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Corte Interamericana condena Brasil por mortes em fábrica em Santo Antônio de Jesus

Por Gabriel Andrade

26/10/2020 - 20:00 h | Atualizada em 27/10/2020 - 18:15
Corte considerou que o Estado brasileiro tinha conhecimento de que eram realizadas atividades perigosas na fábrica | Foto: Abmael Silva | Ag. A TARDE
Corte considerou que o Estado brasileiro tinha conhecimento de que eram realizadas atividades perigosas na fábrica | Foto: Abmael Silva | Ag. A TARDE -

O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) pelas mortes e violações de direitos humanos pela morte de 64 pessoas em uma explosão de fábrica clandestina em Santo Antônio de Jesus, no recôncavo baiano, em 11 de dezembro de 1998.

A decisão foi proferida no dia 15 de julho de 2020, durante o 135º Período Ordinário de Sessões, porém só foi tornada pública na tarde desta segunda-feira, 26. A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA) é a nona condenação internacional do país por graves violações de direitos humanos.

>> Familiares de vítimas de explosão em fábrica pedem agilidade da Justiça

A Corte considerou que o Estado brasileiro tinha conhecimento de que eram realizadas atividades perigosas na fábrica e não inspecionava nem fiscalizava o local adequadamente, que apresentava graves irregularidades e alto risco e perigo iminente para a vida, integridade pessoal e saúde de todos os trabalhadores.

"Isso é um processo de reconhecimento, vem a fortalecer todas as denúncias de todas as irregularidades que existiam. E todas as cicatrizes que ficaram na cidade, além das mortes, tem uma marca, uma tragédia que marcou a cidade", conta o advogado Valter Almeida, que acompanha e fornece suporte jurídico ao movimento Moradia Digna, onde cerca de 200 famílias ocupam a área da antiga fábrica.

Almeida alerta ainda que essa cultura de fogos de artifício ainda existe no município. "Existem outros espaços que exploram de forma parecida, sem toda a fiscalização, às vezes a pessoa manipula pólvora dentro da própria casa. Acho possível que aconteça novamente, talvez não na mesma extensão, mas é possível termos novos acidentes", explica.

Além das irregularidades citadas, a fábrica era exploradora de trabalho infantil, o que violava os direitos ao trabalho e ao princípio da igualdade e não discriminação. A fabricação de fogos de artifício era a principal e, na maioria dos casos, a única opção de trabalho para os habitantes do município, que não tinham outra alternativa a não ser aceitar um trabalho de alto risco, com baixo salário e sem medidas de segurança adequadas.

A sentença condena o Brasil a uma série de medidas de caráter estrutural que garantam a não repetição de tragédias como a ocorrida em Santo Antônio de Jesus. Dentre elas, a criação de alternativas econômicas para a inserção econômica e laboral das vítimas e familiares da explosão e a criação e execução de um programa de desenvolvimento socioeconômico destinado à população de Santo Antônio de Jesus.

De acordo com a ONG Justiça Global, que representa junto com o Movimento 11 de Dezembro as vítimas no caso, a sentença também estabelece que o Brasil responsabilize cível e penalmente os perpetradores da explosão, além de determinar medidas de reparação às vítimas e seus familiares, como tratamento médico e psicológico, além da devida indenização.

O acidente

No dia 11 de dezembro de 1998, uma das fábricas, que funcionava na Fazenda Joeirana, na zona rural, explodiu causando a morte de 64 pessoas; outras seis tiveram ferimentos graves – queimaduras de 3º grau em 70% do corpo-, mas sobreviveram. Na época, como o número de ambulâncias na cidade eram insuficientes e o município não possuía um centro para atendimento de pessoas com queimaduras, os moradores assumiram o resgate e o transporte das vítimas até a capital, Salvador, a 190 km de distância.

A fábrica de propriedade de Osvaldo Prazeres Bastos, estava registrada em nome de seu filho, Mário Fróes Prazeres Bastos. Apesar de possuir registro junto ao Exército, ela operava há anos fora dos padrões exigidos pelas normativas internas. Após a tragédia, os atingidos se organizaram em torno do Movimento 11 de Dezembro para lutar por justiça.

As investigações revelaram uma série de irregularidades cometidas pelos donos da fábrica. Segundo o Ministério Público, os donos tinham ciência que a fábrica “era perigosa e poderia explodir a qualquer momento e provocar uma tragédia”. A perícia da Polícia Civil constatou que a explosão foi causada pela “falta de segurança vigente no local, não somente em relação ao armazenamento dos propulsores e acessórios explosivos”.

A explosão da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus resultou em quatro processos judiciais, nas áreas cível, criminal, trabalhista e administrativa, contudo, segue pendente a responsabilização trabalhista, criminal e cível pelos danos causados às trabalhadoras e seus familiares.

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