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BAHIA

Escolas quilombolas valorizam saberes tradicionais de comunidades

São 42 unidades no interior da Bahia onde se pratica o ensino afrocentrado e antirracismo, em sintonia com as representações locais

Por Andreia Santana

12/08/2024 - 6:00 h
Atividade realizada este ano no Colégio Estadual de Tempo Integral Olavo Alves Pinto, Retirolândia. O Colégio recebe estudantes da Comunidade Quilombola de Jitaí
Atividade realizada este ano no Colégio Estadual de Tempo Integral Olavo Alves Pinto, Retirolândia. O Colégio recebe estudantes da Comunidade Quilombola de Jitaí -

Em Cachoeira, na região de Santiago do Iguape, os alunos do Colégio Estadual Quilombola de Tempo Integral da Bacia do Iguape se preparam para um festival literário que ocorrerá em novembro, ao mesmo tempo em que aprendem sobre o meio ambiente a partir das experiências da comunidade local, que vive da pesca e da agricultura de subsistência, principalmente do cultivo do dendê.

Enquanto isso, em Retirolândia, o Colégio Estadual de Tempo Integral Olavo Alves Pinto recebe alunos oriundos da comunidade quilombola de Jitaí para as aulas regulares, mas com um currículo reforçado pelo ensino afrocentrado e antirracismo.

As duas escolas fazem parte de um total de 42 unidades estaduais de ensino que funcionam, em sua maioria, em comunidades tradicionais no interior do estado e que, segundo a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) integram a Política de Educação Escolar Quilombola, desenvolvida pelo governo estadual. Nessas instituições estudam cerca de quatro mil alunos de todos os ciclos de ensino.

“A Política de Educação Escolar Quilombola é implementada através das diretrizes nacionais e das diretrizes estaduais da Educação Escolar Quilombola (EEQ). Atualmente, vem sendo feitos estudos técnicos, a partir das demandas das comunidades, para a ampliação desse número de escolas”, afirma Poliana Reis, diretora de Educação dos Povos e Comunidades Tradicionais da SEC.

A diretoria é composta pela Coordenação de Educação Escolar Quilombola, Coordenação de Educação do Campo e Coordenação de Educação Escolar Indígena. “Temos ações prioritárias, a exemplo do Currículo Específico Quilombola, que entregamos mês passado ao Conselho Estadual de Educação e foi construído de forma coletiva com as representações quilombolas. Também há o trabalho para a elaboração de material didático específico, a exemplo das trilhas afro-brasileira e indígena, ferramentas para a implantação das leis 10.639 e 11.645, acompanhamento pedagógico às unidades escolares, seminários formativos e parceria com as universidades para formação inicial e continuada de professores”, detalha Poliana.

As leis 10.639 e 11.645 são, respectivamente, as que estabeleceram o ensino da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas e as diretrizes para o ensino antirracista, decolonial a afrocentrado. A primeira foi publicada em 2003 e a segunda em 2008.

Em junho deste ano, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), publicou a Portaria nº 37, que institui a comissão de avaliação dos materiais didático, paradidático, literário e instrucional usados no ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas do país.

“A educação escolar quilombola está diretamente ligada à educação para as relações étnico-raciais, combate ao preconceito e intolerância religiosa. Alimenta-se da memória coletiva, dos marcos civilizatórios, das práticas culturais, das tecnologias e formas de produção do trabalho e dos repertórios orais”, complementa a diretora da SEC.

Segundo ela, a escola quilombola é a que está localizada em território quilombola. Mas, a EEQ tem de ser oferecida em qualquer espaço escolar que tenha estudantes quilombolas matriculados. “Isso significa que a escola tem que ter currículo contextualizado e projeto pedagógico que contemple os anseios e a diversidade das comunidades quilombolas”.

Atividades de Classe no Colégio Estadual Quilombola de Tempo Integral da Bacia do Iguape, em Santiago do Iguape - Cachoeira
Atividades de Classe no Colégio Estadual Quilombola de Tempo Integral da Bacia do Iguape, em Santiago do Iguape - Cachoeira | Foto: Divulgação

Realidade local

A coordenadora do mestrado profissional em Educação e Diversidade da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Iris Verena Oliveira, também defende que o EEQ esteja em todas as escolas que receberem alunos quilombolas, bem como que os materiais para o ensino da cultura afro-brasileira e indígena estejam nas escolas do país.

Para que isso seja possível, no entanto, é preciso ainda superar desafios como a formação dos profissionais de educação. “As leis preveem a obrigatoriedade do ensino afrocentrado, mas não articularam como os professores chegariam a esse conhecimento. É preciso manter uma formação continuada”, afirma.

Para Iris Verena, a formação continuada também precisa ser estendida a toda a comunidade escolar, como diretores, bibliotecários e demais profissionais. “Nas diretrizes para as escolas quilombolas está previsto que é necessário que os professores que vão atuar nessas escolas sejam, predominantemente, membros das comunidades quilombolas. Só que aí temos que fazer um trabalho de indução aos jovens das comunidades para que eles se formem e assumam esse posto de ensino”.

A UNEB tem dois cursos de formação continuada para professores das comunidades. “A ideia é formar quem já tem vivência da prática cultural daquela comunidade para que isso seja associado à prática pedagógica. Por exemplo, alguém que saiba valorizar que a merenda escolar seja feita com produtos da associação de agricultores da comunidade, que entenda as festividades locais, respeite as datas importantes daquela comunidade no calendário escolar, que valorize as tradições”, enumera Iris Verena.

Para ela, houve um avanço na produção de material didático de 2003 para cá, pois no começo, no afã de cumprir a legislação federal, foi produzido muito conteúdo sem conexão com a realidade das comunidades. “Chegaram a existir materiais que iam na direção contrária àquilo que se pretendia ou que tinham uma qualidade muito ruim. Agora, o maior desafio é fazer com que esses materiais cheguem aos professores”.

No mestrado profissional coordenado por Iris Verena, os professores são incentivados a construir o material. Mas, de acordo com ela, muitas vezes esse material produzido por um aluno do mestrado durante o seu período de experiência de campo e conclusão do curso, vai ser usado somente na escola onde ele já atua.

“Esse material poderia ser disseminado por toda a rede. Então seria preciso um tipo de incentivo para que esse material esteja acessível a todas as escolas e que se construa um acervo de conhecimento quilombola”, pontua.

Lições da comunidade

Samira Jéssica Alves de Santana Santos, diretora do Colégio Estadual Quilombola de Tempo Integral da Bacia do Iguape, conta que atualmente são 230 alunos de 11 das 19 comunidades quilombolas da região. O colégio oferece as três séries do Ensino Médio. Foi fundado em 1981 e, a partir de 2013, com a implantação das diretrizes de ensino quilombola, iniciou o seu processo de requalificação.

“Esse processo se intensificou em 2015, a partir de reivindicações dos movimentos sociais e das lideranças quilombolas da região. A escola passou a desenvolver o seu novo formato, já iniciado a partir da implementação das diretrizes pela SEC. Somos a primeira escola quilombola da Bahia a implementar as diretrizes do ensino quilombola”.

Em 2017, foi proposto que a escola mudasse de nome, porque de 1981 até 2017, era chamada de Colégio Estadual Eraldo Tinoco. Em 2017 foi definido o novo nome, que oficialmente passou a ser Colégio Estadual Quilombola de Tempo Integral da Bacia do Iguape a partir de 2021, com a publicação da alteração no Diário Oficial do Estado.

“Nas jornadas pedagógicas ocorre a discussão da agenda da comunidade e o material e o desenvolvimento dos conteúdos é em parceria com as lideranças locais, não só dos quilombos da Bacia do Iguape, mas também de Engenho da Ponte e São Francisco do Paraguaçu, entre outras lideranças regionais”, acrescenta a diretora.

Este ano, a escola já participou de festivais promovidos por redes de mulheres negras das comunidades locais e em 25 de julho, teve representação no encontro de mulheres negras promovido pelo Engenho da Ponte.

“Nosso objetivo é sempre estreitar os laços, porque desde o início já havia um foco em pertencimento e autoestima, mas agora a gente quer dinamizar mais essas relações e se integrar mais com a comunidade e com o território, contextualizando o currículo com a realidade local”, continua Samira.

Na próxima semana, a escola vai realizar uma feira de ciências. A instituição também ganhou o edital Makota Valdina e por isso vai promover o Festival Literário Negro e Quilombola, no mês de novembro, em alusão ao mês da Consciência Negra.

“Já começamos desde agora as mobilizações, adquirimos títulos de autores afro-indígenas, estamos montando um clube de leitura, atividades de teatro e de dança. Adquirimos os títulos para a biblioteca e os próprios estudantes estão fazendo no momento uma imersão por esses livros. Além da produção dos próprios estudantes que vai ser mostrada neste festival, também convidamos escritores que são oriundos daqui da região da Bacia do Iguape para que eles possam apresentar suas obras”.

Junto com os saberes tradicionais, os alunos do ensino médio também se preparam para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). O colégio, por exemplo, recebe as atividades do programa Universidade Para Todos (UPT).

Educação deve partir de elementos culturais locais

Os professores que cursam o mestrado profissional em Educação e Diversidade da UNEB trazem para a sala de aula os problemas da comunidade para que as questões sejam discutidas e, a partir daí, sejam sugeridas e criadas soluções.

O diferencial do mestrado profissional em relação ao acadêmico é que os alunos já são professores de comunidades quilombolas, chegam com o problema, passam a parte teórica do curso, que no total dura dois anos, discutindo a situação e, depois, na parte prática, saem a campo para testar a proposta de intervenção para a escola.

“No trabalho de campo, quando eles fazem esse mergulho na comunidade, já é um espaço conhecido, porque eles já são professores de lá. Temos relatos de profissionais que conviveram naquela escola a vida inteira, mas não prestavam atenção a determinada questão e só a partir da inquietação e das dificuldades que surgem e que eles trazem para o mestrado e começamos a discutir, é que eles começam a enxergar onde está o problema e o que precisa ser feito para solucionar”, diz Iris Verena.

Para a coordenadora do mestrado da UNEB, uma coisa muito importante a enfatizar quando se fala de ensino afrocentrado é que ele parta dos elementos culturais do universo do aluno e não apenas de textos acadêmicos.

“Por exemplo, temos o reisado, pegamos essa festa do reisado, levamos para dentro da escola, daí temos os aspectos de economia doméstica envolvidos com a festa, a influência do cristianismo, a relação das religiões de matriz africana com o cristianismo dentro dessa festa, quais são os papeis de gênero desempenhados nessa festa. O tempo todo chamamos a atenção para o universo dessa criança, para a realidade que ela vive, mostrando a inter-relação entre esse universo e o conhecimento adquirido na escola”, detalha Iris Verena.

De acordo com ela, no ensino tradicional se parte do princípio de que o aluno vai deixar a bagagem dele na porta da escola e receber um conhecimento totalmente novo, com novos repertório e significados. “Quando, na verdade, a escola é um ambiente de troca e é importante receber o conhecimento como um todo e não tratar o aluno como aquele que não sabe. O aluno traz de dentro da comunidade um olhar e ele tem muito também a ensinar e a dialogar com os professores”, afirma.

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Tags:

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