1ª EDIÇÃO
Expande Capão estreia com debates potentes sobre território, pertencimento e práticas de consciência
Mesa inaugural aborda identidade, práticas de cura e os desafios contemporâneos do uso de plantas de poder

Por Isabela Cardoso

O Vale do Capão, na Chapada Diamantina, abriu as portas, na quinta-feira, 20, para o Expande Capão, um encontro inédito que está rompendo barreiras ao colocar no mesmo palco ciência contemporânea, saberes ancestrais e cultura psicodélica. Com o Coreto da Vila lotado, a estreia foi marcada por reflexões profundas sobre pertencimento, ética e caminhos seguros para o uso de plantas de poder.
Mais do que um fórum, o Expande Capão nasceu como um movimento de reconexão, aproximando lideranças tradicionais, pesquisadores, terapeutas, médicos e pensadores críticos para discutir como o conhecimento ancestral e as evidências científicas podem caminhar juntos na construção de futuros mais saudáveis, comunitários e conscientes.
Primeiro debate: território, tradição e pertencimento
A programação começou às 16h com a mesa “Apresentação do Expande Capão e o território da Chapada”, dialogando sobre o papel do Vale na expansão da consciência, no turismo espiritual e na preservação das tradições que formam a identidade da região.
O debate colocou em evidência a pluralidade do Capão: lar de tradições indígenas, comunidades de matriz africana, espiritualistas, terapeutas, nativos e novos moradores que compartilham práticas ligadas ao cuidado e à transformação.

Participaram da mesa:
Dra. Cecília Nizarala
- Cris Nishimori
- Ayrã Nery
- Jarbas Rodrigues Junior
- Mediação: Marco Algorta e Diogo Busse
Representando a juventude nativa e a memória viva do território, Ayrã Nery, nganga do seu terreiro de Candomblé Angola, destacou a importância do encontro para fortalecer a identidade local.
“O Expande Capão foi algo que trouxe pra comunidade um ambiente que a gente pode expor o que é o Vale do Capão, expor a cultura, a ancestralidade, a espiritualidade, os problemas que ocorrem aqui também… Foi de extrema importância pra comunidade ver e escutar as pessoas que estão nas lideranças, tanto religiosas quanto comunitárias. O Capão merece mais e nós podemos fazer mais por ele”, disse.
A multiartista, produtora cultural e pesquisadora das medicinas da floresta, Cris Nishimori, reforçou o impacto da mesa para quebrar silêncios e legitimar a espiritualidade local no espaço público.
“Eu sinto que a mesa de hoje foi de extrema importância pro Vale do Capão porque foi uma oportunidade que a gente teve de falar de espiritualidade, oficialmente. (…) Eu acho que o Expande, com essa mesa de hoje, honrou o território, fez a gente se sentir representado e expandiu a nossa consciência. Podemos falar da nossa espiritualidade aqui, abertamente, no coreto”, comentou.
Unindo medicina integrativa e tradição daimista, Dra. Cecília Nizarala, representante da igreja do Santo Daime Centro Livre Estrela Azul, ressaltou o valor do evento como ponte entre saúde, espiritualidade e conhecimento responsável.
“Essa oportunidade de estar hoje aqui nesse evento, representando a minha doutrina (…) é uma grande abertura. Estar aqui, poder falar sobre saúde mental no contexto dos psicodélicos e sobre espiritualidade no contexto das plantas medicinais é uma grande expansão, da essência do trabalho que desenvolvemos e da minha comunidade, que agora pode receber um evento onde expomos nossa visão livre de julgamentos”, pontuou.
Já o terapeuta e dirigente da Escola de Umbanda Sagrada e Magia Divina Flor dos Orixás, Jarbas Rodrigues Junior, trouxe uma reflexão crítica sobre o cenário de busca espiritual no vale e a importância de espaços sérios de diálogo.
“Eu, visitante, que já estou aqui há 8 anos, acho esse Expande Capão muito importante, com temas muito relevantes, porque há uma ignorância de conhecimento espiritual. Tem muito oba-oba, muita curtição que não é espiritualidade real. Aqui a gente tem a possibilidade de divulgar o trabalho”, completou.
Segunda mesa: ayahuasca, biocultura e tensões contemporâneas
Às 18h, o segundo encontro do dia trouxe a mesa “Renascimento ou colonialismo? A Ayahuasca como biocultura”, ampliando o debate para as disputas simbólicas, políticas e éticas em torno das medicinas tradicionais, especialmente em um momento de expansão do uso e da comercialização dessas práticas no Brasil e no mundo.
O painel reuniu vozes fundamentais desse campo:
- Daiara Tukano
- Dra. Adana Omágua Kambeba
- Dr. Glauber Loures de Assis
- Jairo Lima
- Mediação: Marco Algorta
A mesa trouxe reflexões essenciais sobre a relação entre território, espiritualidade e biocultura. Indigenista e conselheiro do Instituto Yorenka Tasorentsi, Jairo Lima destacou que compreender a ayahuasca exige respeito ao contexto espiritual e cultural que a originou.
“Qualquer cultura de patriarcado sabe que a mãe de cinco filhos. Tem a mulher que recebeu os mistérios da Ayahuasca. Para muitos povos, inclusive, a Ayahuasca é mulher, ela é uma força feminina, a masculina é o tabaco. Se aprofundando, você vai entender que não se trata da Ayahuasca, se trata de toda uma cultura de um povo surgindo a partir daquilo. Isso é biocultura”, disse.
Em uma fala firme, Dra. Adana Omágua, a primeira médica de seu povo no Brasil, denunciou assimetrias históricas entre ciência ocidental e saber indígena, pedindo equidade no diálogo.
“Tomam o nosso conhecimento e não querem, sequer, nem ter uma repercussão, um compartilhamento, uma coisa justa conosco. Quero um diálogo frente a frente, mas na mesma altura. Ciência e tradição indígena, na mesma altura no diálogo com a ciência ocidental. ‘Ah, vamos só trabalhar com DMT’. Qual a fórmula farmacêutica? Comprimido, cápsula, xarope, inalado, não importa. Quem mostrou o caminho para vocês? Quem mostrou o caminho para a ciência ocidental? A ciência indígena, o saber dos nossos antigos, os nossos chamãs, nossos pajés”, destacou.
Já Daiara Tukano, artista, educadora e cofundadora da Conferência Indígena da Ayahuasca, chamou atenção para a necessidade de olhar para o impacto das medicinas dentro das próprias comunidades:
“A gente precisa conversar sobre o que acontece em nossas comunidades de maneira muito ampla. Seja a nossa comunidade um bairro, seja essa comunidade nossa aldeia ou seja essa comunidade nosso país”, pontuou.
A discussão trouxe reflexões sobre diversidade, equidade, reconhecimento dos povos tradicionais, regulamentação e o risco de apropriações culturais que não respeitam as raízes espirituais e políticas das medicinas da floresta.
Vale do Capão como território de consciência
Com curadoria de Marco Algorta e Diogo Busse, o Expande Capão inaugura sua primeira edição como um espaço vivo de diálogo entre neurociência, cultura, política, espiritualidade e práticas de cura.
Entre o céu estrelado, a força da Chapada e a presença de especialistas renomados, o primeiro dia reforçou o compromisso do evento em promover debates qualificados, gratuitos e abertos para toda a comunidade, fortalecendo o Vale como polo de conhecimento, educação, turismo sustentável e integração cultural.
A programação do Expande Capão acontece de forma paralela ao tradicional Capão in Blues, que movimenta o feriado da Consciência Negra no vale. Os debates e mesas acontecem no turno da tarde, enquanto os shows do festival ocupam a noite, criando uma experiência inédita que combina conhecimento, arte e celebração.
Sobre o Expande Capão
O Expande Capão é uma realização da Viramundo Produções, com patrocínio da aLeda.
O encontro reúne 18 especialistas em oito mesas temáticas, promovendo reflexões sobre saúde mental, enteógenos, espiritualidade, ética, neurociência e ancestralidade, com foco na construção de caminhos seguros, inclusivos e integrados.
SERVIÇO
Expande Capão 2025
Quando: 20 a 22 de novembro
Onde: Vale do Capão, Chapada Diamantina, Bahia
Entrada: gratuita e aberta ao público (sujeito à lotação do espaço)
Realização e Coordenação: Viramundo Produções
Produção Executiva: Trevo Produções
Apoio: Prefeitura de Palmeiras
Patrocínio: aLeda
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