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Equilíbrio entre urbanização e natureza exige técnica e respeito

Especialistas defendem reforma urbana que considere características e demandas de cada região

Publicado domingo, 05 de junho de 2022 às 06:00 h | Atualizado em 05/06/2022, 09:17 | Autor: Priscila Dórea
Contenção foi feita na Baixa do Cacau, mas moradores ainda sofrem com chuvas
Contenção foi feita na Baixa do Cacau, mas moradores ainda sofrem com chuvas -

Oito milhões de brasileiros foram afetados por catástrofes ambientais nos primeiros três meses de 2022, afirmam dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Essas anormalidades ambientais se transformaram em uma constante em boa parte do país, e o número de desalojados, desabrigados e vítimas fatais estão têm sido comuns. Hoje, 5 de junho, é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente, e a resposta que muitas famílias -  de Petrópolis, do sul da Bahia, de Recife - procuram, é: como encontrar um equilíbrio e sobreviver à fúria da natureza?

Morando há 12 anos na Ladeira do Cacau (São Caetano), o militar aposentado Agustino Damasceno aponta de sua janela casas nas comunidades vizinhas - Baixa do Cacau e Capelinha - que são invadidas pela água nas longas chuvas, outras alojadas na encosta sem contenção e ainda os espaços vazios de onde as casas foram arrancadas há algum tempo. Esses vizinhos de Agustinho fazem parte do grupo de mais de 11 milhões de brasileiros que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem em áreas urbanas sem infraestrutura adequada e em condições precárias.

“É muito triste, pois a Baixa do Cacau vira um rio em época de chuva. Acontece muito deslizamento do lado de lá, mas mesmo aqui na Ladeira não estamos imunes. Fiz questão de construir a minha casa com uma fundação forte, os pedreiros acharam exagero, mas com a encosta de um lado e uma pista movimentada do outro, optei pela segurança. Há algum tempo, a chuva fez com que a terra de uma encosta do lado esquerdo da Ladeira rompesse, e a terra e a água conseguiram empurrar um carro de um lado para outro e eu, que estava passando, quase fui levado junto”, lembra o aposentado.

Falta planejamento

A prefeitura fez a contenção da encosta, trazendo dias e noites de paz para as famílias da região. Porém, apesar de essenciais e importantes, muitas dessas contenções são símbolos do que falta em Salvador e na Bahia: um planejamento urbano pensado a longo prazo. O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU/BA), Neilton Dórea, explica que o último planejamento de Salvador foi feito na década de 70, o Plano de Desenvolvimento Urbano (Plandurb). O mais comum hoje, é que cada gestor faça o que planejou para seu mandato. E, às vezes, nem finalizam.

“E mesmo que essas gestões se unam e continuem os planos, não chega a ser um trabalho em equipe. A cidade é feita de projetos pontuais, quando deveria receber uma reforma urbana séria, sendo que grande parte desses acontecimentos e desastres provocados pela natureza são reflexo desse não-planejamento. O problema é que aquilo que você faz com a natureza, ele devolve em dobro. Tudo é pavimentado e mesmo obras importantes e essenciais como a do metrô, se tornam uma agressão a cidade pelo modo como são feitas, desrespeitando a topografia e acabando com a paisagem urbana”, aponta Neilton Dórea.

Caminho

Ele afirma que o equilíbrio entre o meio urbano e o meio ambiente é possível, mas para isso é preciso ter uma atitude técnica consciente. “É preciso criar condições que nos possibilitem viver em harmonia com a nossa topografia e meio ambiente, falta diálogo nesse sentido. Cada cidade tem suas diferenças e os técnicos precisam se ater a isso, criando uma legislação condizente e não uma cópia de outros lugares, como acontece. E mais: a população precisa participar, pois só assim teríamos uma legislação adequada”, afirma o presidente da CAU/BA.

“A função social da propriedade urbana é garantida quando o seu uso é sustentável a médio e longo prazo”, pontua o biólogo e diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ibio), Francisco Kelmo. Quando se trabalha desta forma, sem integração e monitoramento contínuo a longo prazo ou construção de memória e ajustes para correção das falhas, o prejuízo final é a degradação do ambiente. “O esgoto sem destino adequado contamina rios, lagoas e até mesmo o lençol freático, e torna os ambientes aquáticos insalubres, prejudicando a saúde dos animais que ali habitam, inclusive aqueles utilizados na alimentação humana, resultando em desequilíbrio ambiental”.

Não se pode ignorar o descarte inadequado do lixo, que se acumula, tornando-se o meio perfeito para o desenvolvimento de vírus, bactérias, fungos, parasitas, atrai insetos, roedores e outros animais e, consequentemente, potencializa a transmissão de zoonoses, como a zika, dengue, chikungunya e raiva, dentre outras. “Esse conjunto, coloca em risco a saúde pública, animal e ambiental”, alerta Francisco Kelmo. 

E os perigos de não se encontrar um equilíbrio entre o meio urbano e o meio ambiente é um dos medos de parte dos moradores de Cajazeira 2. Berço de uma imensa área de proteção ambiental (APA), a região está localizada ao redor do Rio Ipitanga que, junto ao Rio Joanes, é responsável por cerca de 40% do abastecimento de água de Salvador e região metropolitana. O problema? O aumento de condomínios residenciais às margens dessa reserva tem desmatado grandes terrenos e afastado a população da área, além de encurtar a distância entre a vida urbana e o rio, aumentando o risco de que esse leito se contamine.

Previsão

“É um verdadeiro paredão de concreto. Serão mais de cinco grandes empreendimentos, com apenas um deles destinado a pessoas de baixa renda. As reclamações de nossa parte são constantes, pois eles vêm fechando todas as áreas de acesso da comunidade, sem nenhum tipo de diálogo ou compensação pelo que hoje já são duas grandes áreas verdes ocupadas, que poderiam ser espaços de lazer. Também já começamos a nos preocupar com o grande contingente de pessoas que irão chegar, aumentando o número de carros e de passageiros nos ônibus”, explica o líder comunitário Kilson Melo, coordenador da Organização Ambiental, Esportiva e Cultural de Cajazeiras (Cajaverde).

Destruição

Ainda assim o Rio Ipitanga, apesar do perigo que se aproxima, está vivo. O mesmo não pode ser dito do Rio Mangabeira, na Rua Beira Rio, no KM 17 de Itapuã, um trecho que já está morto, e é ladeado por casas com estrutura precária e lixo. “Construímos jardins de flores em pneus nas margens para fazer com que não jogassem mais lixo, mas a comunidade parou de participar. Os políticos só aparecem em ano de eleição. Só foi feito o início de uma obra de contenção do rio que já dura 7 anos e não está nem na metade. Já faz meses que ninguém trabalha nela”, explica o líder comunitário Carlos Alberto Lima Machado, membro da Comissão de Acompanhamento das Obras dos Rios Jaguaribe e Mangabeira (CAO).

Outro morador da região e membro da CAO, Paulo Ricardo Novaes explica que essa obra não faz sentido. “O ideal seria fazer o envelopamento do rio e não criar contenções de concreto que vão desabrigar famílias e demolir suas casas”, afirma.

Conjuntos de casas devem considerar localização

Uma das maiores vantagens – e características– de uma cidade urbanizada é poder agregar moradia, trabalho e lazer, ressalta o presidente do CAU/BA, Neilton Dórea. “A criação das cidades é uma ideia genial que facilita a vida do ser humano. Por isso, não faz sentido que a solução para as famílias que moram em áreas de risco seja retirá-las de onde moram e colocá-las a quilômetros de distância, como os programas como Casa Verde e Amarela. Não tem cabimento e é um planejamento verticalizado burro, que apenas afasta a população pobre, preta e periféfica dos centros da cidade”, enfatiza.

A ideia, afirma ele, é que a pessoa ao sair de casa leve apenas de 10 a 15 minutos para chegar a um lugar de lazer ou mercado, por exemplo, mas ao invés disso, muitos desses conjuntos habitacionais são construídos em lugares bastante afastados de áreas comerciais. “Isso é algo que é preciso pensar quando se planeja, pois não adianta você transformar as pessoas em números e dizer que entregou 50 ou 100 casa em um ano, mas todas as famílias que vão morar lá estarão isoladas”, explica o presidente da CAU/BA.

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