeiro vai investir em torno de R$ 800 mil a R$ 1 milhão para todas as atividades na sede e nos distritos. “O São João de Juazeiro é uma festa para a cidade e para a população da cidade. Neste ano, vamos antecipar um pouco os festejos, para fazer o Santo Antônio das Tradições, fortalecendo as nossas raízes culturais, de um festejo junino voltado para a identidade do nosso povo, para o forró tradicional e para os elementos tradicionais da cultura nordestina e sertaneja”, explica o secretário Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Sérgio Fernandes.

Segundo o secretário, no momento a prefeitura está finalizando a programação de atrações, que deve ser anunciada no final de maio, e preparando todo o cenário da festa. Também foi lançado o edital para o Concurso de Quadrilhas.

“Após dois anos de pandemia, a população já aguarda ansiosa pela festa. Será a primeira grande festa a ser realizada pelo município após a retomada das atividades culturais”, comemora.

A todo vapor

Junto com as prefeituras e os artistas, quem também aguarda o São João com ansiedade são os empreendedores e comerciantes locais, parte fundamental da cadeia produtiva da festa. Só em Cachoeira, por exemplo, a estimativa da prefeita Eliana Gonzaga é a geração de forma direta e indireta de cerca de 500 empregos temporários, entre contratação da Prefeitura e do comércio local. “Além dos barraqueiros e ambulantes, que trabalham na festa e conseguem levar seu sustento para casa. Muitos ganham o suficiente para se equilibrar financeiramente por meses”, disse.

A expectativa é ainda maior depois da criação do Selo Nacional do Licor de Cachoeira, bebida que é considerada um patrimônio cultural na cidade e típica para o período junino. Um dos mais famosos, sendo o mais antigo da região, com mais de 100 anos em atividade, o Licor Roque Pinto já vem registrando uma alta demanda de vendas, sobretudo para revenda.

Segundo o empresário, produtor e gestor Rosival Ferreira Pinto, 61, a fábrica de licor funciona o ano inteiro em atacado e varejo, mas é no período próximo do São João, entre abril e início de julho, que ocorre mais movimentação de clientes.

“Produzimos mais de 20 sabores de licor - entre tradicionais e cremosos - e sempre tem novidades, pois o público jovem sempre pede. Mas o tradicional jenipapo é sem dúvida o campeão de vendas, tanto para os moradores locais quanto para os demais. O público local compra para o consumo, mas nossos maiores compradores são aqueles que compram para revenda, em grandes quantidades”, explica Rosival.

Apesar do sucesso, o empresário diz que não sabe exatamente quanto fatura no São João. Ele afirma que a pandemia não reduziu a procura pelos licores. “O que teve foi falta de matéria-prima, pois o primeiro ano pegou a todos de surpresa e o mercado ficou com medo de investir e não haver vendas. No entanto, as vendas superaram as expectativas e faltou até mesmo garrafas, tendo que buscar em outros estados. No segundo ano, a ideia de confraternizar com poucas pessoas também fez renascer o São João mais familiar e as vendas superaram as expectativas”, conta.

Rosival diz que a maioria dos licores é preparado de um ano para o outro, para respeitar a safra da fruta e o tempo de infusão. Na preparação para o São João, a fábrica prioriza frutas da região e compra o máximo possível para estocar, além de aumentar a quantidade de colaboradores. “Nos demais período do ano, a família é o suficiente para o processo de produção, mas nos períodos de safra das frutas, aumento da produção e das vendas, precisamos de muitos outros pares de mãos para dar conta do recado, 50, 60, 70 dependendo da demandas”, afirma.

Para Zelito Miranda, mais do que apenas trabalhar, retornar aos palcos do São João é colocar em prática o maior aprendizado que levou da pandemia: o de que cada momento deve ser aproveitado ao lado de quem se ama. “Voltar agora tem um significado muito grande. Quando chegou a pandemia, tivemos de parar logo o Forró do Parque, foi abrupto. Ficamos sem entender direito, tivemos de nos reinventar e vieram as lives. Nesses momentos, a gente vê o quão somos frágeis. O aprendizado agora é buscar, cada vez mais, ser um profissional decente, ter uma relação bacana com seus músicos, com sua família, e manter o profissionalismo. Acho que ensinou a todo mundo, terminou trazendo pra gente uma garra e uma energia muito grande para nossa carreira”, diz.